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A Seiva Trupe nasceu no Porto em 1973. Em 1993 foi reconhecida como entidade de utilidade pública e em 2010 foi condecorada pelo Presidente da República com o grau de membro honorário da Ordem do Mérito. Em 2013, cinco dias antes de terminar o seu mandato na Câmara Municipal do Porto, o então presidente Rui Rio ordenou o despejo da Seiva Trupe do Teatro do Campo Alegre (onde era a companhia residente), tendo por base o incumprimento no pagamento de uma dívida. Volvidos quase nove anos, a companhia encontrou finalmente um porto de abrigo na cidade. O antigo Cinema Estúdio, inaugurado em 1966 e renascido em 2021 como Sala Estúdio Perpétuo, é a sua nova casa.
Por várias vezes a Seiva Trupe esteve à beira do abismo – sem um espaço próprio, com falta de apoios do Ministério da Cultura. O encenador Jorge Castro Guedes, que aqui se estreou profissionalmente como actor em 1973, assumiu o cargo de director artístico em 2019 e encontrou a companhia “quase num pulmão de aço”. A prioridade imediata era encontrar uma sala, porque esta é "uma companhia que pela sua natureza, pela sua matriz identitária, é uma companhia de público, que tem de fazer espectáculos de carreira".
“A companhia andava aos saltos, de trouxa às costas, apresentando espectáculos aqui e ali”, conta. Durante estes anos sem rede, aproveitaram para levar espectáculos temáticos a locais emblemáticos da cidade, como a Cooperativa Árvore, o Café Lusitano, a Unicepe e o Museu Nacional da Imprensa. “E não vamos deixar de fazer esse trabalho. Vamos ter na Sala Estúdio Perpétuo duas ou três produções anuais, mais de fundo, mas não deixaremos de fazer apresentações em diversos outros sítios com quem estamos a celebrar protocolos, continuaremos todos os meses a estar presentes na cidade.”
“O Porto tem vários espaços fechados há muitos anos, mas estão com certeza a pensar no [mercado] imobiliário. Quando bati à porta da Sala Estúdio Perpétuo, fui muito bem recebido e fomos acolhidos.” Aqui encontraram um projecto voltado para a educação e a cultura, onde partilham espaço com a Opium, empresa de dinamização cultural – o que até é uma “mais-valia”, porque “uma sala deve estar sempre aberta, o maior tempo possível”.
Têm agora instalações próprias para sala de ensaios, escritórios e depósito de guarda-roupa e adereços. A sala tem “condições acústicas verdadeiramente notáveis”, mas para apresentações teatrais “ainda não tem as condições plenas”. No entanto, a Câmara Municipal do Porto “disponibilizou-se desde logo para fazer intervenções”. Por exemplo, para que a sala seja modular em termos de lotação, mas também ao nível do equipamento de luz e som, ou da construção de um avançado de cena, que vai até permitir ter um fosso de orquestra. “Contava-me a minha avó que durante muitos anos o Porto tinha a tradição das operetas, e isso praticamente morreu. Quem sabe se assim a Seiva Trupe não terá condições para fazer uma opereta?”
Mas não vão esperar pelas obras – vão “adaptando os espectáculos”. A inauguração desta residência permanente está marcada para 27 de Março, Dia Mundial do Teatro. A festa começa pelas 18.00, junto ao Coreto da Praça do Marquês, numa caminhada com a banda Balklavalhau até às novas instalações, onde subirá ao palco Três Mulheres em Torno de um Piano.
Agora com as intérpretes Sandra Salomé, Kátia Guedes e Teresa Fonseca e Costa, será uma “re-estreia”, em vez de uma reposição de uma peça que estreou há dez anos. “As actrizes são outras, o mundo é outro. Tem as mesmas coordenadas, mas já não é a mesma peça”, diz Jorge Castro Guedes, encenador e autor do texto. O espectáculo tem várias camadas de leitura. “Pode ser popular a um primeiro nível, mas também pode permitir uma leitura mais profunda, com citações estéticas do expressionismo, do surrealismo, da crazy comedy americana. É bom para abrir, porque marca a força artística da Seiva Trupe, mas é também capaz de atrair uma camada de público alargada.” Vai estar em palco até 11 de Abril – os bilhetes estão à venda online.
Esta sala representa “um ponto de partida para um novo ciclo na vida da Seiva Trupe, que nunca deixou de ser reconhecida como uma bandeira da cidade do Porto, mas que estava muito adormecida”. Agora é preciso “recuperar todo esse fôlego”. O futuro da Seiva Trupe vai ser “de muitíssimo trabalho para reconquistar o público antigo e para conquistar um público jovem”. “Vai ser preciso reconfigurar alguns aspectos do repertório, alguma forma de relação com as instituições da cidade e com outros grupos de teatro. Embora tenhamos agora, para nossa surpresa, a sala esgotada com um mês de antecedência na noite de estreia – mas uma coisa é a estreia, a novidade, outra coisa é depois, o resto da carreira.”
Agora já têm “condições mínimas” para continuar a trabalhar. “O martelo já existe, mas vai ser preciso dar muitas marteladas, consoante os pregos. Para além disso, gostaria de deixar a semente em vida para reconstruir uma companhia de teatro com actores e técnicos em exercício permanente, que permita criar um teatro de repertório. Antes de fechar os olhos, quero deixar essa semente ao meu sucessor, para essa árvore crescer.”
Sala Estúdio Perpétuo: Rua de Costa Cabral, 128 (Porto). Peça em cena de 27 Março a 11 Abril, Seg e Qui 21.30, Sex-Dom 19.00. 15€
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