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Hipnótico, brilhante, desconcertante e perturbador, capaz de levar alguém à loucura. As reacções foram registadas por Brian De Palma, o homem que realizou Scarface, em 1983, mas que em Fevereiro de 1965 esteve no MoMA, em Nova Iorque, para documentar a inauguração da exposição “The Responsive Eye”. Através de formas geométricas, padrões complexos, espirais e linhas ondeantes, cerca de 125 obras de arte abstracta mexeram com o mais imediato dos sentidos, a visão.
Naquelas paredes estava o que de mais fresco a arte contemporânea tinha para oferecer, um movimento que ficou conhecido como op art – arte óptica –, cujas criações eram dotadas de efeitos especiais, conseguidas através do uso da cor e da geometria. A exposição foi um sucesso. Não só atraiu milhares de visitantes, tornando-se uma das mais populares da época, como deu origem a uma série de três episódios na CBS, conduzida por Mike Wallace.
Quase 60 anos depois, Portugal recebe a maior exposição de sempre – e também a mais internacional – dedicada à arte óptica e cinética (este segundo conceito abrange também obras percepcionadas através de movimentos físicos). Mais de 100 obras de 60 artistas de todo o mundo ocupam o recém-inaugurado Atkinson Museum, parte do ambicioso pólo cultural World of Wine, em Vila Nova de Gaia. Entre esculturas, pinturas, filmes e instalações, são todas elas jóias da colecção da britânica Tate e voaram em massa de Xangai, onde a mesma exposição esteve patente, para a Europa, num processo logístico complexo.
“The Dynamic Eye: Beyond Optical and Kinetic Art” contém, no título, uma óbvia referência à bem-sucedida mostra nova-iorquina. Contudo, proporciona aos visitantes o que nos anos 60 seria impossível: uma perspectiva histórica dos movimentos fundadores da arte óptica e cinética durante o século XX.
Uma exposição centrada num período temporal que vai dos anos 50 à década de 70. Mesmo com obras mais tardias, é este o ponto alto da arte óptica e cinética, como explica Valentina Ravaglia, que sucedeu a Clara Kim no papel de curadora. “Estes artistas reagiram ao Expressionismo Abstracto e a uma espécie de híper forma de expressão, cheia de subjectividade, em que o gesto de pintar era indício de genialidade individual. Acharam que se estava a dar demasiada ênfase ao artista e menos à relação entre as obras de arte e o público. Como forma de contrariar isso, optaram por um certo tipo de construção geométrica – mais impessoal e baseada em aspectos da visão e da percepção, que eles consideraram bons pontos de partida, mesmo para quem não tivesse conhecimento sobre arte”, detalha Ravaglia. E acrescenta: “Por isso é que muitos dos artistas que incluímos na exposição escolhem formas geométricas, porque qualquer pessoa compreende a geometria simples e a relação entre as formas. Foi uma forma, segundo eles, de desmistificar a arte e torná-la acessível a todos”.
As obras estão nas paredes do Atkinson Museum, prontas, não para serem conceptualmente decifradas ou interpretadas, mas para porem à prova os sentidos de quem diante delas se coloca, sobretudo a visão. “És tu e a relação com a obra que tens à tua frente. E esta é uma das razões pelas quais as obras de arte óptica e cinética continuam a ressoar – elas são, na sua essência, simples, embora haja pensamento por trás. Mas da perspectiva de quem está a ver pela primeira vez, isso é praticamente secundário”, acrescenta, em conversa com a Time Out.
Valentina tomou as rédeas curatoriais da exposição itinerante em Outubro do ano passado. Até então, trabalhou dentro da Tate Modern. Escusado será dizer que conhece a colecção de arte moderna e contemporânea como a palma da mão. “Foi como reencontrar um velho amigo”, admite.
Sem uma organização estritamente cronológica, “The Dynamic Eye: Beyond Optical and Kinetic Art” percorre, um a um, os grupos de artistas que serviram de propulsores ao movimento da arte óptica e cinética do século XX, ainda que tal rótulo não fosse consensual entre eles. Falamos do Groupe de Recherche d'Art Visuel, em Paris, da Signals, galeria londrina onde se destacaram vários artistas latino-americanos, do Zero, grupo fundado por Heinz Mack and Otto Piene em Düsseldorf, do movimento New Tendencies, em Zagreb, ou da própria Arte Programmata, em Itália.
O trabalho de Ravaglia tem-na levado a debruçar-se sobre a relação entre arte, tecnologia e ciência. O trinómio não é, de todo, alheio à exposição que agora chega a Gaia. A matemática, a investigação científica e a teoria da cor são, na verdade, alguns dos fundamentos exactos de muitas das obras expostas. “Muitos destes artistas consideraram o seu trabalho uma forma de investigação visual. Por isso é que eles meio que hibridizaram práticas artísticas com práticas científicas experimentais. Olham para a arte como uma forma de fazer ciência e vice-versa.”
Uma exposição dividida entre a contemplação e a interactividade, embora a conservação de algumas peças impeça que sejam manuseadas da forma concebida pelos autores. É o caso de Bichos, de Lygia Clark, esculturas metálicas com várias dobradiças – uma forma de a artista brasileira “atribuir a criação da escultura ao próprio visitante”, segundo a curadora. “Hoje são obras históricas que queremos preservar do ponto de vista material. Até temos a sensação de que estamos a desvirtuar os objectos, no sentido em que foram feitos para serem manipulados, mas já não é possível, simplesmente.” E continua. “Mesmo quando é uma pintura ou uma escultura criada apenas para ser contemplada, eles quiseram reforçar este envolvimento activo dos sentidos. E fizeram-no através de efeitos ópticos e de movimento, para que fosse mais do que uma relação passiva entre espectador e obra de arte”.
