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Seu Jorge: “A arte é uma ferramenta poderosa para denunciar. Mas a principal função é fazer a festa, buscar a beleza”

O músico brasileiro acaba de lançar um novo disco, ‘Baile à la Baiana’, que apresenta neste Verão em Portugal com um concerto no Hipódromo Manuel Possolo, em Cascais. Falámos sobre o disco e a ligação que tem à vila portuguesa.

Ricardo Farinha
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Ricardo Farinha
Seu Jorge
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Referência maior da música popular brasileira contemporânea, Seu Jorge lançou há poucos dias, 16 de Fevereiro, o seu primeiro álbum de originais numa década, Baile à la Baiana. Precisamente meio ano depois, a 16 de Agosto, apresenta-o em Portugal com um concerto no Hipódromo Manuel Possolo, em Cascais. Os bilhetes estão à venda entre os 35€ e os 110€.

Baile à la Baiana, como o título sugere, é um disco fortemente inspirado na música do estado brasileiro da Bahia — o mais antigo do país, aquele que tem uma das maiores populações negras e uma maior ligação à ancestralidade africana que está tão presente no território e na sua história.

Seu Jorge quis trabalhar com músicos locais, como Magary Lord e Peu Meurray, para explorar um “afro pop” brasileiro, dançável e acelerado, alegre e celebratório, repleto de ritmo mas acústico. O samba carioca, aqui também evocado na palavra “baile” — tão associada ao Rio de Janeiro, a cidade de Seu Jorge — cruza-se com a soul, o funk e outros géneros da música negra. 

Em entrevista à Time Out, o músico de 54 anos fala sobre o novo álbum e antecipa o concerto que irá fazer dentro de meses em Cascais, uma vila que associa a um momento íntimo e a uma das pessoas mais importantes da sua vida, a sua mãe.

Está entusiasmado por voltar a Portugal e, sobretudo, a Cascais? Sei que tem uma relação especial com uma vila.
Uau, sim. Foi onde foi a primeira viagem internacional da minha mãe, foi a primeira vez que ela saiu do país e foi para passear. Eu tive oportunidade de alugar uma casa, ia passar uma temporada em Portugal, onde é uma beleza fazer temporadas de carro. Eu vinha fazer uns concertos, estava uns dias fora e depois voltava para casa. E lá descobri muitas coisas da minha mãe, enquanto pessoa com uma vida corrida. Foi esse momento que o permitiu. Lembro-me do orgulho dela, do feito em ter saído do país, e do meu feito de lhe ter proporcionado isso. E de ser realmente como eu imaginava, de ficarmos juntos, em vez de ser só uma pessoa que eu visitava no meio dos meus compromissos. Vivenciámos mesmo.

É um sítio que ficou associado a essa memória.
Sim, Cascais é um local que residirá em mim até ao fim da minha vida, por conta dessa pessoa tão vital para a minha existência que agora está no fim da sua própria vida. Cascais eterniza a minha mãe, esse momento e sentimento de puro prazer e encontro.

Portanto, vai ser especial voltar este ano. 
E estou com a ideia de talvez levar a minha mãe para ela ir ver o concerto.

O concerto vai ser uma viagem pela sua carreira, mas também a apresentação do novo álbum, suponho.
Exactamente, vai ser uma apresentação do novo álbum e espero que nesse momento ele já seja íntimo do público português. Nós desejamos sempre chegar ao maior número de pessoas possível. E até chegarmos a Portugal espero que o repertório já seja íntimo desse público. Mas sempre visitando os sucessos que me ajudaram a consagrar. É muito bom esta coisa da ligação ao longo dos anos. Percebes o quão consegues enriquecer o teu próprio repertório, e o público vai elegendo as músicas de que mais gosta. E a partir de agora vamo-nos relacionar também através desta música do Baile à la Baiana. É uma oportunidade diferenciada, levar um disco novo, saberem que continuas fértil, com coisas para dizer...

