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Derek Ali: “Kendrick Lamar queria ser o maior artista do mundo, e eu o melhor engenheiro de som”

Entrevistámos o famoso engenheiro de som que vem às Conferências do Estoril falar sobre música e tecnologia, a propósito da EngineEars, plataforma que lançou há um par de anos.

Ricardo Farinha
Escrito por
Ricardo Farinha
Derek Ali
DR
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O nome de Derek Ali pode não ser o mais sonante, mas se olharmos para a lista de músicos com os quais tem colaborado, aí o caso muda de figura. O engenheiro de som norte-americano misturou discos de Kendrick Lamar, Childish Gambino, Cardi B, ScHoolboy Q, SZA, Nipsey Hussle, Jay Rock ou Brockhampton, entre tantos outros.

É um trabalho discreto e muitas vezes invisível, mas fulcral para o resultado final de uma canção. Quando um artista grava a sua voz para se juntar a um instrumental, cabe ao engenheiro de som fazer a mistura das pistas de áudio que compõem um tema. O produto sónico é um trabalho tão criativo quanto técnico – e Derek Ali, também conhecido como MixedbyAli, tornou-se num dos melhores do seu ramo.

Aprendiz de Dr. Dre – um dos músicos, produtores e engenheiros de som fundamentais da música contemporânea – Derek Ali cresceu em Los Angeles e desde muito cedo começou a trabalhar com Kendrick Lamar. Das ruas para o mundo, os dois cresceram juntos enquanto artistas, com funções criativas complementares, e acabaram distinguidos com Grammys. MixedbyAli foi, durante muitos anos, o engenheiro de som da Top Dawg Entertainment (TDE), a editora de Kendrick Lamar e companhia.

Hoje, aos 34 anos, está sobretudo dedicado à plataforma digital que lançou em 2022, a EngineEars. Trata-se de uma aplicação que liga engenheiros de som e os respectivos estúdios a artistas que precisam de contratar serviços técnicos. No fundo, é como se fosse uma Uber que junta motoristas e clientes, sendo que neste caso são engenheiros de som e músicos.

Com um grande foco nos Estados Unidos da América, mas também com uma forte presença em países como o Reino Unido ou a Nigéria, a EngineEars tem hoje perto de 40 mil engenheiros de som ou estúdios e cerca de 60 mil artistas inscritos. É este projecto que traz Derek Ali a Cascais a 24 e 25 de Outubro, onde irá falar sobre música e tecnologia – nomeadamente ferramentas de inteligência artificial, outra das funcionalidades da plataforma – nas Conferências do Estoril. Entrevistámos o reputado engenheiro de som sobre o seu mais recente projecto mas também acerca da sua carreira.

Enquanto engenheiro de som, o que é que o levou a virar-se para a componente mais tecnológica e criar esta plataforma?
Enquanto engenheiro de som autodidacta, não tinha os meios para ir para a faculdade e aprender como construir um negócio. Foi tudo através de tentativa e erro. Naturalmente, à medida que criei o meu negócio criativo e independente até se tornar num dos maiores do mundo, começar a trabalhar na área da tecnologia foi algo que veio por necessidade pura. Ao tentar fazer escalar a minha marca pessoal e o meu negócio criativo, percebi que havia um tecto, um limite, por falta de tecnologia. E não vi nada no mercado que acrescentasse valor àquilo que eu estava a fazer, por isso foi só natural dizer: "então, vamos construí-lo". Em 2019 ou 2020 foi quando começámos a idealizar: como é que podemos criar uma plataforma que proporcione todos estes recursos, ferramentas e experiências? Temos estado numa viagem desde então.

Sente que este trabalho está relacionado com a sua vocação enquanto engenheiro de som, no sentido de gostar de estar constantemente a querer descobrir novas ferramentas e o potencial da tecnologia na música? A função de misturar música tem muito a ver com usar a tecnologia em prol da criatividade.
Absolutamente, é uma óptima observação. Eu gosto muito de mergulhar no desconhecido. E quando entrei na música... Já tinha uma paixão por desmontar coisas e reconstruí-las, mas não sabia que queria estar na indústria da música. E mergulhar nesse desconhecido abriu-me a oportunidade de questionar: como é que posso ir ainda mais longe? Como é que posso mergulhar num ramo de negócio se quase não concluí o liceu? E foi criar uma startup que tinha o potencial de transformar a indústria da música. 

