No período áureo do western, os índios pouco mais foram do que figuras anónimas cujo papel se resumia a cavalgar em círculos em torno da caravana dos brancos e a debandar desordenadamente, deixando vários mortos no campo de batalha, quando a cavalaria chegava triunfalmente. Se era assim no cinema, na música “erudita” produzida no continente americano a sua presença também tem sido discreta, pois, durante muito tempo, os conservatórios adestravam os compositores na tradição sinfónica europeia e não incentivavam a investigação das tradições musicais ameríndias.
Um dos primeiros compositores a interessar-se por estas foi o mexicano de origem crioula Carlos Chávez (1899-1978), que, entre os 20 e os 22 anos, compôs o bailado El Fuego Nuevo, baseado numa lenda azteca. As lendas e músicas ameríndias foram uma das principais fontes de inspiração de Chávez, a par do engajamento social e político (compôs uma Sinfonía Proletaria) e do fascínio, de raiz futurista, pela tecnologia (patente em Energía e no bailado Caballos de Vapor). A sua obra mais famosa é a Sinfonía n.o 2, dita Sinfonía India (1936), que é a que se ouvirá neste programa da Orquestra Sinfónica do Porto, com direcção de Joseph Swensen. Baseia-se em três melodias tradicionais de índios mexicanos – os Huicholes (de Cora), os Yaquis (de Sonora) e os Seris (da Baja California) – e dá papel de relevo a uma panóplia de instrumentos de percussão mexicanos. Antevendo que estes não estariam disponíveis em salas de concertos de outras paragens, Chávez teve o cuidado de indicar na partitura sucedâneos para cada um deles – é, pois, provável que na Casa da Música não se ouçam a jicara de agua (meia cabaça invertida tocada dentro de água), o teponaztli (um tambor ritual azteca) ou o grijutian (um chocalho de cascos de veado).
As Variaciones Concertantes op.23 (1953) do argentino Alberto Ginastera não têm marcas ameríndias, embora várias obras suas (como Malambo, Panambí, Estancia, Ollantay, Pampeana, Popol Vuh) tenham sido inspiradas pela história, geografia e tradições do seu continente.
O op.23 tem 12 andamentos, cada um dos quais coloca em relevo um ou dois instrumentos, com excepção do último andamento, que é um rondó para toda a orquestra. O programa completa-se com uma obra de um “gringo”, a Sinfonia n.º 2 The Age of Anxiety (1949), de Leonard Bernstein, inspirada no poema homónimo de W. H. Auden, que coloca interrogações sobre o lugar do homem num mundo cada vez mais dominado por máquinas (tema que se tornou mais premente 70 anos depois). A sinfonia reserva papel de relevo ao piano, que será, nesta ocasião, tocado por Roman Rabinovich.