[title]
3,9 quilómetros a nadar, 42,2 quilómetros a correr, 180,2 quilómetros a pedalar. O Ironman é uma das provas de triatlo mais exigentes do planeta e a edição de Cascais — que teve a sua primeira competição completa em 2020 — já se tornou numa das mais relevantes a nível mundial. Agora, um grupo cada vez maior de mulheres locais uniu-se para treinar em conjunto e tentar participar no Ironman de 2025, mesmo que seja na versão "half" — em que as distâncias descem para metade.
Fundado no último trimestre de 2024, e já com mais de 40 participantes, o grupo (que por enquanto é informal) foi uma iniciativa da cascaense Matilde Freitas. "Sempre fui muito atlética, fazia desportos de competição, mas há um ano e meio fui mãe e a recuperação foi lenta, havia muita coisa nova", começa por descrever. "Mas queria voltar ao activo, à minha forma, queria sentir-me bem comigo própria, voltar a fazer desporto porque tive de abdicar um bocado durante a gravidez". O marido já participava na prova há dois anos, mas Matilde não aspirava a acompanhá-lo. "Sempre vi a prova como sendo para grandes malucos. Parabéns, mas isto não é para mim. Achei que eram pessoas um bocado especiais para se estarem a propor àquele desafio.”
Mesmo assim, começou os treinos de triatlo em Junho de 2024 e participou na sua primeira prova em Setembro, em São Martinho do Porto. “Eu gostava dos treinos, mas são muitas horas, é muito solitário. Só que fazer a prova foi uma das melhores experiências da minha vida. Adorei e disse a mim mesma que ia continuar.”

Quando foi assistir ao Ironman em Cascais, um mês depois, estava com uma amiga que resolveu naquele momento que ia participar no ano seguinte. “De facto é muito emocionante ver as pessoas, o sofrimento e depois a satisfação de alcançarem aquilo para que trabalharam tanto. Quando a minha amiga me disse aquilo, pensei… 'Se tiver companhia para treinar, se calhar até considero.' Para mim o grande entrave era a falta de comunidade”, continua.
Matilde falou com outras amigas que fizeram comentários no mesmo sentido: já se tinham imaginado a participar, mas a preparação exigia muitas horas de treino ao longo do ano e era complicado ter tempo para tudo. “É muito difícil conciliar família, filhos… Muitas vezes é o parceiro que acaba por ir [treinar] e alguém tem de ficar em casa a compensar. As mulheres acabam por ficar sempre com esse papel, se nos pusermos nessa posição. Esta é uma oportunidade para fazermos a ruptura com aquilo que é o ‘normal’, com preconceitos que nós próprias temos”, diz, sobre o objectivo concretizado quando formou em Cascais um grupo de várias mulheres para treinarem em conjunto.
A meta estava traçada: fazer o Half Ironman a 18 de Outubro de 2025, cujas inscrições já estão abertas online. A empreendedora criou uma página de Instagram (Road to Ironwomen), através da qual começou a documentar a jornada de preparação das várias mulheres que se foram juntando. De forma natural, tantas outras ficaram a conhecer a iniciativa e envolveram-se.

“Do grupo inicial, umas corriam, mas ninguém nadava desde os 12 anos, e também ninguém andava a sério de bicicleta desde os 14… Foi um bocado uma loucura. O mote do Ironman é ‘tudo é possível’ e com um ano de preparação parece mais fazível.”
Estabeleceram uma parceria com o Clube de Natação e Triatlo de Lisboa (CNATRIL) e usam a Piscina do Alvito, às quintas-feiras, para treinar a parte aquática da prova. Todas são acompanhadas, de forma personalizada, pelo treinador de triatlo Hugo Ribeiro, mesmo que este só esteja presente nas sessões em água. Às segundas, quartas e sextas organizam momentos de corrida, sejam percursos longos ou sprints, além de treinarem com diferentes inclinações. Costumam correr entre Cascais e Carcavelos.
Ao fim-de-semana, fazem sempre um passeio de bicicleta, muitas vezes de Cascais a Sintra. Quem tiver disponibilidade ainda se pode juntar à equipa competitiva do CNATRIL, que treina natação duas horas por dia, quatro dias por semana. Para estarem aptas para participar no Ironman, a recomendação é que façam, em média, 10 horas de treino semanais.

Neste momento, o grupo conta com pessoas que vão dos 25 aos quase 60 anos. A maior parte deseja participar no próximo Ironman, mas o objectivo do colectivo tornou-se mais do que isso — acima de tudo, querem ser uma comunidade desportiva de mulheres em Cascais, por isso tanto têm um grupo no WhatsApp para as futuras concorrentes do Ironman, como têm um grupo simplesmente para quem deseja treinar em conjunto.
“Tentamos juntar-nos quando podemos”, explica Matilde. “Metade do grupo tem trabalhos normais de escritório, com horários fixos, por isso tem de treinar muito cedo, à hora de almoço ou ao final do dia. Outras pessoas, como eu, têm empregos ou projectos próprios e conseguem gerir de outra forma. É sempre difícil juntar muita gente, mas conseguimos juntar nem que seja duas pessoas para irem correr. E isso faz toda a diferença para a motivação e para tornar o percurso muito mais divertido. Somos competitivas, mas ao mesmo tempo é uma comunidade." A ideia é apoiar e inspirar as mulheres, mostrar-lhes que conseguem. "Não é bater o pé, mas lutar por nós, também precisamos do nosso tempo e do nosso bem-estar. E se gostamos de desporto, temos de normalizar isso, mesmo com uma vida difícil e com pouco tempo.”
Embora o Ironman seja o derradeiro objectivo, pelo meio muitas das participantes vão competindo noutras provas, seja de triatlo ou apenas de corrida. “Há umas que vão fazer a maratona de Barcelona no próximo fim-de-semana, fizemos um sprint há duas semanas em Santo André. O nosso próximo desafio vai ser o de Maio, o sprint de Oeiras”, conta Matilde.

Inês Gonçalves, de 52 anos, juntou-se ao grupo depois de o descobrir no Instagram. Embora não tivesse grande experiência nem conhecesse ninguém que estivesse envolvido, sentiu-se motivada a participar. “Nunca nadei, corria, mas só esporadicamente, e bicicleta só andava por lazer numa BTT eléctrica. Quando me perguntam porque é que o estou a fazer, não é nada físico. Não há nenhuma motivação para ficar fit ou por causa da menopausa – é saber interiormente que consigo chegar a uma coisa que eu nunca na vida pensei que seria capaz. Vamos a sítios que nunca conseguimos, a nível de superação. É muito emocional”, explica. “Uma coisa boa é que não estamos a competir entre nós, estamos a competir connosco próprias, com o apoio das outras. Mesmo que eu esteja num nível abaixo, elas apoiam-me, existe essa entreajuda. Fizemos aqui amigas e estamos muito ligadas.”
Nestes primeiros meses de vida, já estabeleceram uma parceria com a Câmara Municipal de Cascais, o que permitiu a oferta de inscrições para diversas competições; e para fortalecerem a comunidade, fizeram parcerias com os restaurantes Local - Your Healthy Kitchen e Paco Bigotes — uma vez por mês, juntam-se à mesa, porque nem tudo é treinos. “Depois de definirmos um nome, queremos ter camisolas para estarmos mais identificáveis na rua e espalharmos a mensagem.”