Como é que nesta fase da sua vida, e da sua carreira, se aproximou da Bahia para fazer este álbum?
A Bahia é um lugar muito próximo por herança, pela ancestralidade. É a primeira terra brasileira, onde fomos começando a nossa história. E a Bahia herda, na minha forma de pensar, o estatuto de uma Little África. E a minha ancestralidade consiste toda na africanidade. Não me consigo ver brasileiro sem me ver, antes, como africano. E muitas das coisas da identidade perdida residem na Bahia, e sobretudo em Salvador. É uma cidade em que 87% da população é negra. Então, o seu jeito como cidade é negro. A sua musicalidade é tão genial como espontânea. Os ritmos, a preservação, o jeito de se expressar... E o Rio também essa característica, nos subúrbios, nos bairros mais do gueto, onde a negritude se expressa através da soul, do funk... E eu carrego toda uma herança musical do Tim Maia, do Jorge Ben Jor, da Banda Black Rio, da Lady Zu... E achei interessante ter uma amizade com o Peu Meurray e o Magary Lord, ver neles a contemporaneidade disto, e fazer o Baile à la Baiana. O "baile" é uma expressão típica do Rio e juntei o "Baiana" por ser um baile com sabores de Salvador, da Bahia, de África. Estamos a procurar um afro pop brasileiro, a fortalecer essa ideia de que existe uma música pulsante, com ritmo, no electro-acústico-pop. Esta música rítmica tem sido mais electrónica. Mas nós temos o pulso dos tambores, das batidas, da percussão do Magary, dos pneus do Peu Meurray, do violão que eu toco inspirado no Jorge Ben... Desses sambas. É um disco de 120 BPM [batidas por minuto] para cima, que tem esse contexto de alegria e festa.

É um disco dançável e festivo.
É festivo, sim. Não podia levar nada melhor para um festival onde as pessoas vão para essas emoções, para celebrar a vida, a chegada do Sol. Isso é tão antigo, esse ritual à volta do Sol. Chega o Verão e toda a gente quer celebrar o Sol, seja na praia, nos festivais, nas cidades... As pessoas querem-se aglomerar! Nós agora vamos ter o Carnaval, são quatro dias para ser o que você quiser. Se quer ser pirata, tem quatro dias para piratear o que quiser. Quer ser columbino? Vá! E a música está muito presente. Não nos podemos esquecer de que a arte pode ser uma ferramenta poderosa para denunciarmos. Mas a sua principal função é fazer a festa, buscar a beleza, ligar-se à espiritualidade, surgirem boas ideias. Acho que a arte foi feita para isso. É uma ideia muito reprimida, de que a arte serve para a beleza, para o bem-estar... Também é sobre isso.

E este álbum, com estas características, já era uma ideia antiga? Houve alguma razão que o tenha levado a explorar mais este lado agora?
A razão era exactamente essa, fazer essa sinergia, derrubar os bairrismos. "O Rio é melhor", "a Bahia é melhor"... Nós derrubamos essa coisa. E é a possibilidade de te conheceres através do ritmo, da melodia, de saber partilhar essa melodia. No som, nos timbres, nos sorrisos que aparecem, no corpo... Ele sorri, a menina já sorri de volta, uma onda levantou e já estão juntos, nem se aperceberam de que era a música a criar o pretexto para as pessoas se ligarem. 

E era particularmente importante fazer, nesta altura do mundo, um álbum que fosse dançável e alegre?
Há dez anos que não lançava um álbum. Lancei sempre músicas com amigos, fiz muito cinema, fiz muitos concertos. E dez anos pedia um álbum que tivesse mais alegria, que fosse mais leve. Passámos por um dos momentos mais difíceis da história da humanidade, a pandemia, que chocou muita gente. Vamos viver sem sermos tão pragmáticos, vamos ligar-nos mais. Eu senti isso. Até porque, quando voltei aos concertos, e até foi em Portugal, as pessoas estavam completamente sedentas por esse encontro, felizes por estarem de novo a vivenciar a música ao vivo. No Brasil cheguei a tocar para carros, as pessoas estavam dentro dos carros, num drive-in. Elas só queriam ir para a rua. Parecia uma daquelas séries distópicas de uma plataforma de streaming, todos afastados uns dos outros, com os seus telemóveis. E agora podemos viver tudo de novo: abraçar, beijar, ir a festivais. Não queria ficar de fora dessa ideia. Se pudesse até eu estaria na plateia [risos]. Há muitos de nós que chegam a uma altura e até vão com o microfone para o meio das pessoas, porque é quase irresistível. É um encontro — é isso que a música proporciona.

Hipódromo Manuel Possolo (Cascais). 16 Ago (Sáb). 22.00. 35€-110€

+ Tome nota: estes são os grandes eventos que vão acontecer em Cascais em 2025

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