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Air: “O ‘Moon Safari’ mudou as nossas vidas, mas foi a morte da nossa inocência”

A dupla francesa actua a 9 de Julho no Ageas Cooljazz. Entrevistámos Nicolas Godin, que diz ter demorado décadas a aceitar as canções tal como elas foram gravadas.

Escrito por
Ricardo Farinha
Air
DR Jean-Benoît Dunckel (à esquerda) e Nicolas Godin (à direita)
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Os Air trazem a Cascais a digressão que assinala os 25 anos de Moon Safari, o álbum emblemático com que se estrearam em 1998, tornando-se numa banda de culto e influenciando muitos outros a construírem música em diversos subgéneros electrónicos. A dupla francesa é um dos principais destaques do Ageas Cooljazz, numa edição em que o festival também celebra um aniversário redondo – 20 anos. O concerto está marcado para 9 de Julho, o mesmo dia em que actuam os Marwan e Lana Gasparøtti (os bilhetes custam entre 30€ e 35€). A propósito deste regresso especial a Portugal, entrevistámos Nicolas Godin, que forma os Air com Jean-Benoît Dunckel.

Com esta tour estão a celebrar o 25.º aniversário do Moon Safari. Obviamente, foi um grande marco para vocês. As vossas vidas alteraram-se por completo com este disco?
Sim, mudou tudo. Digamos que o preto passou a branco [risos]. Antes do Moon Safari eu era um estudante, nunca tinha feito um concerto na vida, não sabia nada sobre a indústria da música e de repente tinha feito este disco enorme. Foi um grande choque descobrir tudo isto e partir para uma digressão, começar a dar entrevistas à imprensa... Porque eu era mais um tipo do estúdio. Foi uma grande mudança de vida. 

Era algo de que estava à espera, quando o disco ficou finalizado?
Acho que estava a sentir algo... E na noite em que fizemos o "Sexy Boy", disse a mim mesmo: é isto, isto é o que vai mudar tudo. O álbum foi lançado quatro ou cinco meses depois, mas durante esse período já sabia que íamos conseguir ter um grande sucesso, que seria incrível. Conseguia-se sentir a energia em estúdio, nas colunas, percebia-se que estava algo a acontecer que era maior do que nós. 

Houve algum marco no início que vos fez perceber, após o lançamento, que o álbum iria mesmo chegar longe e tornar-se tão relevante quanto se tornou?
Não, nós estávamos apenas a descobrir as coisas. Éramos um grupo de amigos. Ainda estávamos num pequeno mundo familiar no meio deste grande marco. O nosso agente era um amigo de Versailles, outros artistas como os Daft Punk e os Phoenix eram amigos nossos, por isso ainda estávamos integrados num pequeno grupo de pessoas que eram amigas, nas quais confiávamos muito. Era como se fosse uma equipa. E não era música muito comercial, então foi muito surpreendente. Era uma boa altura, quando podias fazer música um pouco especial mas ainda assim teres sucesso comercial. Foi uma boa época para o mundo da música, porque havia espaço para uma classe média como nós. Não tinhas que ser uma grande estrela. Podias fazer o teu próprio estilo de música e era algo bom. Acho que isso já não existe. 

E foi nesse momento que percebeu que ia fazer da música a sua vida?
Sim, por alguma razão conseguia sentir em mim que iria ter inspiração para mais álbuns e foi o que aconteceu. Depois daquilo, não conseguíamos travar a nossa fluidez musical. Talvez até ao Pocket Symphony [2007] ou ao disco com a Charlotte Gainsbourg, o 5:55 [2007]. Depois disso, tornou-se mais difícil criar. Mas até lá era muito suave e fácil.

O que é que vos inspirou a compor e a criar o Moon Safari? Quais eram as referências?
Acho que foi mesmo a nostalgia da infância. Um tempo inocente. Mas é um paradoxo, porque ao fazermos o Moon Safari sabíamos que estávamos a terminar a nossa inocência. O Moon Safari foi a morte da nossa inocência, e mesmo assim é um testemunho dela. Acabou por a destruir, foi algo muito cruel. 

