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O palco do Coliseu Porto Ageas recebe Carminho a 24 de Maio para um concerto onde a fadista vai apresentar Maria, o seu quinto e mais recente disco, nas lojas desde 30 de Novembro de 2018. O álbum, que sucede a Carminho Canta Jobim, assinala o regresso da cantora portuguesa ao fado, presente na sua vida desde a infância. É precisamente às memórias da infância que a artista recorre para descobrir o que na verdade representava para si “a experiência de ouvir fado”, e construir este disco, produzido pela própria, no qual assina a maior parte dos temas. A tecedeira, Estrela e A mulher vento, por exemplo, são faixas da sua autoria, letra e música. Se está interessado em ver e ouvir Carminho ao vivo, saiba que os bilhetes variam entre os 20€ e os 40€ e podem ser comprados aqui. Antes disso, conheça a conversa que tivemos com a lisboeta.
Depois de dar voz a temas de Tom Jobim, resolveu voltar ao fado. Porquê?
Cada disco é um bocadinho daquilo que somos no momento, do que nos inspira e nos dá vontade de fazer, pelo menos no meu caso. Este álbum resultou das saudades de voltar ao fado, de uma vontade muito grande de pôr em prática alguns pensamentos que tenho tido sobre ele, nomeadamente sobre a forma como tem evoluído, e de perceber como quero fazer parte dele, como quero contribuir. Estes desejos levaram-me a Maria.
Numa entrevista a um outro órgão, disse que quis fazer o exercício de perceber o que era o fado para si, o que lhe tinha ensinado e dado. A que conclusões chegou?
Uma das conclusões que tirei foi, primeiro, que o fado é uma experiência muito sensorial, de comunidade, ao vivo, assumindo o momento, o erro, a espontaneidade e que se deixa levar por aquilo que as pessoas têm para dar. Esse foi o primeiro fio condutor de toda a peça.
Depois, apareceu a forma mais minimal, de começar a subtrair instrumentação e tentar perceber que, retirando as camadas que se têm adicionado ao fado, qual seria aquela que não poderíamos tirar nunca ou este deixaria de existir. Conclui que até numa voz a capella pode existir um momento de fado, se houver a linguagem e a verdade. A partir daí, voltei a somar com cuidado e minimalismo os instrumentos tradicionais do fado e, mais tarde, senti a necessidade de ouvir o ambiente, porque eu cresci em casas de fado, com os meus pais a fazer noites de fado em casa, quando tinha dois, três, quatro anos. E havia um ambiente, um burburinho. Há sons, ruídos, textura sonora que fazem parte da própria experiência de ouvir este género musical.
Podia ter ido captar este disco a uma casa de fados, mas eu não o quis fazer, quis reinterpretar e dar uma visão quase conceptual desse ambiente, pelo que convidei o Filipe Monteiro para incluir o instrumento que ele toca, o pedal steel guitar, que tem bastantes pedais que ele adapta e acaba por manipular o som. Juntos descobrimos uma textura que fazia sentido para um dos temas. Como aquilo correu tão bem, ele foi-se integrando e acabou por fazer parte do quarteto, vá, de fado tradicional, que agora anda comigo na estrada.
Foi a responsável pela produção de Maria. Era necessário tendo em conta o álbum que queria construir?
Tratou-se de uma atitude consequente da minha procura, que residia muito nas minhas memórias e numa regressão ao meu passado e àquilo que eu acreditava ser o fado para mim. Era algo tão pessoal que não podia ser produzido por outra pessoa. Então foi produzido por mim, na consequência da proposta que me fiz.
O álbum é o mais pessoal de sempre, na medida também em que dou muito de mim, do meu lado mais íntimo. O nome é Maria, que é o meu primeiro nome e a forma como as pessoas mais íntimas me tratam, mas não deixa de ser também o de tantas mulheres portuguesas. Acaba por ser uma analogia com algo que é tradicional e contemporâneo ao mesmo tempo, pois continuamos a querer chamar Maria às crianças, apesar de ser, talvez, um dos primeiros nomes portugueses, que representa a alma de uma mulher portuguesa. Depois tem ainda mais poemas escritos por mim, mais músicas, consequência de uma procura de repertório que nasce no meu primeiro disco e me acompanha até hoje. Algumas coisas escrevi há anos, outras mais recentemente. Acabou por fazer sentido reunir estes temas neste álbum que, por coincidência, tem bastantes da minha autoria, mas não foi algo propositado.
Quanto ao concerto no Coliseu. Que público espera?
Tenho a sorte de já conhecer o público que vai, tenho a experiência de que é sempre um dos mais acolhedores que tenho. A verdade é que aqui, no Porto, no Norte em geral, mas no Porto em particular, há um público muito genuíno, muito entregue, com um compromisso muito sério. As pessoas quando gostam, dedicam-se inteiramente ao artista que está a fazer o seu melhor e nós acabamos por nos sentir ainda mais motivados a dar algo mais. Surgem muitas noites assim, foi sempre uma experiência que eu repeti desta maneira no Coliseu. Tenho a certeza que vai ser intenso a esse ponto.
Agora, de facto é um concerto diferente de todos os outros que fiz. Dedica-se muito a este disco, apesar de cantar temas de outros, é muito centrado nele, e toda a imagem, todo o desenho, todo o conceito do próprio palco foi concebido exactamente para responder à imagem do álbum. Foi uma direcção criativa toda ela muito coesa, para que falasse sobre estas histórias, apresentasse uma experiência sensorial de alguém que entra dentro do mundo de uma outra pessoa ou de uma personagem, que é esta Maria, com várias histórias para contar, com as quais as pessoas se podem identificar. Isto é a música na sua função mais perfeita, a de comunicar com as histórias de cada um e deixar que essas sejam de cada pessoa. É isto que este concerto pretende, um intimismo que faça o público viajar dentro das suas histórias e por outros ambientes, outros mundos, ao som destas canções e destes fados.
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