Luís Peixoto toca bandolim no novo disco 'Geodesia'
Fotografia: Andrea FontLuís Peixoto toca bandolim no novo disco 'Geodesia'
Fotografia: Andrea Font

Luís Peixoto: “Cada região tem uma riqueza musical própria”

O cordofonista e compositor Luís Peixoto lançou um novo disco, <i>Geodesia</i>. Falámos com ele sobre o mundo da música tradicional portuguesa.

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Já temos ouvido as suas cordas por aí, em vários discos e palcos – integrou os Dazkarieh e colaborou com nomes como Ana Bacalhau, Sebastião Antunes ou o mago do cavaquinho Júlio Pereira. Depois da fusão com a electrónica em Assimétrico (2017), no novo disco Geodesia foca-se no universo acústico dos cordofones tradicionais, sobretudo no bandolim. A uma chamada de distância de Barcelona, onde vive há cerca de três anos, Luís Peixoto fala-nos sobre o mundo da música tradicional portuguesa.

Como é que começaste a despertar para a música e para os cordofones?
A música sempre foi uma coisa natural. O meu primo José Peixoto, que toca neste disco, tocava nos Madredeus e era uma referência. Mas depois entrei em Engenharia Civil na Universidade de Coimbra, fui para a Estudantina e depois para um grupo de cordas. Mudei de Coimbra para o Porto a ver se conseguia acabar Engenharia, mas foi o contrário. Lá é que percebi que não era o que eu queria – tive o convite para ir para os Dazkahrieh, mudei-me para Lisboa e comecei a dedicar-me totalmente à música.

Há muitos preconceitos em relação às tunas, mas muitos músicos começam aí.
Há muitas tunas, mas a maior parte existe exclusivamente para o convívio e essas acabam por dar aquela imagem de excessos, dos bêbados a chatear as pessoas. Não foi o meu caso! [risos] Na tuna pagávamos a um mestre para ensaiar, tínhamos aulas de música, íamos a concursos, preocupávamo-nos com a qualidade musical.

Notas que ainda há muito desconhecimento sobre a música tradicional portuguesa?
Sim, pelo facto de não ser um estilo de música comercial. Existem encontros, certames e festivais, mas é um nicho de mercado. Mais comercial são as feiras medievais, mas isso é uma parte menos tradicional, é o imaginário da música celta. Mas também tem a ver com o desuso. A música tradicional vai sempre mudando – tenho uma foto do meu avô em que ele estava a tocar na aldeia, a festa principal eram aqueles instrumentos. Isso foi-se perdendo, os concertos agora são bandas com grandes PAs de som.

Achas que as escolas em Portugal não dão atenção suficiente aos instrumentos tradicionais?
Totalmente de acordo. Falando da inércia que vem do ensino do conservatório, da música clássica, é mesmo desinteresse. Vivi três anos na Galiza e lá, para além de se ensinar nas escolas as músicas tradicionais e os instrumentos, essa música faz parte da vida deles, está presente em qualquer festa. Cá, é preciso fazer um esforço para voltar a pegar nessa cultura, nessas raízes. A guitarra portuguesa, por exemplo, já se ensina em alguns conservatórios e com repertório do seu universo. O bandolim também existe no conservatório, mas como tem uma história longa, com peças barrocas, esse é o repertório que se ensina. O tradicional português fica no esquecimento. Devia haver consciencialização disso, porque faz parte da nossa cultura, cada região tem uma riqueza própria e isso às vezes é completamente desprezado. É uma pena.



No disco anterior fazias uma fusão com a electrónica – o que te levou a focar agora no universo acústico?
Com esse disco tocava com máquinas e computador e agora queria fazer concertos em banda. Mas a electrónica vai continuar, ando com vontade de fazer coisas novas. Se calhar é um problema meu gostar de coisas tão diferentes. Tenho o mesmo perfil no Spotify, as pessoas ficam baralhadas [risos].

São dois mundos que não se conhecem bem um ao outro.
Vai havendo algumas fusões, mas a realidade é essa. Conheço pessoas do tradicional que acham que um produtor de electrónica só carrega num botão. E as pessoas que vêm da electrónica acham que o tradicional são os músicos que andam nas feiras medievais com tochas de fogo e não sei quê [risos]. São aqueles estereótipos.