Tornou-se um disco aclamado, considerado como um trabalho pioneiro que estabeleceu as bases para o downtempo e para outros géneros de música electrónica e ambiental. Sente que o reconhecimento tem sido justo ao longo dos anos
Sim. No início, por vezes, éramos só considerados uma banda com algum hype... Até havia pessoas que achavam que éramos apenas DJs. Mas depois percebeu-se que éramos bons músicos e compositores. Neste momento não me sinto incompreendido, mas no princípio houve momentos em que me senti assim. Por isso é que fizemos a banda sonora de As Virgens Suicidas [filme de Sofia Coppola, 1999] depois do Moon Safari, com música muito obscura, para mostrar que também tínhamos um lado sombrio e que não éramos apenas aquela música lounge de hotel. 

Foi uma questão de tempo?
A coisa boa do tempo é que, quando fiz o Moon Safari, queria construir algo intemporal. E agora, mais de 20 anos depois, tens essa resposta. Porque ainda é refrescante, provou-se que era mesmo intemporal. O tempo é a confirmação de que tomei a decisão certa quando estava a gravar o Moon Safari.

E como tem sido tocar de novo estes temas ao vivo, com esta digressão especial?
É muito estranho, porque quando fazes um álbum, começas com a tua melhor canção. Mas quando fazes um concerto, normalmente pões a tua melhor canção no fim. E nós, quando vamos para o palco, fazemos exactamente o oposto. Ou seja, começamos com a “La Femme D’Argent”, a "Sexy Boy" ou a “Kelly Watch The Stars”... As melhores. Depois disso, torna-se muito estranho [risos]. Mas como o disco é tão icónico, as pessoas ficam connosco até ao fim, por isso está tudo bem. 

E, obviamente, algumas destas canções nunca deixaram o vosso alinhamento de concertos; mas há outras que voltaram agora.
Sim, é muito estranho tocar algumas destas canções pela primeira vez. É bom porque nas últimas duas tours que fizemos estávamos a tocar mais ou menos sempre o mesmo alinhamento, por isso foi muito refrescante tocarmos agora canções diferentes.

Para artistas como vocês, que sempre se mantiveram activos em busca de novos sons e possibilidades, como se sentem em relação à nostalgia? Porque nem tudo é necessariamente positivo quando se está mais ligado ao passado. Por vezes há discos tão marcantes que podem ofuscar o resto da obra construída ao longo dos anos.
No início, foi muito difícil para mim tocar as canções como elas existiam no álbum porque eu estava sempre à procura de experiências novas, e sons diferentes, e só nos últimos cinco, seis ou sete anos é que consegui realmente aceitar a forma como as coisas foram gravadas. Só agora aceito que foi feito daquela maneira e que não há nada que possamos mudar, que seria estúpido alterar agora as coisas. Mas na primeira tour do Moon Safari estávamos a tocar os temas de uma maneira completamente diferente. A tour de 1998 foi bastante desapontante porque as pessoas não reconheciam as canções como elas existiam no disco. Disseram-me que seria impossível recriar o disco. Então, que se lixe, vou tocá-lo de forma distinta. Mas talvez isso tenha sido um erro, porque as pessoas ficavam frustradas. Agora já não, agora tocamo-las com os arranjos originais da gravação, mas levei 20 anos a aceitar que estes eram os melhores arranjos para as canções. 

Está cheio de vontade de levar essas canções a Cascais?
Claro, eu fiz os meus estudos com um amigo português, que agora vive em Lisboa mas que estudou comigo em Versailles. É um dos meus amigos mais próximos, estive com ele na semana passada em Londres, ele veio ver-nos ao Royal Albert Hall e também vai estar lá em Cascais. E a minha mulher é brasileira, a família dela fala português, estou sempre com a família dela... Sei que o Brasil não é Portugal, mas existe uma ligação até por causa da língua. E também falo com o meu cão em português [risos]. A minha mulher fala assim com o cão, então limito-me a repetir as mesmas palavras [risos].

Ageas Cooljazz. Hipódromo Manuel Possolo, Cascais. Ter, 9 de Julho. 30€-35€

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