Quando a inteligência artificial trabalhar por nós e todos os desempregados ganharem um salário bom, vamos todos poder estender um almoço até às quatro da tarde, no Guimas, que é o sítio certo para beber coisas frescas e deitar conversa fora, enquanto se depenica um pastel de queijo.
Enquanto o mundo não muda, todavia, esse privilégio está guardado para as pessoas desafogadas de Cascais, sobretudo cariocas com saudades da Gávea, no Rio de Janeiro, onde a casa se fundou, já lá vão mais de quatro décadas.
No dia em que lá almocei, quase só se ouvia falar brasileiro e o ambiente era o de um bistrô relaxado, grupos de mulheres na paquera e empregadas de mesa e anfitriãs servindo vinho de mesa em mesa – a luz iluminando a sala e as toalhas de pano brancas, têxtil perdido algures no novo milénio, mas que ainda dá um charme bonito aos restaurantes.
Comecemos pelo vinho, que foi das coisas que mais me impressionaram. O Guimas é um dos melhores sítios para se beber vinho na Grande Lisboa, hoje em dia. Por duas razões.
A primeira: assim que escolhi o vinho, o Lagar de Baixo, um tinto da Bairrada, da Niepoort, percebi que o queria refrescado. Ao contrário do que é habitual, a escanção não se indignou com o pedido, assentindo de imediato e trazendo logo a solução, em forma de manga. Fácil. Simples. Ponham os olhos nos sommeliers do Brasil.
A segunda razão pela qual o Guimas, restaurante brasileiro, é dos melhores sítios para se beber vinho português, é o preço das garrafas. Eis um preçário com a maioria dos vinhos a custarem abaixo de 25 euros, vinhos interessantes, de produções selecionadas, da Bairrada às Beiras, dos Vinhos Verdes a Lisboa. Uma raridade nos dias de hoje.
Quanto aos comes. A carta tem poucas entradas e as que tem não conseguem promover uma refeição completa. Ou seja, aqui o regime não é o de petiscos para partilhar (haja, onde), mas antes assenta em pratos principais e individuais – estes, ao contrário dos vinhos, com valores puxadotes – uma dezena deles, selecção dos dez mais vendidos no Guimas brasileiro, pai do de Cascais, que tem à frente a filha do fundador.
Começou-se muito bem, com pastéis de queijo brie, melhor a massa – tipo massa tenra – do que o brie. Belíssimos, também, os pastéis de camarão, primos dos primeiros, que melhor ainda ficaram com a pimentinha da casa, molho picante à base de malaguetas frescas, saborosíssimas, aromáticas, a lembrar fruta tropical infusionada de capsaicina.
Nos principais, escolheram-se os dois pratos mais populares da casa – palavra da empregada de serviço. Veio então a moquequinha, com lulas, camarão e dourada. A moqueca não é um prato de grande intensidade, na origem, a cebola, o tomate e o pimento só levemente puxados, para que a frescura dos produtos brilhem. Mas no caso brilharam pouco, talvez porque faltou sal e porque faltou um peixe ao nível das exigências: a dourada era dessas de perfil baixo, em cubinhos filetados, sem grande expressão marinha.
Tudo melhorou com a tal pimentinha, de resto, e com o segundo prato: o famoso picadinho, uma espécie de pica pau do lombo em esteróides, acompanhado de farofa, banana frita, feijão e ovo estrelado.
Acabou-se em modo adocicado, com a “verrine” de cheesecake, designação poliglota para um copinho de queijo creme com calda de goiabada e farofa de Speculoos, os biscoitos da Flandres.
No final, saímos felizes já passava das 15.30, ainda no ar o som do português com sotaque carioca. Em síntese: está-se muito bem no Guimas, sobretudo se tivermos tempo, dinheiro e sede para ficarmos a beber os seus vinhos.