Porque é que é importante continuar a reinterpretar e reinventar a música tradicional?
É aquela satisfação pessoal de criar com base numa herança cultural, que no meu caso é a música portuguesa, que é muito vasta, e escolho a que me toca mais no coração. Podia simplesmente tentar recriar a música como se tocava há 50 anos, mas, já agora, já que estou aqui com as mãos à obra, gosto de tentar mudar qualquer coisa. E, na verdade, a música tradicional sempre foi isso – quem ouve e quem toca acrescenta-lhe sempre qualquer coisa, mesmo que não queira. Isso nota-se nas letras e nos instrumentais, faz parte do caminho das músicas tradicionais, vão passando de orelha em orelha.

Neste disco tocas sobretudo bandolim. Porquê este instrumento?
É o que me puxa mais para fazer melodias, que me dá maior liberdade. Mas não é exclusivamente para melodias – podes fazer acompanhamento, acordes, harmonias, etc. E é muito versátil, dá para tocar com outros instrumentos, há muito repertório que é comum em termos de afinação. Neste disco, eu queria ter centenas de convidados, o planeta todo [risos]. Quando fiz tournées por aí fora, no final dos espectáculos as pessoas juntavam-se num bar ou num café, sacavam dos instrumentos e começavam a tocar e a partilhar músicas, nascem ali ligações que ficam. Por exemplo, o finlandês Esko Järvelä é uma pessoa que conheço há imensos anos, quando nos encontramos em festivais já sabemos que temos de marcar uma hora para tocar juntos. Foi assim um bocado com todos os convidados. Cada um tem uma história, uma ligação.

Como é que o mundo lá fora sente os nossos cordofones, como é a reacção das pessoas?
Às vezes ficam surpreendidas por ouvirem uma coisa que é de Portugal e não é fado [risos]. Toco um corridinho ou um vira do Minho e perguntam: "Mas isso é música portuguesa?" Lá está, o fado é a parte comercial da música tradicional, foi o que acabou por ficar famoso lá fora.

Este disco foi lançado através de uma campanha de financiamento. Sem ela não teria sido possível editar?
Sem esta campanha, eu estaria agora a dever dinheiro aos estúdios, a ter de procurar alguma editora que estivesse disposta a editar o disco e a fazer a distribuição, e teria menos controlo sobre essas questões. O que acho fantástico no crowdfunding é conseguir chegar directamente às pessoas que já me conhecem. E não me arrisco a mandar fazer não sei quantos discos que depois não vendem.

O futuro da edição musical passa por aí?
Acho que faz todo o sentido. O sistema está sempre a mudar. Dantes as editoras investiam no estúdio, na gravação, mas agora faz-se muita coisa em casa, então as editoras têm menos por onde se agarrar. Para fornecer aquilo que os artistas precisam, têm que arranjar um formato justo para a coisa funcionar. É cada vez mais fácil auto-editar. Mas também confesso que a partir de certo ponto é impossível uma pessoa estar sozinha a fazer isso. ■

Luís Peixoto - Geodesia

  • 4/5 estrelas
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Do cavaquinho à viola braguesa, Luís Peixoto é um homem de muitos instrumentos. Em Geodesia foca-se no bandolim e faz magia com as melodias. É um disco de rara beleza e sensibilidade, de quem sabe que a tradição só permanece viva se for reinterpretada e reimaginada, desenconchando-a até nascer algo novo. O alinhamento tem temas maioritariamente da sua autoria, mas também explora e recria o cancioneiro tradicional, desde Trás-os-Montes ao Algarve, reinventando-o a muitas mãos. Os instrumentos são tocados por músicos de um mosaico de origens que evidencia as ligações entre as tradições ibéricas, mas não só – desde a Galiza, Astúrias, Catalunha, Múrcia, Ilhas Canárias, Finlândia, Cabo Verde e Portugal, representado por nomes como Celina da Piedade e José Peixoto (ex-Madredeus). A melhor música é universal, ensina-nos que não há fronteiras, que somos todos feitos de pedaços do mundo. Geodesia ergue pontes com outras culturas, mas de uma forma muito natural, nunca forçada. Quando cruza as cordas tradicionais portuguesas com as de outros países, mostra que muito mais é o que nos une do que o que nos separa.  ■

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