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Não nasceu na cozinha, mas quase. Nasceu no dia em que o Toca da Formiga, o restaurante dos seus pais, em Ermesinde, fazia dois anos. Foi uma espécie de vaticínio ou só sentiu o chamamento mais tarde?
Pelos vistos, o meu destino já estava traçado [risos]. Quem nasce num dia assim tinha de acabar no meio dos tachos, obrigatoriamente. Quando deixei de estudar quis logo começar a trabalhar. Comecei por servir às mesas no restaurante, a dar uma ajuda na sala. Lembro-me, por exemplo, de no intervalo das aulas ir almoçar ao restaurante. Quando a casa estava cheia, pousava a mochila e metia as mãos ao trabalho. Só mais tarde é que fui para a cozinha. Foi então que percebi que era o que mais gostava de fazer.
Como é que isso aconteceu? Foi o seu pai, cozinheiro (a mãe coordenava a sala), que o puxou para junto do fogão?
Quando comecei a trabalhar no restaurante, o meu pai obrigava-me a ir com ele de manhã aos mercados. Íamos, sobretudo, ao Mercado de Angeiras e à lota de Matosinhos e trazíamos peixes e mariscos. Eu gostava muito desse contacto com o produto. Achava piada e, volta e meia, encostava-me à cozinha a inventar um bocado. Mas as minhas noções eram muito básicas e, por isso, decidi ir estudar para a Escola de Hotelaria e Turismo de Santa Maria da Feira, porque ser autodidacta não me parecia ser uma boa opção [risos]. Quando entrei, percebi logo que era aquilo que queria fazer. Era um ensino militar (agora já não é nada assim), foi a tropa que não tive. Melhor, livrei-me da tropa mas tive-a na mesma [risos].
Foi fácil, depois, escolher a área?
Gostava imenso das aulas práticas de cozinha, as teóricas eram uma seca. Gostava das práticas porque sentia que estava no terreno. E, em relação à área, sempre gostei muito mais de cozinha do que de pastelaria. Estava muito mais à vontade com as carnes e os peixes. A pastelaria nunca me deslumbrou, não era de todo o que me fazia mais feliz.
Mas os peixes e os mariscos fazem.
São os produtos com os quais mais gosto de trabalhar. Tenho a sorte de trabalhar num hotel na primeira linha de mar, onde temos esses produtos em abundância na nossa carta. Temos, felizmente, uma costa maravilhosa e, por isso, o mar sempre me chamou muito a atenção, até porque vivi quatro anos no Algarve. Sentia que aquilo era um mar de rosas [risos]. A profissão permitiu-me ficar lá alguns anos, mas sempre quis voltar. Quando regressei do Algarve pensei em ir para fora mas, depois, tive o convite do Hotel Teatro para chefiar a cozinha do Palco e acabei por ficar rendido à minha cidade.
Desde os tempos do Palco que se falava que merecia o reconhecimento de uma estrela Michelin. Quando abriu o Vila Foz, o nosso crítico ficou com a impressão de que estava a trabalhar para a estrela afincadamente. Sempre foi uma ambição?
A aposta foi sempre no Vila Foz: a sala é imponente, com muito glamour e a gastronomia do restaurante a acompanhar este registo. No Vila Foz queríamos fazer a continuação do trabalho que já fazíamos. No Palco tínhamos um registo parecido, com menus de degustação. O proprietário do Hotel Teatro era o mesmo do Vila Foz e, quando vim para aqui, trouxe a minha equipa. Mas, claro, a estrela Michelin é um marco na vida de um profissional de cozinha. E foi uma grande surpresa, porque é um meio muito reservado e nunca se sabe quando nos visitam, por isso, ficámos muito felizes. Isso significa que o nosso trabalho está a ser valorizado.
Como é que se conquista uma estrela? O que é que é preciso para se chegar a ela?
Acima de tudo, ser honesto, trabalhar com o melhor produto, sempre fresco, ter cuidado e um serviço impecável. Diria que é preciso um conjunto de factores. Aprendi com os meus pais que devemos ser pessoas humildes, sérias, com rigor e disciplina – elementos fundamentais em qualquer área da vida, não só na cozinha.
E o que é que é preciso para se ser um bom cozinheiro, além de saber cozinhar, aguentar a pressão e as altas temperaturas das cozinhas?
É preciso dominar por completo a nossa cozinha e ter um grande conhecimento das nossas bases. Também devemos conhecer a internacional, claro, mas conhecer a nossa cultura, o nosso registo gastronómico e ter-lhe respeito é fundamental para elevarmos a nossa cozinha. De resto, é necessário rigor, persistência, esforço… Não é uma profissão fácil. Tem de se gostar muito para se aguentar tanta pressão.
Por falar em pressão, manter uma estrela Michelin não é um stress acrescido?
É. Porque se nós já éramos exigentes, a partir do momento em que a recebemos, a pressão dobra e a margem de erro tem de ser nula. As pessoas passam a procurar mais o restaurante, o volume de trabalho aumenta, logo, há mais pressão.
Perder uma estrela, então, nem se fala…
É como quem tira um tapete.
Na sua opinião, que chefs mereciam também a estrela?
Quem sou eu para dizer isso [risos]. Mas temos imensos chefs que fazem trabalhos brilhantes. A pouco e pouco, o número de restaurantes estrelados em Portugal está a crescer, porque [os inspectores Michelin] estão a visitar e a atribuir o devido mérito.
Com quem gostaria de fazer um jantar a quatro mãos?
Gostava de fazer com muitos, mas escolheria o Hans Neuner [Ocean, no Algarve, duas estrelas Michelin], que é uma pessoa agradável de se estar e de conversar, e que exerce um tipo de cozinha que eu aprecio bastante.
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