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Em três semanas apenas, o pavilhão IFEMA, que serve de recinto à ARCOmadrid – a maior feira de arte contemporânea de Espanha e uma das maiores do mundo –, trocou as mais de 200 bancas de galerias por cerca de 5000 camas para doentes com Covid-19. No final de Março, surgia ali o primeiro hospital de campanha da vizinha Espanha.
Era na ARCOmadrid que estava Mário Ferreira da Silva, da Lehmann + Silva, quando a pandemia se instalou. Depois de uma “feira mais fraca que o expectável”, teve de adiar a inauguração de Diana Policarpo, prevista para 20 de Março. No dia em que nos fala, deveria estar na Art Brussels, uma das muitas feiras de arte adiadas ou canceladas. “O segundo trimestre do ano representa 40% da facturação para a generalidade das galerias”, explica Mário.
Numa altura em que as vendas derrapam e as aquisições de coleccionadores e instituições ficam em stand-by, a galeria procura dinamizar-se online através da aplicação e das redes sociais. A app, anteriormente usada para mostrar obras a potenciais compradores, está aberta a todos (é só fazer download e pedir as credenciais de acesso). Além disso, os amigos da galeria foram desafiados a escolher três obras, iniciativa que tem “gerado tráfego”.
Tendo em conta que a “queda na facturação em Abril é superior a 90%”, não é de admirar que haja mais visitas ao site, mas, ainda assim, menos vendas. O mesmo acontece na Ó Galeria, de Ema Ribeiro, que teve uma “quebra gigante” desde que fechou. Isto porque, além dos eventos cancelados nos espaços do Porto e de Lisboa, “as pessoas estão habituadas a comprar fisicamente” – e, até à data, os clientes eram, na maioria, turistas. Com o mundo fechado em casa, acontece o oposto. São os portugueses que “fazem compras, embora não muito significativas”, respondendo a apelos nas redes sociais.
É por lá que a Ó continua a mexer. No Instagram, realiza semanalmente o Takeover, em que um artista gere a conta, e as exposições virtuais Curated By, com curadoria de amigos e clientes da galeria. “É importante para eles terem mais visibilidade”, reconhece Ema. Até porque, entre os 33 mil seguidores da Ó Galeria, alguns poderão tornar-se clientes.
É pela compra online que pode passar a ajuda a pequenos projectos como este. “De outra forma, quando sairmos, só vamos ver portas a fechar”. A galerista é, aliás, exemplo desta realidade. Face ao grande investimento na nova Ó Cerâmica, no Porto, vai ter de fechar a galeria de Lisboa.
Para Miguel Nabinho, o futuro do mercado não passa pela compra online generalizada. “Como a obra de arte requer mais investimento [do que outros produtos], é preciso vê-la presencialmente”, nota o galerista da Miguel Nabinho, em Lisboa. A internet, acredita, pode ser um ponto de partida, mas não ponto único de venda.
Como vários pares, está no Artsy, plataforma digital de venda de arte, mas reforça que “o galerista funciona em analógico” e precisa de um espaço aberto. Contudo, tem ocupado o digital nas últimas semanas com conversas no Instagram, com nomes como Ana Jotta.
Também a Squid Ink Works, no Porto, foi pensada para ser física. Andrew Winn, artista e co-fundador, admite que “está tudo parado”. Por um lado, “95% dos clientes eram turistas” e, por outro, tem pouca audiência online. Durante o isolamento, tem divulgado cerâmicas, ilustrações e impressões da loja no Instagram, através do Virtual Art Market semanal. “As pessoas compram, mas não é nada, comparando [ao habitual].”
Se o digital pode ser uma alternativa, “transpor o físico para o online não se faz de repente”, diz Jorge Viegas, galerista da lisboeta 3+1, que também defende que “nem tudo pode ser vivido online”. “Em escultura ou instalação, não se consegue obter a relação completa entre as obras”, argumenta o vice-director da associação de galerias Exhibitio.
A vídeo-arte “aproxima-se mais do online” e está, até 22 de Maio, nas Couch Sessions, festival de vídeo que foca um artista diferente por semana. No entanto, se há galerias a arranjar alternativas para mostrar arte, “é preciso vender”, o que se torna desafiante sem feiras ou espaços físicos para o efeito.
Em Portugal, as galerias são “terra de ninguém”, queixa-se Jorge Viegas. “Para a cultura, não somos do sector e, para a economia, não somos cultura.” Os apoios não abrangem as artes plásticas, mas podem chegar através de “compras institucionais”. “Se o Ministério da Cultura comprar o que tem previsto para a colecção do Estado, antecipando verbas de 2021, ou se os municípios usarem a verba anual para as suas colecções, já é uma ajuda."
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