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Blind, o restaurante onde o chef apura a comida e o cliente os cinco sentidos

A gastronomia não se dedica apenas ao palato: pode ser uma experiência que envolve emoções, memórias e todos os outros sentidos. Que o diga o chef Vítor Matos, que apresenta no Blind uma nova forma de experienciar a comida. Fomos até lá tentar desvendá-la.

Mariana Morais Pinheiro
Directora Adjunta, Porto
Restaurante, Experiencia, Blind
©Luis Ferraz
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O espumante da casa brilha dourado no copo, com as suas pequenas bolhas de dióxido de carbono a ascender à superfície dolentemente, embaladas pelo ritmo suave da música ambiente. Elevam-se, talvez, em direcção à rosa suspensa sobre a mesa, balouçando na penumbra. Está presa ao tecto da sala privada, separada do bonito gastrobar (este com um balcão vistoso, chão axadrezado e cadeiras altas em veludo antracite), por um fio de pesca invisível. Às cegas, também, embarcamos nesta aventura.

Restaurante, Blind, Gastrobar, Torel Palace Porto,
©Luis Ferraz

O Blind, o restaurante do Torel Palace Porto, com cinco estrelas, comandado pelo chef Vítor Matos – também à frente do Antiqvvm, com uma estrela Michelin –, é uma homenagem a José Saramago e à sua obra Ensaio Sobre a Cegueira. É por isso que sobre todas as mesas repousa um exemplar do mesmo, onde, no final, é apresentada a conta. Não deixa de ser curioso (e até certo ponto assustadoramente premonitório) que, tal como no livro, uma epidemia viesse a mudar o curso da história de um lugar. Abriram no início do ano passado para proporcionar experiências gastronómicas que envolvessem não só o paladar ou o olfacto, mas todos os sentidos. Trabalharam durante três semanas, mas com o estalar da pandemia foram obrigados a fechar as portas. Para contornar as adversidades, surgiu, então, o gastrobar, em Dezembro de 2020.

“É uma cozinha mais descomprometida, feita com sabor e qualidade, mas sem a formalidade de um jantar de três horas”, explica Vítor Matos, acrescentando que no menu há hambúrgueres feitos com carne Black Angus (18,50€), cachorros (11€), pregos de novilho em pão chapata (16€), alheiras crocantes (16€), coxas de pato (23€) e arroz de costelinhas (22€), entre outras coisas.

Mas são as Blind Emotions, que acontecem na tal sala privada, mais resguardada de olhares mundanos, com frases do livro do Nobel da Literatura gravadas nos vidros foscos da garrafeira iluminada, o foco da sua mais dedicada atenção. Há duas opções, de oito (90€) ou dez momentos (110€), que duram entre duas horas e meia e três horas. “As Blind Emotions surgiram porque faltavam coisas que nos fizessem mais felizes. Temos 50 momentos que vão rodando consoante a estação e os produtos que ela nos oferece. São pedaços de mim, pratos que reflectem a minha infância, as minhas vivências, as minhas viagens...”, conta o chef.

O primeiro, “À Luz da Vela”, como é apresentado, é dedicado ao pão. Cortam-se fatias de quatro tipos de pão diferentes, todos feitos com massa mãe – pão de azeitona, tomate e orégãos; pão de alfarroba; pão de mostarda e mel; e pão de abóbora e sementes de abóbora. O pão é bom, mas a manteiga em forma de cilindro e com um pequeno pavio no seu interior que arde e a vai derretendo, para que seja mais fácil de barrar, arranca “ahhhs” surpresos a todas as mesas. Mas é só no momento seguinte que nos pedem para “Sentir o Bosque”. Isto faz-se colocando auriculares que emitem sons da floresta, como o piar dos pássaros e o restolhar sobre a vegetação, e provando a falsa beterraba, uma esferificação com gel e rebentos de beterraba com foie gras no seu interior. Ao lado, uma cracker de batata doce e uma bolinha de alheira com wasabi envolta em tinta de choco fecham o quadro.

Restaurante, Experiencia, Blind
©Luis Ferraz

Daqui, e acompanhados por um rosé Natura, com dedo do chef na sua concepção, seguimos para junto do mar. Primeiro, com o “Pecado à Colher”, onde brilha a gamba rosa do Algarve, muito fresca, com gema de ovo curada, marmelada de limão, caviar e espuma de alho francês. Depois, com a “Sapateira Invertida”, onde o recheio aparece acompanhado por cubos de melancia mergulhados em sumo de laranja durante oito horas e um drizzle de vinagre balsâmico envelhecido durante 25 anos.

O “Lamb Lamb” que se segue é tão capaz de soltar gargalhadas como de deixar embaraçados alguns clientes. É servido em dois momentos e é uma espécie de trocadilho: não só pedem para lamber os dedos de uma peça de cerâmica em forma de mão, onde estão os chutneys que acompanham o croquete de borrego, o primeiro momento (o segundo é um carré envolto em crosta de ervas e wasabi); como lamb significa borrego em inglês.

Da cozinha comandada por João Araújo, o chef executivo, sai ainda um pregado envolto numa estonteante nuvem de fumo, como se tivesse sido preparado “Na Brasa”, e mergulhado num caldo de peixe assado onde cozinham com o calor finas fatias de alho, bem aromáticas, e ervilhas sem casca. Uma espuma de caldo de peixe, sumo de limão e manteiga remata o conjunto. O último prato antes da sobremesa é, por sua vez, alvo de paixões exacerbadas. Muito terroso, há quem o ame e quem o odeie. “O Pombo da Batalha”, com a carne maravilhosamente cozinhada, é escoltado por um puré de tupinambo e por beterraba de diversas formas: em pó, em pickle, em gel, em puré e em crocante.

Por fim, uma reminiscência. “A sobremesa ‘A Minha Infância’ é baseada nas minhas lembranças de quando era pequeno. Em casa não tínhamos muitas posses e açúcar era coisa que não existia. Por isso, ficava vidrado nas bancas de algodão doce das feiras”, contextualiza Vítor Matos, para descrever uma dulcíssima nuvem de algodão doce onde pairam pequenos toffees, que esconde sob si caramelo salgado, gel de maracujá, gelado de mascarpone e mousse e macarons de baunilha. “Aqui fazemos pratos emocionais”, remata o chef. E estes até deram vontade de chorar (e pedir mais).

Rua de Entreparedes, 40 (Porto). 22 600 1580. Bar: Seg-Dom 11.30-22.30. Restaurante: Seg-Dom 12.30-15.30/ 19.30-22.30

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