E como é que sente que este trabalho com a EngineEars o fez evoluir enquanto engenheiro de som?
Acho que me inspiro mais pelas próprias pessoas. Por estar sempre em cima de tudo, enquanto CEO da EngineEars, passo muito tempo a conversar com os nossos utilizadores. Estou ao telefone com eles, a tentar perceber com que fricção é que eles estão a lidar, ou que problemas têm, ou que funcionalidades podemos criar para sermos mais eficientes... E são pessoas que vêm de todos os sítios, que têm o sonho de quebrar barreiras e criar oportunidades para eles próprios. Depois de fazer isto durante tanto tempo, voltou a inspirar-me. Porque me lembro de ter aquele sentimento e quero tê-lo de novo. E como é que o posso fazer? Isto é algo quase egoísta porque, no fim do dia, se não tivermos nenhuma ligação pessoal àquilo que estamos a fazer, para que é que o estamos a fazer? Honestamente, houve um momento da minha carreira em que me senti desinspirado, porque já tinha chegado a um pináculo que era muito alto. E foi só quando entrei neste negócio e descobri esta nova paixão para criar noutro campo que a chama reacendeu dentro de mim. 

E o que é que o levou, naquele momento, a virar-se para a tecnologia?
Foi muito uma questão de aprendizagem. Antes de termos um produto, uma plataforma, viajávamos pelo mundo a fazer workshops. E foi um momento muito importante na minha história, pois estava a viajar pelo mundo, a conhecer criativos como eu... Que podiam não ter chegado ao sucesso que eu tinha atingido naquela altura, mas ainda assim tinham conseguido plantar a semente daquilo que queriam construir. No início de 2019 foi quando fizemos estes workshops pelo mundo. Na primeira metade, eu contava a minha história, relacionando-me com todos os participantes. Na segunda parte, fazia uma desconstrução completa de um dos maiores álbuns que eu tinha feito, mostrando as ferramentas que eu tinha usado, o meu raciocínio na altura... Foi muito importante porque, quando aconteceu a pandemia, tivemos de interromper os workshops e fomos deixados com questionários, que tínhamos deixado aos nossos participantes. E falavam muito sobre a necessidade que sentiam em relação a ferramentas de negócio. Isso levou-nos para a jornada de construir tecnologia.

Sente que este tipo de plataformas, que potenciam outro tipo de contactos e métodos de trabalho, são o futuro da indústria da música?
Sim, estamos a desenvolver um ecossistema. Começámos com os engenheiros de som. Sabemos que é uma das abordagens mais difíceis de construir na indústria da música, porque é um nicho. Mas essa é a porta de entrada. Porque nunca tínhamos tido uma bandeira destas para hastear. Antes da EngineEars, tínhamos de usar a Dropbox, a Cash App, a Venmo, a Quickbooks, as mensagens do Instagram, o Gmail... E agora criámos uma ferramenta que permite gerir facilmente todos os aspectos do negócio. Criámos uma plataforma que faz com que os engenheiros não queiram trabalhar em mais lado nenhum. Eles próprios estão a trazer os clientes que já tinham para trabalharem com eles através da plataforma. É assim que o ecossistema se desenvolve. Temos engenheiros a trazer os seus artistas, artistas a encontrarem estúdios, estúdios a serem contratados, há músicas a serem criadas... E é nessa fase que podemos apresentar ferramentas como "recomendações da inteligência artificial", "sugestões criativas"... Mas primeiro temos de construir os alicerces de um novo ecossistema. E enquanto construímos uma nova versão da plataforma, que vamos lançar em breve, podemos idealizar como integrar a inteligência artificial para proporcionar valor. O [professor especializado de Harvard] Karim Lakhani disse uma vez que "não será a inteligência artificial a tomar conta disto tudo", vai ser "a inteligência artificial que habilita as pessoas". Sejas um artista, um estúdio ou um engenheiro de som, com estas ferramentas vais ser mais eficaz. Vão poder fazer crescer os seus negócios. Esse é o futuro. E será quando nos tornarmos no sistema operativo da indústria musical.

