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Comida de lugar e memória. Assim é o novo Cibû do chef Hugo Portela

No novo restaurante de Leça da Palmeira, o tradicional e o moderno dão as mãos para criar um menu saboroso, divertido e arrojado.

Cibû
©MMPCibû
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Hugo gosta de nos pregar partidas. De brincar com a percepção que temos das coisas, de deitar por terra ideias instauradas, de nos baralhar os sentidos. Em suma, tira especial prazer em desarmar-nos com a sua comida, fazendo com que sabores cristalizados na nossa memória voltem à estaca zero e tenham uma nova oportunidade de se mostrarem sob um outro prisma. O aviso está feito, por isso, quando transpuser a porta do Cibû, o restaurante do chef Hugo Portela, em Leça da Palmeira, aberto no final de Maio, vá vazio de comida – é certo que quererá experimentar grande parte da carta – e despido de preconceitos gastronómicos.

Lá dentro, o espaço, anteriormente ocupado pelo restaurante italiano Bonifácio, é bonito e agradável e pende entre o elegante e o informal. As paredes são de pedra granítica, o telhado de duas águas está forrado a madeira, abafando os ruídos desnecessários da sala, e as estantes em ferro expõem frascos de fermentados com pepino, cenoura às rodelas e couve-flor. Há ainda dispersos pelas prateleiras vinhos naturais e kombuchas; cestas e cerâmicas; e diversos livros de cozinha, que vão das receitas de Bocuse às de Maria de Lourdes Modesto.  

Pastéis de Tentúgal com recheio de beterraba /Cibû
©MMPPastéis de Tentúgal com recheio de beterraba /Cibû

Propositadamente ou fruto do acaso, Hugo parece ter-se inspirado nestas duas sumidades da gastronomia para criar o seu Cibû – o projecto em nome próprio, baptizado com um regionalismo transmontano (cibo), região de onde o chef é natural, e que se refere a comida ou a uma pequena quantidade de alguma coisa. Aqui, aliou as técnicas inovadoras de um à comida tradicional de outro e construiu um menu divertido, arrojado, para ser saboreado em três tempos.

Um menu com princípio, meio e fim 

Se a ideia era desconcertar quem chega, o objectivo foi cumprido. Depois de nos ser apresentado um menu de águas aromatizadas (bem melhores do que aquelas que está a imaginar) e de um saboroso couvert, composto por pão de fermentação lenta da padaria Fariña, com uma manteiga forte e caseira e dois aromáticos azeites de Trás-os-Montes – um Arvolea e um biológico Madural da Quinta da Mourisca do Alendouro –, dá-se início ao festim sensorial.

A primeira parte do menu está dividida entre snacks e entradas, que podem ser complementados com uma selecção de carnes frias, como presunto de porco alentejano com 36 meses de cura (17€) e salpicão e paio de porco bísaro (6€ e 7€). Nos snacks – provavelmente a parte mais surpreendente de toda a carta – aparecem três gulosos palmiers de presunto e queijo Nisa; três pastéis de Tentúgal de massa fininha e estaladiça e com um elegante recheio de beterraba; dois mini bolos de arroz com gamba rosa do Algarve, bem divertidos; e ainda três pataniscas de bacalhau que Hugo recheou com papada para tornar tudo ainda mais apetitoso e decadente (todos os snacks custam 6,50€). 

Bolo de arroz com gamba rosa do Algarve / Cibû
©MMPBolo de arroz com gamba rosa do Algarve / Cibû

“É uma tendência dos dias que correm ter snacks nas cartas dos restaurantes gastronómicos ou com estrela Michelin, e eu quero desconstruir isso. Os snacks não têm de estar inseridos num menu para os poderes provar. Quero fazer com eles o que se faz com o velho rissol ou com o croquete de antigamente, que se picava antes da refeição”, explica o chef, acrescentando que o objectivo (subjacente a todo o menu) é brincar com algumas recordações de infância. “A ideia é não ser tão tradicional, mas ainda assim ter algo do passado agora no presente”. E quem é que não se lembra de comer um bolo de arroz no café quando era pequeno?

Quanto às entradas, mais clássicas, mas sempre com um “cibinho” de inovação, nelas aparecem pratos de tripas enfarinhadas (7€), de tártaros de novilho sobre fatias de folar de enchidos (15€), de pão, porco e espargos (13€) e de espetadas de lulas com chouriço vindo de Bragança (12€). Este, com um “toque de brasa”, diz o chef, e temperado “com sumo de limão, ervas aromáticas e especiarias” é um dos pratos mais pedidos. E percebe-se. 

