Música, Lido Pimienta
©DRLido Pimienta
©DR

Lido Pimienta: “Não é um projecto escolar. É a minha experiência de vida”

Lido Pimienta, a cantora colombiana radicada no Canadá, apresenta ‘Miss Colombia’ em Portugal. Falámos sobre as suas músicas e esperanças para o futuro do seu país natal.

Luís Filipe Rodrigues
Publicidade

Lido Pimienta nasceu na cidade colombiana de Barranquilla, perto do mar e das Caraíbas, em 1986. Apesar de viver há muitos anos no Canadá, nunca esqueceu as suas raízes e as músicas tradicionais que, desde 2010, funde com uma pop sintética e electrónica em discos cada vez mais ambiciosos, em que canta sobre o que sabe: as suas experiências enquanto mãe, mulher queer, afro-colombiana e de ascendência indígena. Miss Colombia, de 2020, é o mais recente álbum, mas já está a trabalhar num sucessor, sobre o qual prefere não revelar muitos detalhes. Antes dos concertos de quarta-feira, na ZDB, e do dia seguinte, no M.Ou.Co. (Porto), trocámos ideias sobre a música que produz e a histórica eleição do antigo guerrilheiro socialista Gustavo Petro para a Presidência do seu país natal.

Disseste anteriormente que os ataques racistas ao apresentador afro-americano Steve Harvey, em 2015, depois de ele ter anunciado erradamente que a Miss Colômbia era a Miss Universo, apenas para lhe tirar a coroa passados uns minutos, te forçaram a ver a Colômbia de outra maneira. Como é hoje a tua relação com a tua terra-mãe?
A maneira como os meus conterrâneos reagiram ao incidente que descreveste, no concurso Miss Universo 2015, tirou-me uma venda dos olhos. Até então, era como se estivesse cega. Romantizava a Colômbia, tal como a maior parte dos membros da diáspora que são forçados a abandonar o país. Quando estamos longe, temos saudades da nossa família, do nosso território e cultura, e esquecemos que nem tudo são rosas. Desde então, passei a ter uma relação de amor/ódio com o país. Mas tenho mais esperança agora. Quero que tudo o que está mal na Colômbia sirva de motivação para fazer melhor e criar oportunidades para os meus entes queridos que continuam lá. Tento concentrar-me no que é bom e merece uma plataforma.

O presidente-eleito da Colômbia, Gustavo Petro, é um antigo guerrilheiro e o primeiro líder de esquerda na história recente do país. Essa esperança deve-se em parte a ele?
Nenhuma pessoa pode mudar um país sozinha. E a imagem do Petro vai causar ainda mais divisão numa nação que já está muito dividida. Não obstante, encaro o Petro e a [vice-presidente-eleita] Francia Márquez como algo de muito bom para a Colômbia. Uma experiência democrática e o resultado da juventude e das mulheres nas artes, na cultura, nas periferias e em todos os contextos a lutarem por uma hipótese de terem liberdade e dignidade.

Achas que esse movimento pode mudar o país para melhor?
Só se todos – na esquerda e na direita e no centro – encontrarmos formas de coexistir e seguir em frente. Mas tenho esperança. E estou muito orgulhosa por o meu país ter dado este salto [para o desconhecido] e mostrado a quem sempre esteve no poder que estamos fartos e prontos para mudar as narrativas de violência e injustiça que teimam em não desaparecer. Quer as pessoas queiram quer não, temos de remar todos na mesma direcção. Estamos juntos.

Chamaste ao teu último disco Miss Colombia [2020] por causa do incidente de que falávamos há pouco. Segundo sei começaste a escrevê-lo pouco depois, em 2016. Porque demoraste tanto tempo a editá-lo?
Quis tornar-me uma cantora e uma produtora melhor. Quis trabalhar com um produtor que pudesse ser um mentor para mim; e encontrei aquilo de que estava à procura no Matt Smith, também conhecido como Prince Nifty, que trabalhou no Miss Colombia comigo. Além disso, muitas coisas tiveram de se alinhar (sobretudo a habitação e os cuidados infantis), porque quis viajar para a Colômbia e gravar lá tanto quanto fosse possível, mas primeiro fui para o Chile trabalhar nas maquetes. Em suma, sabia que o Miss Colombia ia ser um trabalho importante e não queria apressá-lo, e também tive de tratar da vida real primeiro. Agora passa-se o mesmo. Nunca faço nada só para me divertir, e penso muito antes de começar um novo ciclo de gravações. Tenho de sentir que é a altura certa e que as minhas crianças e o resto da minha família estão bem antes de conseguir concentrar-me na música.

Entre a edição do segundo disco, La Papessa, em 2016, e o Miss Colombia, em 2020, ganhaste o Polaris Music Prize, a maior distinção da indústria musical canadiana. Como é que isso afectou a tua trajectória e o álbum que fizeste?
Ganhei o Polaris em 2017. O dinheiro do prémio ajudou-me a construir um estúdio e a investir em mim. Mas a minha ética de trabalho manteve-se inalterada, tal como a minha vontade de crescer enquanto artista, e aprender mais sobre a minha voz, sobre produção musical e composição. O prémio, para mim, só significou que tinha de dar ainda mais atenção ao meu trabalho e aprender a valorizar-me e respeitar-me mais enquanto artista.

Os jornalistas costumam referir-se à música que tu fazes como nova cumbia ou novo bullerengue. Sei que isso te deixava desconfortável. Ainda odeias que façam isso?
Compreendo porque é que as pessoas se referem à minha música dessa maneira, mas não deixa de estar errado. Faço pop experimental. É claro que há referências afro-colombianas e ritmos antilhanos nas minhas canções, mas apenas porque isso está no meu sangue... Não é decoração, nem um projecto escolar. É a minha experiência de vida.

A primeira metade de Miss Colombia é um disco pop mais experimental, como dizes. Mas a partir de dada altura abraças mais as tuas raízes e as músicas tradicionais. Porque decidiste dividir o álbum assim?
Porque, com o Miss Colombia, a minha ideia era redimir a Colômbia, mostrando a nossa rica e abundante cultura. No lado A há canções onde exprimo o meu desconforto, desdém, desapontamento e tristeza. Enquanto o lado B mostra o amor, a felicidade e o quão brilhante é a Colômbia caribenha, aquilo que me manteve e mantém ligada à minha terra.

Há umas quantas canções de amor no álbum – “Eso Que Tu Haces”, “Te Quería”, “Quiero Que Me Salves”... Quem é o objecto desse amor? Uma pessoa? Uma ideia? A própria Colômbia?
Na verdade, a única canção de amor é a “Quiero Que Me Salves”. Mas, lá está, mesmo aí canto sobre o meu passado. Sobre o meu país. Não tenho jeito para escrever canções de amor tradicionais. Prefiro concentrar-me no que sei: pensamento crítico e drama.

M.Ou.Co. Qui 21.00. 14€-18€.

Mais entrevistas

Publicidade
Recomendado
    Também poderá gostar
    Também poderá gostar
    Publicidade