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A página de Instagram @inthemeantile é muito bonita e ao mesmo tempo um mistério. Quem ali entra lê a bio minimalista ‘Mapping Lisbon, one tile at a time’ (Mapeando Lisboa, um azulejo de cada vez) e vê dezenas de publicações com imagens de azulejos diferentes, cada um deles numerado e com uma legenda que dá a morada e as coordenadas. São todas de Lisboa (menos uma, vá).
A pessoa por detrás da página chama-se Nicoletta Pavese, italiana de 31 anos apaixonada por Lisboa que se mudou definitivamente para Portugal há quatro anos, altura em que conseguiu encontrar trabalho. Conhecia a cidade dos tempos de Erasmus, quando iniciava a sua aposta académica na área da Comunicação e Curadoria de Arte. Hoje trabalha como trainer na Farfetch, a conhecida plataforma portuguesa de produtos de luxo que aproxima criadores, curadores e consumidores num só espaço, mas não baixou a guarda para o mundo artístico.
Durante os meses mais confinados da pandemia, Nicoletta juntou o útil ao agradável. “Eu tenho este interesse em divulgar arte e cultura, por causa da minha formação, e comecei a pensar: como posso divulgar arte e cultura nesta situação, sem turismo e com os museus fechados? Então comecei a tirar fotografias dos azulejos durante os meus passeios higiénicos, porque online era a única forma de fazer essa divulgação. Abri a conta no Instagram e comecei a publicar as fotografias para mostrar às pessoas que não tinham oportunidade de visitar Lisboa uma arte que, normalmente, é muito acessível”, recorda.
Mas a página In The Meantile (um trocadilho com meanwhile em inglês, que significa “entretanto”) é apenas o começo de um projecto maior: quando acabar de publicar todas as fotografias (ainda tem cerca de 200 guardadas), Nicolleta quer criar um mapa interactivo onde todos possam ver os azulejos que encontrou e fazer um tour online pelas ruas de Lisboa. “Ou usar este mapa para visitar na vida real, quando o turismo ficar mais aberto”, propõe. Esta italiana de Cuneo (perto de Turim) já estava preparada para a enorme variedade de azulejos que estão na cidade, mas não deixou de se surpreender. “Eu sabia que há muitos azulejos diferentes, mas estou sempre a encontrar novos e todos diferentes. Não apenas azulejos com desenhos geométricos, mas também com ilustrações. Esta variedade é incrível”, descreve.
Assim que terminar o mapa interactivo com os azulejos de Lisboa, o plano é expandir ainda mais o projecto, desta vez para outras cidades que também merecem atenção, como o Porto ou Ponta Delgada. Uma ideia que foi sorrateiramente posta em prática no azulejo no 62 da conta de Instagram, um ‘Cuidado com o cão’ dos Açores. “É o único que não é em Lisboa, mas gostei muitíssimo dele, porque foi feito por uma fábrica de azulejos muito conhecida em Ponta Delgada”, explica Nicoletta, referindo-se à Fábrica de Cerâmica Vieira.
Salvar o património
Infelizmente, os azulejos são cobiçados por ladrões que desrespeitam este património cultural de todos os portugueses. Se vir azulejos à venda, adquira apenas os com certificado, para garantir que não está a contribuir para a candonga. Alertamos nós e alerta um projecto nascido no Porto em 2015 para preservar e, ao mesmo tempo, colmatar algumas falhas que vão aparecendo pela cidade. Chama-se Preencher Vazios e é obra da artista portuense Joana de Abreu.
O nome do projecto denuncia o seu objectivo: preencher os espaços vazios deixados pelo roubo ou destruição de azulejos nas fachadas dos edifícios, ao mesmo tempo que chama a atenção para o ‘azulejocídio’ com a ajuda de mensagens de autores portugueses, sobre um fundo que replica o padrão de azulejo desaparecido “Coloco peças de madeira, sempre com o mesmo padrão dos azulejos da fachada, mas com cores diferentes, para criar um contraste visível de tempos, entre o passado e o presente. Estas intervenções são de carácter efémero pois com o tempo vão acabando por desaparecer”, explica Joana, que faz tudo sozinha e intervém na cidade por iniciativa própria, o que a torna numa verdadeira artista urbana.
“Quando faço as intervenções não quero arranjar solução para este problema, mas sim chamar atenção para ele. Para que o proprietário ou alguma entidade se debata com este problema e actue. Por isso, pretendo manter esta diferença de materiais. Porque não quero que o meu trabalho se assemelhe aos verdadeiros azulejos, quero que ele se funda na fachada, mas com a sua personalidade”, defende a artista, que faz sempre este trabalho à luz do dia, precisamente para poder falar com as pessoas que param para ver. As intervenções tanto podem ser feitas em casas devolutas como em habitadas e Joana diz nunca pedir uma autorização mais formal. “Se vir que está alguém na casa digo que vou colar os azulejos que faltam e como é uma intervenção efémera passado algum tempo eles desaparecem”, revela.
É no atelier no número 85 da Rua Santo Ildefonso que tudo começa – e como as intervenções nas cidades são oferta da casa, há que rentabilizar a criatividade. “Não é apenas uma intervenção artística, é também um trabalho educacional, social e de desenvolvimento comunitário. O Preencher Vazios também actua em outras áreas para promover a estimulação sensorial e as diferenças em sociedade. Através de workshops quer em escolas com crianças, em centros de dia com idosos ou com empresas e diversas entidades”, enumera Joana, que expandiu o projecto para também se dedicar à promoção da educação artística e social. Em Maio, por exemplo, esteve presente na quarta edição do evento Maio do Azulejo, em Ovar, onde desenvolveu workshops, instalações efémeras pela cidade e uma visita orientada.
E não fica por aqui. Quem quiser pode ter o Preencher Vazios dentro da sua própria casa, não apenas no exterior. Joana desenvolve painéis personalizados, o seu trabalho mais requisitado, para os quais os clientes podem seleccionar o padrão, a frase, a forma e o tamanho do painel (que pode ter até 15 peças). É também possível adquirir um azulejo personalizado ou encomendar um pré-definido, tudo disponível na loja online.
+ Preencher Vazios: as máscaras inspiradas nos azulejos portugueses
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