Neste momento está completamente focado na EngineEars, ou consegue conciliar a plataforma com o seu trabalho como engenheiro especializado em mistura?
Bem, a música é a minha paixão. Não estaria onde estou hoje na vida sem a música. Mas o meu foco neste momento é a EngineEars. Estou a tempo inteiro a construir a plataforma e, quando tenho tempo, ainda trabalho em discos. Ou, se há artistas que são meus amigos e que precisam do meu apoio... Claro, estarei sempre lá, porque o lado criativo vem primeiro. Mas no que diz respeito a criar este negócio, acredito que a missão é maior do que apenas eu a fazer uma música por dia. Como engenheiro, apenas sou capaz de misturar uma ou duas músicas por dia. Mas, através da plataforma, é como se estivesse a misturar um milhão de canções por dia. Isso tem um maior impacto no mundo e na comunidade musical, é algo que me transcende.

Para aqueles que não têm tantas noções sobre esta área mais técnica do ecossistema musical, como é que costuma explicar como é que se treina o ouvido, para perceber se algo soa bem? Tem tudo a ver com o tempo e a experiência?
Bem, tudo é tempo e experiência. Qualquer académico, qualquer profissional, qualquer político, seja quem fores, só fica melhor com o tempo. Mas, especificamente enquanto engenheiro de som, tem muito a ver com entender a música. E, sobretudo hoje, tem a ver com gosto pessoal. O que é que te soa novo? Como misturar e usar as ferramentas para juntar o bombo, a tarola, o baixo e a voz? Como fundir tudo para criar uma faixa que toda a gente ouve no Spotify? Começa tudo com paixão, tens de gostar disto ao ponto de não receberes um único dólar… Mas fazes porque amas. E é através desse amor que te vais tornar melhor, vais ter mais recursos, vais criar contactos, e depois o pagamento chega e torna-se num negócio. Digo sempre às pessoas: enquanto engenheiro de som, tens de estar OK com sentares-te num estúdio durante seis horas e só ouvires uma tarola. E tens de sair feliz. Se alguém se quiser tornar num criativo nesta área, o primeiro passo neste momento é juntar-se à EngineEars, onde tem experiências educativas sobre quais são os básicos para começar; e na própria plataforma pode monetizar aquilo que aprendeu com as ferramentas que desenvolvemos. Mas é como disseste, tem tudo a ver com tempo e experiência, temos todos de fazer as nossas 10 mil horas para sermos realmente bons.

Obviamente, música é criatividade e liberdade, mas também pode ser bastante científica e matemática. Há pouco falava das vantagens da inteligência artificial, mas também se tem falado muito dos perigos e dos riscos para a criatividade. Como é que vê esse lado?
Na indústria da música, aquilo que os criadores não entendem... Eles põem automaticamente de lado. Eu quero aceitar esse desconhecido. A história ensina-nos: quando abraçamos a tecnologia, acabamos por estar na linha da frente da próxima geração. E é muito interessante. Foi como disse há pouco: só consigo fazer uma ou duas canções por dia. Com algumas destas ferramentas, podemos habilitar alguém como eu a fazer 10 canções por dia. Podem ter mais tempo para a família, mais tempo para fazer coisas nos seus tempos livres, mais rendimentos para estarem mais confortáveis enquanto criadores... E mesmo a questão da barreira de entrada enquanto engenheiro de som... Nem toda a gente consegue pagar os cursos universitários. Mas ainda querem ter aquela informação. Imagina seres treinado para criar música enquanto estás a criar música... Estas oportunidades podem ser desenvolvidas e isso é que é interessante. E nós queremos habilitar todos os nossos utilizadores até ao seu potencial máximo. 

Mas sente que a música está inevitavelmente a mudar por causa da inteligência artificial? Porque há muitas ferramentas novas – e mesmo pessoas que não são artistas podem testar criar sons com algumas delas e criar canções com as vozes dos seus artistas favoritos apesar de não terem sido gravadas por eles... São ferramentas que estão a moldar e a impactar a indústria da música.
Concordo a 100%... Acho que, no ano passado, havia 120 mil canções novas no Spotify todos os dias. Isso deve-se às muitas plataformas e ferramentas que permitem às pessoas criar e distribuir as suas canções. Com a ajuda da inteligência artificial, isso vai duplicar ou triplicar. A barreira de entrada vai ser apenas ter uma ideia para uma canção. Acho que vai haver quase diferentes categorias de músicos: aqueles que o fazem por hobbie, utilizando estas ferramentas para terem uma paixão paralela; e aqueles que o vão fazer profissionalmente, num nível maior. Mas estas ferramentas vão proporcionar mais oportunidades, por isso vai haver mais criadores a fazer música. E isso faz com que os nossos utilizadores possam ter mais clientes, porque há mais artistas a fazer música no mercado e a querer distribuir as suas canções. Acho que este é um dos momentos mais interessantes da indústria da música e da tecnologia no geral.

