Há qualquer coisa numa rua pintada que alegra, seja cor-de-rosa ou amarela. Chegado ao Bairro Amarelo, em Cascais, senti logo uma vibração nova, como se estivesse noutro território. Foi aqui que a Câmara instalou, desde o Verão passado, uma zona dedicada à restauração de rua, sem trânsito, cheia de mesas dispostas na rua, gente de um lado para o outro e cheiro a especiarias e assados. E a estrada pintada.
Devia haver mais ruas coloridas, penso, já instalado numa das mesas do mexicano Malacopa, com uma tacinha de guacamole e uma cerveja Pacífico à frente. Percebe-se que o preto-asfalto domine na rodovia, não se compreende tão bem que vias pedonais sejam todas da mesma cor.
Está bom o guacamole, grosseiro e fresco – e não o useiro creme de abacate para recém- -nascidos – e isso instiga-me a prosseguir a reflexão óbvia ululante: devia haver mais investimento na restauração ao ar livre. Num país de clima temperado, a braços com um bicho caseirinho como a traça, é ir para a rua, é comer na rua. Sem medo. Com uma temperatura de 5 ºC, Copenhaga abanca-se nas esplanadas como um leão na savana, enquanto no Sul da Europa tremelicamos que nem crianças magrelas se há uma nuvenzinha a filtrar o bronze.
Está fresco? Dêem-se mantas aos comensais (recuperem-se as mantas tradicionais, que há tantas e bonitas). Aposte-se no aquecimento exterior. Chove? Faz sol a mais? Instale-se uma cobertura amovível elegante e eficiente (se Wimblendon consegue, uma viela também consegue), sem merchandising nem plásticos baratos.
O resto, nós temos. A prova está nos tacos que vão pousando em cima da mesa. Polvo em cima de tortilha frita e estaladiça; o clássico al pastor com o porco em cubinhos salteados e ananás; outra tortilha com couve flor grelhada e coleslaw; mais o camarão rebosado (frito em polme) grandinho, sobre maionese de chipotle (chile japapeño seco e fumado), abacate e couve roxa. Está tudo fresco, não há cebola velha (já sabemos que acontece muito). Isso é particularmente notório no pico de gallo, espécie de salada montanheira (algarvia) regada a lima, com o tomate e a cebola em cubinhos – que acompanha a quesadilla de tinga, esse mini-calzone mexicano, com queijo derretido e frango desfiado.
De resto, o abacate aparece sempre no ponto certo de maturação e cada taco tem sabor e textura. A carta tem quase todos os clássicos, dos feijões refritos, ao aguachille de camarão (espécie de ceviche com habaneros), passando pelas carnitas e pelo guisado conchinita pibil.
A controlar tudo e a servir está o dono, Pedro Leitão. Viveu na Cidade do México e de lá trouxe a cozinha. Mas é muito sua a honestidade e a transparência. Questionado sobre as tortilhas, admitiu não serem caseiras; e também assumiu que faltam tomatillos frescos nos molhos, um fruto típico da América Latina, muito difícil de se conseguir sem ser em conserva (não sei se alguém os terá em Portugal).
Nada disto desmerece o Malacopa, até porque fiquei com a impressão de que Pedro Leitão sabe o que faz e é pessoa para conseguir ambas as coisas, a curto prazo. O restaurante já é um pequeno oásis de México em Cascais; e poderá ser ainda maior, assim se olhe para o futuro e o quarteirão não desbote.
*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.