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À Procura de Chaplin
Eduardo RosasRita Calçada Bastos

Neste circo divino, o profeta é ateu: Charlie Chaplin

‘À Procura de Chaplin’, peça teatral encenada por Rita Calçada Bastos, explora um lado trágico-cómico da existência. Está em cena entre 24 e 28 de Janeiro, no São Luiz.

Escrito por
Beatriz Magalhães
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Não vale a pena procurar. Aqui, não encontrará Chaplin. Talvez lhe venha à memória os seus maneirismos característicos ou a típica movimentação do corpo que não exige conversas, mas dele nem sinal. Em À Procura de Chaplin, é revisitado o universo clown e o imaginário circense, de forma a explorar um lado trágico-cómico da existência. A peça, criada e encenada por Rita Calçada Bastos, pode ser vista, de 24 a 28 de Janeiro, no São Luiz.

O espectáculo parte de uma trilogia, inteiramente criada por Rita Calçada Bastos. Se Eu Fosse Nina, a primeira das três peças teatrais, estabelecia um diálogo de suposições e conjecturas entre uma Nina roubada a textos de Anton Tchekov e de Tennessee Williams, e o imaginário da própria encenadora. Por outro lado, Eu Sou Clarice propunha criar um objecto teatral em torno da obra e vida da escritora Clarice Lispector. Agora, À Procura de Chaplin vem dar um fim à sequência de histórias. 

Ao contrário das duas primeiras produções, a criação desta partiu de um processo colaborativo e dinâmico. A par com a improvisação dos actores, “não partiu de nenhum guião pré-estabelecido, portanto partiu de algumas premissas que partilhei com os actores, dos filmes que vi, dos filmes que eles viram, de materiais que surgiam”, explica a encenadora. Charlie Chaplin, uma figura emblemática do cinema mudo, foi uma das inspirações principais na criação da peça. “De repente, começámos a brincar com uma banana e descobrimos que ele usava bananas nos seus filmes, portanto, de alguma forma, ele trabalhava neste universo e sincronizou-se com o universo dele.”

Uma das actrizes limpa o chão. No palco, agora às escuras, passeiam-se uns ténis iluminados. E, enfim, entra o actor que, através do corpo, dá vida à história e ao imaginário clown. Os adereços também não são esquecidos. Numa sequência inicial, um chapéu preto ao estilo de Chaplin chega ao actor através de uma teia, que o atormenta por cima da sua cabeça. Segue-se um número em que o protagonismo recai sob a dança do seu corpo com o chapéu, qual palhaço no circo. Luciano Amarelo, formado em teatro físico pela Escola Jacques Lecoq, traz a cena o estado de consciência característico das produções de Chaplin. Com ele, contracenam Carla Maciel, Carolina Faria e Maria Mingote. 

Na sala de ensaios do São Luiz, não dá ainda para ver tudo o que acontecerá em palco. Na sala Luis Miguel Cintra, a parede será coberta por um ciclorama, que passará fotografias de Eduardo Rosas. Estas convocarão o ambiente de cada cena. “Ele é uma pessoa que tem um trabalho que eu admiro. Esteve 20 anos a fazer fotojornalismo em contexto de guerra e depois deixou esse universo e começou a fotografar coisas completamente diferentes. E as fotografias dele são de uma sensibilidade que eu acho que valia a pena serem vistas em grande”, sublinha Rita. 

Além das imagens do fotógrafo português, cada cena é também acompanhada por cartões com passagens bíblicas. Um dia, quando chegou à sala de ensaios, o elenco deparou-se com uma Bíblia. Todos os dias, cada um lia uma passagem e, assim, a ideia passou a ser parte integrante do espectáculo. Este complemento torna-se algo irónico quando pensamos no facto de que se acredita que Charlie Chaplin era ateu, ou pelo menos agnóstico.

A invocação das convicções bíblicas ganham uma especial força numa das cenas finais da peça. Aquando de uma celebração fúnebre, a actriz que vimos no início a limpar o chão e que, entretanto, já tomou várias dimensões, lê uma passagem que realça a finitude da vida e a morte inevitável de todos nós. “Estamos vivos e depois estamos mortos”. Mas será possível estar vivo e morto em simultâneo? Ou estaremos todos mortos? Segundo a encenadora, “é brincar com a profecia divina, não é? De alguma forma, pensamos ‘está tudo escrito e como é que eu entendo as leis de Deus’? Como é que eu brinco? Como é que eu as interpreto? E esta é a brincadeira dele.” 

À Procura de Chaplin não procura ser uma cópia dos trabalhos do actor inglês, nem procura ser um circo. Num tempo em que é difícil não ser afectado com o que acontece na sociedade, o objecto teatral quer representar um escape para todos, que “andamos a sobreviver, não andamos a viver.” Acima de tudo, procura levar-nos a um estado de consciência e a uma ingenuidade, habitualmente invocadas por Chaplin.

São Luiz Teatro Municipal. 24-28 Jan. Qua-Sáb 20.00 Dom 17.30. 12€-15€

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