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Em vez de terem como base de criação a dramaturgia ou a encenação, o actor João Miguel Mota, o músico Pedro João, o actor/encenador António Júlio, o actor/encenador Gonçalo Amorim e a dramaturga Raquel S. partiram de objectos e estímulos cenográficos para fazerem, cada um à sua maneira, cinco mini-espectáculos dentro de uma cozinha de uma carrinha. COZINHA(S), projecto do Teatro Experimental do Porto (TEP) que está a ser apresentado em vários locais do Porto no âmbito do programa municipal Cultura em Expansão, foi concebido por Catarina Barros, cenógrafa e figurinista do TEP e uma das cabeças mais inventivas da cenografia nacional. O próximo espectáculo é esta sexta-feira, no Parque da Pasteleira, pela mão de Raquel S. – no dia 4 de Setembro, no mesmo local, há a Maratona de COZINHA(S), com todos os criadores envolvidos.
“O meu trabalho costuma ser: a partir de um texto, crio um espaço. Aqui é ao contrário: são os estímulos da cenografia e dos adereços que servem para criar um texto e um espectáculo”, explica Catarina Barros. Pensado originalmente como “uma série de pequenos espectáculos de hall de entrada”, que servissem como uma espécie de cartão-de-visita ou um aquecimento para peças de palco do TEP, este projecto teve de ser posto de lado, em 2018, por causa da exclusão da companhia dos apoios sustentados da DGArtes nesse período. No entanto, acabou por se abrir uma oportunidade no Cultura em Expansão, e desde o ano passado que as várias sessões do COZINHA(S) estão a acontecer dentro de uma carrinha ambulante, com uma cozinha totalmente equipada e funcional. E porquê uma cozinha?
“Em termos cenográficos, por ser um espaço doméstico e por haver também esta ideia de que tu dentro de uma cozinha tens várias actividades, que podem ser colectivas ou individuais”, aponta Catarina. “Podes pôr música enquanto cozinhas, podes ouvir um podcast, podes chorar enquanto cozinhas, podes preparar comida com outras pessoas.” Para a cenógrafa, é um espaço “que pode ter mais acção do que um quarto ou uma sala”. Os convites foram lançados a artistas do círculo do TEP (Gonçalo Amorim é também o director artístico da companhia) e o desafio foi criar a partir de três estímulos/acções dados por Catarina a cada um deles, “como se fossem ingredientes”. Além destes, os criadores podiam escolher mais alguns de uma lista de 20 (uma garrafa de whiskey, um saco de viagem, uma bacia com roupa suja, compota de framboesa, bater claras de ovos…).
“Por exemplo, no caso do João Miguel Mota, os três que eu lhe dei foi ter uma mesa posta para dois, ingredientes para fazer um bolo [que foi feito, em directo] e um presente que era uma caixa”, recorda a directora artística do projecto. “O Pedro João tinha uma notícia de rádio de última hora, que era que o mundo estava a acabar, tinha de começar deitado no chão e a ideia era fazer uma música para um poema que estava no frigorífico. Esse poema foi escrito pelo Gonçalo Amorim – sem saberem, eles tinham estímulos que se interferiam.”
A Raquel S. calhou um bolo de aniversário, acabar a peça deitada no chão e receber uma chamada. Apesar de estes espectáculos, que rondam os 20 minutos, terem uma certa componente de improviso, tendo em conta que são concebidos “apenas em dez ou cinco dias”, a dramaturga chegou aos ensaios já com um texto. “Vai ter muito a ver com a investigação que ela tem levado a cabo sobre a questão dos ‘descobrimentos’, o colonialismo português e a igualdade de género”, adianta Catarina Barros. Mais concretamente, a proposta de Raquel S. foca-se na questão das Órfãs d’El-Rei, filhas de nobres que morreram ao serviço da Coroa portuguesa. Estas raparigas órfãs, entre os 12 e os 30 anos, ficavam a cargo do rei, que as enviava para as colónias com o objectivo de as casar com os portugueses. “Como os colonos violavam as mulheres indígenas e elas tinham filhos, o rei mandava para lá estas mulheres para tentar manter a ‘pureza da raça’ portuguesa.” Optamos por não revelar como Raquel S. vai montar esta história com os seus três ingredientes, para não haver spoilers. Mas tudo fará sentido.
Quanto à Maratona de COZINHA(S), a ideia é fazer um espectáculo mais longo, com cerca de 45 minutos, em que se entrelace as cinco criações. Mantendo a identidade de cada uma, “sem criar propriamente algo de novo”, mas percebendo “como estas se podem tocar e ter ecos umas nas outras”.
Parque da Pasteleira. Rua Gomes Eanes de Azurara 122 (Porto). 27 de Agosto, 19.00 (Raquel S.). 4 de Setembro, 19.30 (Maratona). É obrigatório o levantamento do bilhete gratuito (máximo: 2 por pessoa) no local e dia a partir das 18.00.
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