"Quero proporcionar sensações analógicas num mundo digital"

Falando um pouco da sua carreira, como é que começou a fazer este trabalho na música? Porque, como disse, misturar canções é uma função técnica bastante específica.
Sempre fui o miúdo com hiperatividade e défice de atenção. Depois, era o miúdo que desmontava o computador ou o comando do carro para tentar perceber como funcionava. Nunca mais funcionava depois de eu os desmanchar todos, mas ficava sempre intrigado com o processo. E descobri que podia fazer isso com a música. Foi algo avassalador. No liceu, tinha um pequeno negócio. Antes de os toques de telemóvel terem músicas, tinham só beeps... E eu tinha um software através do qual conseguia aceder ao sistema dos telemóveis e gravava pessoas a fazerem os seus próprios toques de telemóvel. E isso foi muito antes de as pessoas poderem comprar os seus toques de telemóvel por 99 cêntimos. Aquilo desencadeou a minha paixão. Eu conseguir receber alguém na casa da minha avó, gravar durante 30 segundos, acrescentar instrumentos e efeitos, e depois ter um produto que poderia viver para sempre... A partir daí estava perdido. Pesquisei, estudei os que vieram antes de mim, estava completamente imerso no mundo da engenharia de som.

E a primeira pessoa que conheceu que trabalhava profissionalmente na música foi o Dr. Dre?
Numa grande escala, sim. Mas isso foi antes de o Kendrick Lamar ser o Kendrick Lamar. Eu e o Kendrick começámos a fazer música juntos em 2005. Desenvolvemo-nos cedo e o Dr. Dre assinou o Kendrick e tornou-se o meu mentor. Ele ensinou-me tudo o que eu sei.

E como é que conheceu o Kendrick?
Los Angeles não é uma cidade assim tão grande. Ouves falar neste ou naquele nome que está a fazer música... Isto foi muito antes das redes sociais. Nós ligámo-nos através de um estúdio numa cidade local onde tínhamos um amigo em comum. Conhecemo-nos no estúdio, ele disse que queria ser o maior artista do mundo e eu disse que queria ser o melhor engenheiro de som do mundo. E naturalmente começámos a trabalhar juntos, graças às nossas paixões. Consegui ajudá-lo, ele conseguiu ajudar-me a mim, como fazemos coisas diferentes. E construímos aquele laço que nos une e o som que o mundo acabou por adorar. 

Como disse há pouco, não tinha os meios para ir para a universidade ou para ter uma educação mais formal, mas aprendeu com um dos melhores, Dr. Dre. Como foi essa experiência?
Foi humilde. Eu vim das ruas e sei aquilo que não sei, é um dos meus super-poderes. E não sabia falar a língua, não conhecia a terminologia, só sabia o que soava bem. Por isso estava no estúdio com o Dr. Dre preocupado que ele me fizesse uma pergunta e eu não soubesse como responder... Mas ele é igual a mim. Faz o que lhe soa bem, passa muito tempo a ouvir coisas específicas... Nesse processo, misturámos o good kid, m.A.A.d city, do Kendrick Lamar. Através da mistura desse álbum, ele treinou-me a desenvolver o meu próprio som e eu consegui pegar nesse som e tomar conta da indústria da música. 

E tornou-se uma parte essencial do sucesso da Top Dawg Entertainment. Como é que funcionava o processo? Ia acompanhando aquilo que os artistas faziam, dando os seus inputs e depois tratando da mistura? Ou recebia as pistas e tentava fazer o que achava melhor? Não sei se os artistas davam orientações ou instruções específicas...
Tive sorte, acho que sou uma anomalia, no sentido em que os artistas com que eu tive a oportunidade de trabalhar... Eram o Kendrick Lamar, o ScHoolboy Q, a SZA, o Ab-Soul, o Isaiah Rashad... Tínhamos o estúdio da TDE, o sítio onde nos podíamos todos juntar e escapar de tudo aquilo que estava a acontecer nas nossas vidas. Todas as coisas das ruas, todos os problemas que tínhamos... Podíamos ir para aquele sítio e criar. E tudo o que tínhamos era tempo. Não havia responsabilidades, ninguém tinha um emprego, tudo o que queríamos era criar. Essa oportunidade que tive para desenvolver o meu som é porque eles nunca me deram instruções. Nunca disseram: olha, faz com que soe assim. Se eu quisesse testar algo novo, a pior coisa que eles poderiam dizer era: “eu não gosto”. O facto de eles me darem toda a liberdade criativa foi o que me permitiu perceber que não há regras no que toca a criar música. É só aquilo que soa bem. Não há "1" nem "0". É sobre sentimento. Como é que esta canção se relaciona com um indivíduo? Como é que podes experienciar uma canção? E isso devia-se ao facto de não ter artistas que me dissessem que eu só poderia fazer isto ou aquilo e mais nada. Eles incentivaram-me a tentar coisas diferentes e isso fez com que desenvolvesse o meu próprio som. 

