No seu livro O que se vê da Última Fila, Neil Gaiman fala sobre o carácter obsessivo que rodeou a preparação e elaboração deste livro de Alan Moore.
De mestre do policial a personagem de um crime. Em 1926, seis anos depois de ter criado Hercule Poirot, e a viver uma fase atribulada, Agatha Christie evapora-se sem deixar rasto, reaparecendo dias mais tarde. Quase um século depois, a tese oficial continua a não convencer, e o mistério subsiste, cheio de buracos por preencher. Andrew Wilson, jornalista que assinou as biografias de Patricia Highsmith, Sylvia Plath e Alexander McQueen, tentou tapá-los com Talento Para Matar (edição Asa), a trama policial que imagina o que poderá ter acontecido a uma das escritoras mais populares de sempre.
Recomendado: O melhor de Agatha Christie no cinema
Recorda-se da primeira vez que leu os livros de Christie?
Tinha 11 anos. Os primeiros romances que li foram O Assassinato de Roger Ackroyd e Morte no Nilo e lembro-me da sensação de choque e deslumbramento quando cheguei ao fim dos livros.
Que lições retirou destes enredos de mistério e investigação?
Adoro o facto de ela ser uma contadora de histórias brilhante. Leva-nos a virar página atrás de página, sempre na suposição até ao último momento. Sempre quis ser escritor – mesmo antes de ler Agatha Christie – mas ela fez-me acreditar na importância de uma narrativa forte. Contar uma história forte – seja num artigo de jornal ou num romance – é central no que faço.
O que o levou a ficcionar em particular sobre este período da vida da autora, quando desparece no Inverno de 1926?
Sempre me fascinou esta fase. Tem todos os ingredientes de um grande mistério – uma escritora de crime que desaparece na sua própria cena do crime. Raramente falava do assunto e omitiu este incidente na sua autobiografia. A fase coincide com vários problemas na sua vida. A sua mãe tinha acabado de morrer, o marido pediu-lhe o divórcio para poder casar com a jovem amante, e ela enfrentava um bloqueio criativo. Na versão oficial, divulgada dez dias depois, quando foi encontrada no spa de um hotel em Harrogate, dizia-se que sofrera de amnésia. Mas há muitas contradições e ambiguidades que não fazem sentido. Foi assim que decidi inventar o que teria realmente acontecido, segundo aquilo que imaginei.
Tantos anos depois, o mistério assenta-lhe como luva. O que a continua a manter tão popular?
Agatha Christie continua a ser a maior bestseller de todos os tempos e não me parece que isso vá mudar. Ela é lida por toda a gente, independentemente da idade, profissão ou classe social. Os leitores adoram a força das histórias e os cenários. Há também uma certa nostalgia associada à sua época, a era dourada das viagens e da elegância, para não falar da atracção pelos backgrounds luxuosos. Mas ela fala sempre para os nossos dias. Os seus romances não são pequenos mistérios, são exames profundos às luzes e sombras da personalidade humana.
O seu trabalho ajudou-o a distinguir a autora da mulher? Quem era esta personagem para lá do seu disfarce público?
Penso que fingia ser pouco mais do que uma tímida e discreta senhora da classe alta, mas era muito mais do que isso. Muito se passava debaixo dessa capa. Interessava-se imenso pela complexidade do comportamento humano e pela psicologia.
Fale-nos um pouco do seu processo de investigação para compor este livro.
Consultei jornais, registos policiais e testemunhas contemporâneas para poder traçar um retrato do desaparecimento. Depois, escrevi numa série de cartões com os diferentes factos como são conhecidos. A certa altura não podia permitir que a narrativa se afastasse demasiado do que terá acontecido a Agatha Christie, porque a enquadramos num certo tempo e espaço. Mas então aproveitei os buracos na história para injectar uma trama de crime e é aí que aparece o sinistro vilão Dr Patrick Kurs, que quer que Agatha cometa um crime em seu nome. Como lhe diz no fim do primeiro capítulo, "A senhora, Mrs Christie, vai cometer um assassinato. Mas antes disso, vai desaparecer".
Qual foi o maior desafio ao escrever do ponto de vista da escritora?
Não quis que o livro se transformasse numa paródia ou num pastiche. Tinha que apanhar a essência de Agatha e de criar uma personagem que fizesse a narrativa avançar. Ao mesmo tempo, tinha que escrever um livro que fosse para o leitor do século XXI, que tivesse uma frescura para um público moderno.
Já assinou várias biografias, como a de Patricia Higsmith ou Sylvia Plath. Neste caso, uma ficção. Como vê ambos os desafios?
São exercícios muito diferentes, mas que se cruzam em certos pontos. No caso da não-ficção, se fizer uma pesquisa correcta, tem o livro à sua frente mesmo antes de começar. No caso do romance, passa-se o oposto, tem uma página em branco, para além do esboço que fez do enredo. Podemos usar as técnicas do romance ao escrever não-ficção, e no caso da ficção pode fazer uma pesquisa exaustiva de forma a trazer credibilidade. Portanto, havendo diferença, há estes aspectos de contacto.
Por fim, se fosse um novo personagem de Agatha Christie, como se imagina?
Seria um detective amador, provavelmente demasiado curioso para o meu bem!