É muito comum os humanos gostarem de rabo. Mas a coisa muda quando se trata de aves. O rabo de frango é aquele vértice da ave que tanta gente coloca no canto do prato, junto dos ossos, quando come churrasco. Ora, isso pode mudar com uma visita a este Izakaya.
Depois de se comer o rabo de frango da nova casa do grupo Kappo (o restaurante de fine dining japonês de Cascais), deixamos de o descartar. É um caminho sem retorno, como acontece com o de tantos outros rabos. Aqui, vem cortado em dois, numa espetadinha, grelhado em carvão binchotan japonês, com ligeiras notas salgadas e adocicadas.
O petisco apareceu porque Isaac Jorge, o homem atrás do balcão — irmão de Tiago Penão — soube ler e ouvir os nossos desejos e ter ginástica para ir mudando o alinhamento. “Podemos servir-vos esse yakitori”, disse-nos, quando ainda comentávamos o menu — todo ele cheio de nomes de pratos japoneses, nem sempre fáceis de descodificar.
A visita aconteceu num almoço tranquilo a meio da semana, com tempo para um omakase nas calmas. No omakase (65€), o chef serve um conjunto de pratos escolhidos por si, como se fosse um menu degustação ocidental, idealmente com produto de temporada, mas onde interpretar o cliente também é importante.
A proximidade dada pelo balcão deste Izakaya, um L com apenas uma vintena de lugares, facilita essa leitura. Isaac Jorge esteve sempre atento às conversas e foi entrando discretamente nelas. Foi assim quando estávamos a seleccionar os yakitoris — as famosas espetadinhas japoneses — mas também quando suspirámos com a presença na carta de unagu, a enguia grelhada sobre arroz. “Por acaso, chegaram esta manhã”, atirou, prometendo-nos o pratinho mais à frente.
Outro espectáculo proporcionado por Isaac — sobretudo para maluquinhos da cutelaria — são as suas facas. O subchefe que, apesar de se colocar na sombra do irmão, já passou por outros balcões renomados — como o do Assuka e o de Paulo Morais —, usa belíssimas facas artesanais da autoria de Marco Neves e consegue discorrer sobre o aço de que são feitas.
Daqui se depreende que estamos perante uma experiência gastronómica completa, sem os aborrecimentos que tantas vezes nos trazem os fine dinings, com uma componente social importante.
É que este Izakaya não é o restaurante cozy de sushi lá do bairro. Aqui a música está sempre altinha e o cenário vibra de néons e gatos da sorte, estimulando-se a convivência entre pares e ímpares, bem como o consumo de saké, cervejas japonesas e vinho (pena haver poucas escolhas a copo).
Na tradição japonesa, este tipo de tascas são sítios onde se vai sobretudo beber, com um ou outro petisco a acompanhar. Em Portugal, dificilmente isso acontecerá, porque não há essa tradição e porque os preços não são de taberna.
Ainda assim, partilhando petisquinhos variados (otsumami), como a clássica nasu dengaku, a beringela assada com molho miso (bem boa, 7,5€), ou o nanbanzuke, um escabeche de cavala morno (bem bom, 10€), umas gyozas de rabo de boi (10€) e as espetadas yakitori conseguimos ser felizes por menos de 40€.
Nas yakitori, há espaço para a experimentação, como já se viu, e não apenas por causa dos rabos de frango. Vale também a pena provar as de pele de frango e as de ostra de frango, delicadíssimas.
Outro obrigatório, ainda no frango é o tori karaage, um clássico dos izakayas, porventura o frango frito mais especial do mundo. A carne é marinada com mirin, o molho japonês à base de vinho de arroz, e depois passada num polme de fécula e frita a alta temperatura. O interior fica incrivelmente tenro, com uma capa crocante mas leve.
Quanto às sobremesas, a variedade é muito menor, destacando-se um bolo da América Latina, o tres leches (um dos cozinheiros é venezuelano) que, sendo bom, não está ao nível dos melhores mexicanos.
Outra coisa menos bem é podermos ter o azar de escolher vários pratos que levam miso, a pasta japonesa adocicada, o que nos dá a sensação de repetição. Sendo picuinhas, também no omakase, mesmo reconhecendo-se que os izakayas não são restaurantes de sushi, julgo que que teria feito sentido haver um momento de sashimi — até porque espreitei ao longe uma magnífica peça de chutoro e fiquei invejoso.
Enfim, nada disto desmerece o sítio e a cozinha. O Izakaya Cascais pode ser a porta para um japonês menos convencional, em Portugal. Pode ser a porta, por exemplo, para a sua descoberta do rabo, do frango.