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Atrás do vidro polido da vitrina há garrafas antigas cobertas de pó e de tempo. Tirar-lhes a rolha seria como decantar séculos de história, ouvir falar de batalhas e tratados, de descobertas e invenções. Um Porto da Caetano Rodrigues, engarrafado em 1812 e avaliado em 2950€ – que, certamente, ouviu falar da derrota de Napoleão na Batalha de Waterloo, em 1815, e assistiu à Revolução Liberal do Porto cinco anos mais tarde, à Guerra Civil já na década de 30 desse século, a duas guerras mundiais, à ditadura militar do Estado Novo e à revolução dos cravos que lhe pôs fim 48 anos mais tarde – parece agora descansar na sua mais recente morada, a Garrafeira Nacional que abriu as portas, finalmente, no Porto.
“Havia já alguns anos que queria abrir uma Garrafeira Nacional a norte”, começa por contar Jaime Vaz. “E quando digo alguns, são quase oito”, continua o CEO deste novo espaço na rua das Flores, inaugurado no dia 31 de Maio. “Eu conhecia o Porto, mas mal. Foi só quando comecei a vir cá com mais frequência que comecei, efectivamente, a apaixonar-me pela cidade e a dizer: isto é mesmo bonito, quero uma loja aqui”, ri. “O vinho do Porto é um dos nossos produtos prime, de grande prestígio, por isso, fazia sentido ter uma Garrafeira Nacional no Porto”. A marca tem uma longa história na capital, onde abriu em 1927, e onde conta com três lojas físicas.
O espaço, no coração da cidade, estava garantido quando a vida decidiu trocar-lhes as voltas. Primeiro a pandemia, que atrasou a obra três anos “e deixou toda a gente numa grande incerteza” e, depois, a guerra na Ucrânia que limitou o acesso a material de construção, como a pedra e o vidro. Ultrapassados os obstáculos, as obras seguiram a todo o vapor e com o máximo cuidado na preservação de um edifício histórico, que presume-se que tenha sido construído no século XVII. “Mantivemos tudo e não derrubamos nada. Aproveitámos até muita pedra, reduzindo o desperdício”, explica Jaime.
Com um investimento de 2,5 milhões de euros, o projecto tem cerca de 300 metros quadrados com uma frente de loja airosa onde, além de diversas garrafas para venda, há 32 referências para prova, entre fortificados e tranquilos, incluindo vinhos do Porto com mais de 100 anos. Estão guardadas em modernos dispensadores, que as preservam nas suas melhores condições, à temperatura ideal, evitando a oxidação. Se quiser comprar uns copos à maneira, encontra os muito cobiçados (e caros) Riedel em diferentes tamanhos e feitios.
Mas há mais para ver e explorar. Descendo as escadas, encontramos uma espécie de antecâmara de paredes com arcadas em pedra, onde dormem relíquias na penumbra. Ao lado daquele Porto da Caetano Rodrigues, de 1812, descansa um Porto Ferreira de 1820, avaliado em 2299€, e outros tantos já do início do século XX. Mais abaixo, enterrada no subsolo, onde o frio se faz sentir, fica a impressionante adega, que guarda cerca de 40 mil garrafas, que se traduzem em 3600 referências.
“Mas isto não é uma loja de vender garrafas”, adverte Jaime. “Também vendemos, claro, mas é muito mais do que isso. Temos uma pequena sala, numa mezzanine, com 40 metros quadrados, onde vamos fazer provas de vinhos em que, no final, as pessoas possam levar para casa um certificado do que aprenderam aqui. Essas oficinas serão orientadas pelo Nelson Guerreiro, o nosso sommelier”. A par das provas de vinhos, o espaço conta ainda receber masterclasses, harmonizações e eventos privados, com capacidade para 30 pessoas, mediante reserva prévia. E segue: “Queremos vender experiências. Que as pessoas possam desfrutar de um vinho de “x” anos, ter uma experiência e, depois, levarem ou não uma garrafa para casa”.
A grande aposta desta Garrafeira Nacional recai nos vinhos do Porto e Douro e a garrafa mais antiga que têm para prova é um Porto Ferreira de 1830. “Não quero vender uma garrafa de 1812 a um marciano que a vai levar lá para o planeta dele e mais ninguém a prova. Não. Quero dá-la aos Homens da Terra. Quero prová-la também. Temos garrafas com mais de 150 anos, temos vinhos pré-filoxera [praga que começou por atingir o Douro a partir de 1871], temos coisas fantásticas, e vamos abri-las e degustá-las com os nossos clientes, amigos e produtores”, assegura o dono.
Na cave fresca acomoda-se uma das maiores colecções de raros vinhos do Porto vintage, vinhos da Madeira, Moscatéis, vinhos das mais diversas regiões de Portugal – há Douro, Dão, Vinhos Verdes, Bairrada, Alentejo, Lisboa –, variados whiskies, conhaques, aguardentes, espumantes e champanhes, assim como uma grande oferta de bebidas espirituosas, como vodkas, gins e runs. “Por ser uma cidade onde o vinho tem uma grande importância, especialmente o vinho do Porto, e porque na Garrafeira Nacional os vinhos do Porto têm um peso muito grande, para o Porto tivemos a preocupação de fazer uma selecção criteriosa e cuidada, com respeito pelos vinhos feitos no norte do país”, remata Jaime.
Rua das Flores, 60. 21 885 2395. Seg-Dom 10.00-21.00
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