Sei que pode ser um desafio, mas consegue descrever por palavras a identidade do seu som?
O meu estilo é calor. Como fui ensinado pelo Dr. Dre... Ele misturava tudo de forma analógica, com aquelas grandes mesas. Antes de o Kendrick ser assinado pelo Dr. Dre e quando estávamos todos a trabalhar numa pequena casa, era tudo com softwares, com uma DAW, uma Digital Audio Workstation. Quando pude mexer em equipamentos analógicos, o som, o calor e a densidade que recebes daquela electricidade... dá-te um sentimento diferente. Se há uma ferramenta com a qual não consigo trabalhar é a consola da Solid State Logic. É como o pincel da minha tela. A eletricidade a atravessar aquela consola, e os anos de cinza, fumo e bebidas derramadas... Dá-lhe um carácter específico, uma textura que não consegue ser duplicada. Por isso, definiria o meu som como clareza total, como sendo caloroso, como tendo profundidade... Quero proporcionar sensações analógicas num mundo digital. 

Muitas vezes, o trabalho do engenheiro de som pode ser invisível. Sente que pode ser uma função subvalorizada? Ou faz parte?
Sim, é subvalorizada, até porque a qualidade de muita da música foi decrescendo com os anos, já que as barreiras de entrada se foram eliminando... Pode ser uma bênção e uma maldição ao mesmo tempo. Sem essas barreiras, estás a lidar com canções que não são sonicamente agradáveis porque não estão bem misturadas. Também foi por isso que quisemos criar esta plataforma, para darmos acesso aos artistas para trabalharem com talentos de classe mundial. Mas, no fim do dia, digo sempre aos engenheiros: isto não é sobre nós. Somos apenas uma parte do processo de criação. O artista está no topo, o engenheiro está de um lado e o produtor do outro. Todos ali são uma ferramenta que assegure o melhor produto possível, que será uma canção. E sejas engenheiro ou produtor, não és maior do que a própria canção. Acho que a valorização existe quando está lá o respeito pela arte.

Claro, quando se gosta realmente de música, dá-se esse valor.
100%. E só por isso é que é possível existir hoje o nome MixedbyAli. Eu não sou uma pessoa vistosa, não me vês nas redes sociais, eu não quero aquela atenção. Mas quando entro numa sala, o respeito está lá porque coloco a arte em primeiro lugar. E não acho que os engenheiros de som devessem estar à procura de estrelato. Deveríamos estar à procura do melhor produto possível.

Existe algum género específico de música ou um artista com o qual não teve a oportunidade de trabalhar mas que gostava muito? Sons que nunca passaram pela sua Solid State Logic?
Tenho trabalhado sobretudo no campo do hip hop e do R&B. Também fiz algum reggae, algum rock, trabalhei com os Imagine Dragons, os Foster the People, mas há um grupo... Os Tame Impala. Adoro texturas. Se formos ouvir o To Pimp A Butterfly, do Kendrick Lamar, esse álbum está recheado de texturas. Isso é aquilo que me inspira, mergulhar no desconhecido. E adoro os Tame Impala, sou um grande fã da sua música, as texturas, a maneira como soam, adorava um dia poder perder-me naqueles sons.

O To Pimp A Butterfly foi o álbum que representou um momento de viragem na sua carreira?
Absolutamente. Ganhou o Grammy de Melhor Álbum de Rap e, tendo em conta a altura em que foi lançado... A "Alright" era usada em manifestações e marchas. Foi um projecto do seu tempo. Mas, mais do que isso, foi uma peça artística. A forma como o álbum se conjuga, a visão sónica que existe da primeira à última faixa, como soa tão coeso... É um dos melhores álbuns da década de 2010, disse a Rolling Stone. Foi um marco na minha carreira e vida.

Conferências do Estoril, Nova SBE em Carcavelos. 24 e 25 de Outubro. Grátis

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