[title]
The Presidential ou Comboio Presidencial by Chakall? O nome pode ser diferente, mas não é a experiência. Ou até é, mas apenas no que diz respeito à forma e à curadoria. De um lado, nasceu a ideia que tirou o comboio de 1890 do Museu Nacional Ferroviário, no Entroncamento, do outro há a utilização dessa mesma ideia sem aqueles que a criaram. De forma simples, assim se pode resumir o processo legal que opõe a LOHAD, empresa liderada por Gonçalo Castel-Branco, à CP, à Fundação Museu Nacional Ferroviário (FMNF) e a Chakall, figura conhecida da televisão e com várias restaurantes sob a sua alçada.
Em comunicado, a empresa que lançou em 2016 as viagens ao Douro a bordo do comboio presidencial revela ter avançado com o processo legal, acusando os três promotores actuais de “usurpação ilegal e destruição do multi premiado projecto The Presidential Train”. “A LOHAD perseguirá todos os meios legais para ver ressarcidos não só os prejuízos reputacionais como os lucros cessantes, num valor de dois milhões de euros – valor que naturalmente deverá crescer caso o projecto CP/Museu/Chakall tenha continuidade."
Foi em Novembro de 2023 que a CP anunciou o regresso do comboio presidencial aos carris do Douro, depois de Gonçalo Castel-Branco ter feito a despedida no ano anterior. Com a LOHAD, o comboio partia da Estação de São Bento em direcção à Quinta do Vesúvio, no Douro, e a bordo o almoço ficava nas mãos de chefs conhecidos do meio gastronómico, grande parte premiada com estrelas Michelin, de Henrique Sá Pessoa a João Rodrigues, de José Avillez a Marlene Vieira ou Alexandre Silva e Nuno Mendes. A chegada ao Porto, acontecia já de noite, depois de uma paragem na quinta e de um lanche a bordo. Nesta nova vida, o menu é sempre da responsabilidade de Chakall, que a cada viagem conta com um “chef local”, que segundo se pode ler no site da CP “adiciona um toque de autenticidade ao menu, tecendo a tapeçaria do nosso rico património gastronómico”. O preço manteve-se nos 750€ por pessoa.
“O que é facto é que, apesar da troca dos melhores chefs do país por uma celebridade sem credibilidade gastronómica, o projecto novo mantinha o mesmo conceito, nome, preço, trajecto e know how (para o qual os novos intervenientes contactaram vários dos fornecedores do projecto anterior”, lê-se no longo comunicado divulgado esta quarta-feira pela empresa de Gonçalo Castel-Branco. “Mais grave ainda é que para tentar atingir os níveis de sucesso que o próprio presidente da CP estabeleceu publicamente, a CP apostou numa estratégia clara e premeditada de confundibilidade, ludibriando o público nacional e internacional para depois entregar um produto medíocre que naturalmente danificou o bom nome do empresário Gonçalo Castel-Branco e da LOHAD, empresa reconhecida internacionalmente pelos seus produtos de luxo de qualidade superior”, acrescenta a mesma nota.
Em Novembro, aquando da apresentação à imprensa, Pedro Moreira, presidente da CP, defendeu a autenticidade do novo serviço, ainda que as semelhanças entre as duas propostas sejam difíceis de ignorar. “Proporciona uma experiência completamente diferente da anterior”, afirmou então, quando questionado sobre o assunto. “Quisemos que fosse muito mais democrática, com maior envolvimento da região. O que existia não tinha um envolvimento tão grande. Havia um acordo com uma quinta, nós temos um acordo com dez quintas e com vários restaurantes da região", acrescentou aos jornalistas, defendendo que o conceito de aliar viagens de comboio a experiências gastronómicas não era uma novidade.
A LOHAD, que acredita “que os tribunais confirmarão a violação do direito de propriedade industrial e concorrência desleal e a responsabilidade pré-contratual por violação de deveres comerciais”, lembra, no entanto, a “quase inexistência do turismo ferroviário no nosso país” e destaca a história contada várias vezes por Castel-Branco sobre como tudo começou com uma ideia da sua filha. “Vi-o no museu e sabia que tinha de fazer alguma coisa”, contou na viagem de despedida em 2022, em que a Time Out esteve. A filha, Inês, respondeu: “E se fizesses um restaurante?” Tinha então dez anos. “Hoje tem 18 e está aqui a trabalhar pela primeira vez para ver como a ideia funcionou.”
No comunicado, são ainda recapitulados todos os passos do negócio. “O Comboio Presidencial Português é património histórico e faz parte do espólio da Fundação Museu Nacional Ferroviário (fundação essa, recordemos, detida pelas empresas ferroviárias nacionais, incluindo a CP), tendo sido recuperado pela mesma em 2010 com recurso ao apoio financeiro [do] Portugal 2020 no valor de 1,2 milhões de euros”, é contextualizado. “Nesse apoio, a mesma fundação ficou obrigada a utilizar a composição fora do Museu em actividades de promoção, turísticas e em parcerias com entidades privadas.” Foi nesse sentido que a empresa de Gonçalo Castel-Branco, que também organiza o festival gastronómico Chefs on Fire, “tentou o aluguer do Comboio Presidencial”, acabando confrontada com a difícil situação financeira da fundação, que punha em causa a disponibilidade da composição “porque o museu não conseguia sequer assegurar financeiramente as manutenções e inspecções do mesmo”.
