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Aos 95 anos, A Cafezeira procura nova casa para morar. “Estamos vivos e queremos continuar”

O proprietário vai vender prédio que alberga a mercearia histórica e quer o imóvel desocupado. A Cafezeira pede tempo para encontrar um novo espaço.

Ana Catarina Peixoto
Jornalista, Porto
A Cafezeira foi fundada em 1929
A.C.P.A Cafezeira foi fundada em 1929
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- A minha filha ouviu dizer que iam fechar.
- Não vamos fechar. O prédio é que está para ser vendido.
- E agora?
- Agora estamos à procura de um espaço dentro das nossas possibilidades, aqui na zona. É isso que a gente pede que se encontre.

Na histórica A Cafezeira, as perguntas dos clientes têm sido várias e a resposta é sempre a mesma: “Calma. Estamos à procura de um novo espaço. Não queremos fechar”. Desde que se soube, através de uma notícia avançada pelo jornal Público, que dava conta que o prédio onde a mercearia de 95 anos está localizada, na Rua de Costa Cabral, iria ser vendido, Alcinda Dias tem recebido todo o tipo de sugestões de clientes que não querem ver a loja a fechar as portas. “Trazem contactos de espaços que vão vendo, há até quem queira fazer manifestações e petições”, descreve, enquanto vai preparando um dos novos chás que introduziu recentemente para venda.

Nesta loja dedicada à venda a granel de todo o tipo de café, chá e especiarias, a esperança mantém-se, apesar dos tempos mais conturbados que tem vivido. O senhorio, proprietário também de dois prédios contíguos herdados há quatro gerações, decidiu que vai vender o prédio e, para facilitar essa venda, quer o imóvel desocupado. A intenção foi manifestada há quase dois anos, houve conversas entre ambas as partes, mas nenhum consenso. O mandatário do proprietário terá enviado, em Junho deste ano, um aviso de que o caso iria seguir para a justiça.

“O prédio também passou de geração em geração e esta geração quer vendê-lo. Acabámos por ser aqui uma pedra no sapato”, acrescenta Alcinda, que nos últimos tempos se tem dedicado à gestão do negócio da mãe. Para a responsável, o foco está agora na procura de alternativas para manter um estabelecimento histórico da cidade e tão próximo da comunidade local. Até porque, acrescenta, fechar é mesmo a última hipótese a ser pensada: “Não estamos em guerra com ninguém. Entendo a posição deles, mas também, por favor, entendam a nossa. Simplesmente precisamos de tempo para encontrar outro sítio que se enquadre naquilo que podemos ter”.

A mercearia vende café, chá e especiarias a granel
A.C.P.A mercearia vende café, chá e especiarias a granel

Apesar de o ideal ser ficar no espaço onde a mercearia vive há quase um século, Alcinda, juntamente com Rosa Maria, a funcionária, e a mãe, a proprietária d'A Cafezeira, andam numa procura incessante por um novo espaço desde que lhes foi colocada em cima da mesa a decisão da venda do prédio. Mas têm encontrado dificuldades. Os valores das rendas são demasiado elevados para o que o negócio consegue suportar e, quando até são compatíveis com as possibilidades, os espaços estão em zonas demasiado distantes da Praça do Marquês, onde a loja está localizada, uma característica essencial que as responsáveis pretendem manter, uma vez que grande parte dos clientes que servem são do Bonfim e de Paranhos.

“Muitos dos nossos clientes, dada a idade, até fazem questão de vir e só comprar o mínimo, porque assim são obrigados a sair à rua e a andar um pouco. Só compram determinadas quantidades e todas as semanas estão cá. O nosso cliente é local, nós somos uma loja familiar e local. Quem nos consome são pessoas daqui. Se a gente sai daqui, eles ficam sem nós e nós ficamos sem eles. O ideal seria mantermo-nos aqui pela zona”, acrescenta Alcinda, dando exemplos de espaços que vai encontrando e que custam mais de 300 mil euros para comprar ou que têm rendas superiores a 2000 euros.

Desde 2022 que a Cafezeira está também integrada no Porto de Tradição, o programa municipal de protecção das lojas históricas da cidade. Esse passo, sublinha a responsável, foi essencial e tem dado algum alívio, uma vez que a lei garante que o negócio está protegido até 2027. “O tempo para nós é precioso para ver até que ponto as coisas aqui mudam e eu consigo um espaço que possa pagar. Estamos vivos e queremos continuar”.

Há mais de 90 tipos de chá na Cafezeira
A.C.P.Há mais de 90 tipos de chá na Cafezeira

Segundo o Público, que chegou ao contacto do proprietário, as condições para que a Cafezeira saísse do espaço não foram aceites e o prédio continua à venda, sendo que o caso ainda não seguiu para tribunal. O proprietário planeia vender o prédio para dar início a um projecto que inclui espaços comerciais no rés-do-chão (como já existe actualmente) e já submeteu um Pedido de Informação Prévia (PIP) na Câmara do Porto a dar conta do projecto que ali poderá vir a nascer. 

Uma história com 95 anos

- Já passei aqui esta semana, já fiz as lentilhas e agora vou fazer brigadeiros e vim buscar chocolate granulado. Compro a granel porque sei que fica mais em conta, é tudo muito fresquinho e preserva mais. 

Quem entra n'A Cafezeira consegue sentir o ambiente de tradição, num espaço cuidadosamente limpo e organizado. Com a banda sonora do café a ser moído na hora, as prateleiras e armários de madeira estão recheados de todo o tipo de chás – 90 no total –, café e especiarias, e saltam à vista quatro moinhos de café. Há balanças antigas pousadas nos armários, provérbios escritos em azulejos, sacos de serapilheira pousados no chão e fotografias antigas afixadas na parede, que se manteve com o desenho original.

A Cafezeira, inicialmente denominada “O Chinêz” (o letreiro do nome original ainda é visível no interior da loja), foi fundada em 1929 e comprada, em 1985, pelos pais de Alcinda, que mantiveram sempre a loja como foi inicialmente pensada: para ser uma mercearia fina. Começaram por vender apenas café, chá e amendoins mas, pouco a pouco, foram introduzindo mais produtos.

A loja tem maioritariamente clientes locais
A.C.P.A loja tem maioritariamente clientes locais

Grande parte dos clientes desta loja são mais velhos, da comunidade e muitos vão passando o hábito de aqui comprar a granel. “O que mais gosto é de ver os clientes mais velhos que trazem cá os filhos e os netos. A loja não está sempre cheia, mas temos muitos momentos em que estamos aqui e em que dá para conversar com os clientes. Somos um comércio familiar e de proximidade”, explica Alcinda, que nos últimos tempos se tem desdobrado para introduzir novos produtos e arranjar formas de acompanhar as exigências dos novos tempos e mercados – desde formações em marketing e blend de café. Sem nunca perder a sua essência. 

Rua de Costa Cabral, 52 (Porto). Seg-Sáb, 09.30-19.00.

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