O rol é extenso, afinal falamos de mais de uma centena de obras internacionais, raramente expostas, muito menos fora das galerias da Tate Modern, em Londres. O inventário continua: uma peça azul de Julio Le Parc – Sphère bleue – surge suspensa e as suas peças oscilam à medida que o público se desloca dentro da sala. No caso da escultura de Harry Kramer, é fácil perceber que na origem dos movimentos da peça está um motor caseiro e rudimentar, feito com cola, parafusos e um pouco de corda. “Muitas das obras têm componentes motorizados, hoje com mais de 50 anos. Alguns são um pouco temperamentais, por isso tivemos de perder algum tempo antes de a exposição inaugurar para confirmar que tudo estava a funcionar. Em alguns casos, os engenhos já eram precários à partida. Houve muito DIY, digamos.”
Um dos pontos altos é Cloud Canyon, peça de David Medalla que faz parte de uma série com o mesmo nome. Uma escultura viva feita de espuma, assente num mecanismo invisível que mistura água e sabão, fazendo com que a peça se erga. Enquanto isso, Jim Lambie ocupa a entrada do museu com os seus pisos psicadélicos.
De Victor Vasarely chega uma tela de grandes dimensões – Supernovae – que faz qualquer um arregalar os olhos. Hélio Oiticica, outro nome do Tropicalismo brasileiro, está igualmente representado, tal como o grego Takis, conhecido pelo uso de corrente electromagnética nas suas obras e pela série de esculturas intitulada Signals (que viria a dar nome à já referida galeria dos anos 60). “Temos uma escultura que gera música através de corrente electromagnética, que move uma peça de metal entre as cordas, como um instrumento que toca sozinho. É quase mágico.”
Quem explorou o magnetismo aplicando-o à arte foi o taiwanês Li Yuan-chia, aqui representado pela instalação Hanging Disk Toy, também ela concebida para ser manipulável através do uso de ímanes. “É uma mistura de interactividade e pensamento cosmológico. Ele também foi poeta e há uma relação interessante entre a palavra escrita e a sua obra plástica. Também inovou na integração de fotografias em obras de arte cinética. Foi um artista visionário, que não se quis inserir numa única categoria, mas que trabalhou para complexificar a ideia do que a arte poderia ser naquela altura.”
Se o Porto não vai à Tate, a Tate vem ao Porto
Montar uma exposição deste calibre tem muito que se lhe diga. A começar pelo transporte. As obras, à volta de uma centena, voaram inicialmente de Xangai para Amesterdão, de onde rumaram ao Porto em quatro camiões, cada um deles com um atrelado extra. Desencaixotá-las exigiu cautela e experiência, bem como a presença de art handlers profissionais e de conservadores da própria Tate. Foram, depois, precisas mais de três semanas para montar a exposição. Pelo meio, foi necessário desmontar uma porta inteira para conseguir pôr duas pinturas de grande escala dentro do museu. Outras obras vão exigir manutenção praticamente diária, como é o caso de Cloud Canyon, que devido à libertação de humidade obrigou à construção de uma sala isolada no circuito expositivo.
“O museu já foi preparado aquando das obras do World of Wine, em 2018. O objectivo sempre foi transformá-lo num espaço perfeito para receber exposições internacionais, através de um sistema quase único em Portugal – com desumidificação, humidificação, condições climatéricas especiais”, contextualiza Andreia Esteves, responsável pelas exposições internacionais do Atkinson Museum.
O edifício em causa – Atkinson House na sua designação original – é um solar construído na segunda metade do século XVIII e um marco no envolvimento britânico no comércio de vinho do Porto. Na abertura do World of Wine, um complexo cultural composto por sete museus representativos do que “de melhor Portugal tem para oferecer”, abriu portas como Museu da Moda e dos Têxteis. A reconversão chega agora com a primeira grande exposição internacional, inaugurada a 3 de Julho e patente até 19 de Novembro.
“Estamos a ajudar a cidade a aumentar a capacidade para receber visitas”, exclama Charlotte Crapts, directora executiva da exposição, que ocupará cerca de 3 mil metros quadrados. “É uma exposição importante para o país inteiro. E é uma parceria para vários anos. A ideia é trazer exposições da Tate ano sim, ano não. Eles têm uma colecção fantástica e também têm interesse em mostrá-la fora do Reino Unido”, remata.
Pela exposição, o museu espera que passem, em média, 1200 pessoas por dia, numa mistura de habitantes do Grande Porto, residentes vindos de todo o país e turistas. Sobre a futura programação do Atkinson Museum, Andreia Esteves pouco adianta – garante apenas que já está a ser preparada uma exposição para o próximo ano e uma terceira, em parceria com a Tate, para 2025. “Para já, o que temos em vista é arte moderna e contemporânea, mas não definiria o Atkinson como um museu de arte moderna e contemporânea apenas. Estamos disponíveis para receber qualquer exposição internacional que mereça o olhar do público português.”
Rua do Barão Foster, 404 (Vila Nova de Gaia). Seg-Dom 10.00-19.00. Até 19 de Novembro. 15€
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