“No sentido de não deixar morrer a ideia, que era considerada por todos como meritória (e bem, como se veio a confirmar), a LOHAD, a FMNF e a CP assumiram uma parceria para a realização do projecto, na qual a LOHAD assumia a totalidade do investimento do mesmo”, revelam. “O sucesso dessa primeira edição levou a que as instituições quisessem continuar o projecto”, o que acabou por acontecer sem que nunca alguma viagem anunciada tenha sido cancelada.
“Prova cabal da nossa aposta de longo prazo surge precisamente no ano de 2023, o último ano do nosso projecto, em que fomos surpreendidos com uma conta de 60 mil euros relativos a 50% de uma manutenção de meia vida que permitiria ao comboio ser usado durante mais uma década – alimentando assim a nossa pretensão de continuação do projecto pelo menos durante mais cinco anos”, relata a empresa. “O que a LOHAD não sabia é que já nessa altura os nossos parceiros se encontravam a preparar uma cópia do projecto com outros parceiros, iniciando um processo intencional de usurpação ilegal da ideia, marca e processos criados e afinados pelo promotor original e, ironicamente, aproveitando para tal o investimento que a LOHAD era forçada a fazer para garantir uma década de manutenção – investimento esse que, a partir dessa realização, nos recusámos a custear.”
Ao longo de seis páginas, são ainda apontadas as semelhanças na comunicação dos dois projectos, tanto na apresentação como nos textos e nas fotografias – há mesmo uma fotografia usada nas redes da CP a promover o Comboio Presidencial by Chakall em que aparece Gonçalo Castel-Branco a bordo. E são denunciados outros episódios controversos ao longo da parceria entre a empresa do Chefs on Fire e a CP.
Metade das viagens canceladas
As primeiras viagens do comboio, que durante a sua vida útil serviu maioritariamente chefes de Estado e as suas comitivas, foram anunciadas para Março de 2024, mas acabaram canceladas por duas vezes, tendo a viagem inaugural acontecido apenas em Maio. Das 20 viagens marcadas, só dez aconteceram, segundo a CP, devido ao mau tempo. De recordar que os valores do novo negócio nunca foram revelados, mesmo estando entidades públicas envolvidas, com Pedro Moreira a alegar “sigilo comercial”. O presidente da CP adiantava, no entanto, tratar-se de “um valor elevado, ao ponto de, para [a iniciativa] ser rentável, [o comboio com 72 lugares] ter de estar com uma lotação próxima dos 70%”. Em Junho, porém, no fim das dez viagens, foi noticiado que esse valor havia descido para 55%, tendo o projecto contado com uma lotação de 65%.
Na mesma altura, a Time Out enviou algumas perguntas à CP, no sentido de perceber se o Comboio Presidencial by Chakall teria dado prejuízo, tendo em conta os percalços e a revisão das metas. Numa resposta por escrito, alguns dias depois, Sónia Rodrigues, directora de comunicação da CP, fez saber que “a apresentação inicial do projecto e os valores referidos ocorreram antes de o modelo final estar completamente definido, o que só aconteceu cinco meses depois”. “Posteriormente, vários parceiros juntaram-se ao projecto, permitindo uma significativa redução dos custos. Com o novo modelo de negócio, como afirmou o presidente da CP, o projecto tornou-se lucrativo a partir de uma lotação de 55%. As viagens realizadas até agora tiveram uma lotação média de 65%, superando, portanto, o ponto de rentabilidade”, acrescentou, respondendo que esta percentagem se refere “exclusivamente aos bilhetes pagos”. “Transportámos alguns convidados, principalmente jornalistas e parceiros do projecto, mas estes foram em número reduzido”, especificou.
Já anunciadas e com bilhetes à venda estão quatro viagens em Setembro (20, 21, 27 e 28) e seis em Outubro (4, 5, 18, 19, 25 e 26). À pergunta da Time Out sobre como conseguirá a CP prevenir cancelamentos devido ao mau tempo nesta nova temporada, Sónia Rodrigues respondeu que “o número total de viagens a realizar no ano será conforme o previsto”. “A CP optou por adiar as primeiras viagens em dois meses devido às condições meteorológicas adversas. Embora seja sempre possível realizar as viagens, a CP preza pela qualidade da experiência oferecida aos passageiros. Prefere-se adiar uma viagem do que realizá-la em condições desagradáveis”, justificou. “Durante o período de adiamento, houve também várias derrocadas na Linha do Douro. A segurança dos passageiros nunca esteve em causa, mas a preservação da integridade do Comboio Presidencial, que é uma peça de museu e parte do património nacional, é crucial”.
2025 também já tem duas temporadas anunciadas – Abril e Maio, Setembro e Outubro – e a directora de comunicação garante que a estratégia “permanecerá inalterada”. “O feedback dos nossos passageiros tem sido extremamente positivo, e a única alteração que consideramos implementar é oferecer ainda mais qualidade em cada viagem”.
+ Tão Longe, Tão Perto: neste wine bar o vinho é exclusivo e servido em torneira