Trás-os Montes e a memória

Apesar de moderno, este menu tem “uma orientação bem portuguesa”. “Queria fazer um menu que seguisse o rumo natural das coisas, coisas que vínhamos a perder. Aqui, quis voltar atrás, ter uma cozinha sazonal, com produtos de qualidade, que permitissem um regresso às origens, ao nosso receituário. Queria fazer o que a minha avó e os nossos antepassados faziam” explica Hugo, acrescentando que o objectivo sempre foi unir o tradicional e o moderno e ter pratos para partilhar. “Quero ver tachos e travessas no meio da mesa, por isso é que fomos buscar alguma louça em barro preto de Bisalhães”, afirma o chef, que antes de embarcar neste projecto a solo, passou por inúmeras cozinhas, de Olso, no Maemmo, a Barcelona, no Enoteca – Hotel Arts. 

Espetada de lulas / Cibû
©MMPEspetada de lulas / Cibû

Antes de regressar a Portugal para abrir o The House of Sandeman, com o chef Pedro Limão, em Vila Nova de Gaia, esteve ainda em vários hotéis na Suíça. Em território invicto comandou, entretanto, a cozinha do Digby, no Torel Avantgarde; abriu o Composto do Hilton Porto Gaia; fez a pré-abertura do The Largo, com o chef Nuno Mendes, e, mais recentemente, trabalhou ao lado do chef Tiago Bonito na cozinha do Hotel das Virtudes.

Sempre influenciado pela sua costela transmontana (o chef nasceu em Chaves), Hugo quis explorar sabores de todo o país. Vai daí, nos pratos principais convergem ingredientes de vários quadrantes, adaptados à sua sazonalidade. Nas opções de peixes, que vai buscar à lota de Matosinhos ou ao Mercado de Angeiras, há peixe à poveira, costeleta de peixe do dia (ambos a 25€), peixe grelhado do dia (23€) e uma muito recomendável açorda de polvo (32€), com as pernas do cefalópode gordas e suculentas, sobre um caldo intenso de pão e temperos. “A açorda de polvo, feita pela minha avó materna, era um prato que nós comíamos no Natal, uma vez por ano. Às vezes antes das sobremesas, outras vezes, depois”, recorda.  

Açorda de polvo / Cibû
©MMPAçorda de polvo / Cibû

Costeleta de vitela (45€), feijoada com cachaço e alheira (22€), cabidela de asas – uma saborosa recriação do arroz de pica no chão que a avó paterna costumava cozinhar (22€) –, e costela mendinha (24€) são as opções de carne no Cibû que, entre quarta e sexta-feira, serve um menu especial ao almoço. 

Uma nota ainda para as proteínas, que passam todas pela brasa para ganhar sabor. “No caso da costela mendinha, por exemplo, primeiro fica numa marinada durante 72 horas, depois é fumada na brasa, é cozinhada e regressa novamente à brasa. Antes de ser servida, é envolta no molho de carne”, descreve Hugo. “Usamos uma raça autóctone que, por vezes, pode variar, porque não se consegue arranjar o animal o ano todo. Varia entre maronesa, cachena ou arouquesa”.

Desfecho popular

Se o arranque da refeição começou arrojado e disruptivo, o final aconteceu mais tradicional e familiar, ainda que com um toque da criatividade do chef. Hugo Portela escolheu quatro sobremesas populares para encerrar o menu, todas em doses generosas, pensadas para partilhar. Das habitués natas do céu e mousses de chocolate que aparecem nos cardápios de restaurantes de norte a sul do país, ao bolo de bolacha preparado com manteiga noisette, passando ainda por um arroz doce guloso com um toque de limão, que lhe confere uma frescura cítrica. Por cima, é regado com caramelo. No Inverno, entrarão na carta sobremesas conventuais e regionais. 

Cibû
©MMPCibû

“Tendemos a olhar para a cozinha tradicional de uma forma simples, mas, muitas vezes, é mais difícil do que se imagina porque é difícil igualar uma memória associada a um prato. O grande desafio de fazer uma cozinha tradicional é esse”, remata.  

Rua Castelo, 15 (Leça da Palmeira).  22 242 6929. Qua-Sáb 12.30-15.00; 19.00-22.00. Dom 12.30-15.00

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