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A boca abre-se de apetite e de espanto. Um pão crocante, feito com uma massa lêveda azeda, ligeiramente tostada na brasa e frita em manteiga, sustenta um duo que, por esta altura do ano, começa a sair de cena: um picadinho de tomate coração de boi e tomate zebra, ambos fermentados para ganhar ainda mais sabor (6€). Por cima, folhas de manjericão fritas. O único sabor amargo que fica na boca, é a pena que dá saber que a época deste suculento fruto está a chegar ao fim. Se a ideia era impressionar, Daniel Carvalheira conseguiu. Apostou as fichas todas no primeiro momento do menu de degustação do seu novo restaurante – o Liz, aberto no final de Setembro, no Pinheiro Manso – e não desiludiu.
Do país vizinho, onde foi buscar inspiração ao famoso pa amb tomàquet catalão (uma fatia de pão barrada com tomate cru) para criar o primeiro momento, o chef, de 35 anos, rumou depois para Este, à procura de sabores asiáticos para apresentar o momento seguinte: uma tartelete de atum, com o peixe dos Açores, envolvido em alga nori e temperado com wasabi, gengibre e furikake, a evidenciar o sabor das folhas shiso (9€).
“Para aqui, quis preparar pratos que eu gostasse de comer; quis criar algo harmonioso, sem estar muito preso a receitas e tradições”, atira Daniel do outro lado do balcão, enquanto coloca minuciosamente um amor-perfeito sobre a mostarda em grão que cobre uma croustade de bife tártaro, o último snack antes das entradas. Esta, depois da primeira dentada, explode sobre a língua e o seu sabor é potenciado pelo salgado dos cornichons e das alcaparras (8€). “Queria, sobretudo, fazer algo diferente. Como acho que há uma escassez de bistrôs mais gastronómicos no Porto, gostava que as pessoas pudessem ter uma experiência mais fine dining a preços mais acessíveis”, explica.
E experiência no assunto não lhe falta. Com um currículo de fazer inveja, soma passagens por cozinhas com estrelas Michelin, como a do restaurante do chef Pedro Lemos, na rua do Ouro; do Noma, de René Redzepi, na Dinamarca; do The Yeatman, onde trabalhou com Ricardo Costa, em Vila Nova de Gaia; e, mais recentemente, do Euskalduna Studio, no Bonfim, sob a supervisão de Vasco Coelho Santos.
“Já estava há dois anos no Euskalduna e senti que precisava de fazer outras coisas, de mais ambição, por isso, despedi-me e decidi procurar novas aventuras. Precisava de aprender ainda mais e de adquirir mais conhecimento”, conta o chef. Mas a aventura não aconteceu de imediato. “Fui a várias entrevistas, mas nada me surpreendeu, e como abrir um restaurante já era um sonho antigo, atirei-me a ele”, diz, acrescentando que encontrou este espaço, onde antes funcionava o restaurante Manso, por acaso, através de um anúncio de trespasse.
“Quero fazer aqui uma cozinha criativa q.b.”
Tanto o menu de degustação, como os pratos que também podem ser pedidos à la carte, incidem, sobretudo, sobre os vegetais e os produtos vindos do mar. E é por isso que o capítulo das entradas é dedicado a ambos. Há tomate, azeitona e alcaparra (11€) e lula, amêijoa e limão (17€), mas também um prato de beterraba assada com queijo de cabra, groselhas, vinagrete de beterraba e uma telha de cominhos por cima (13€). Um prato que sabe a um passeio no bosque – terroso, quente e doce –, uma entrada perfeita para o Outono. Por fim, o caril de gambas, numa homenagem às origens moçambicanas, país onde nasceu, com a gamba rosa do Algarve, o guanciale, os coentros, o caril e o achar de limão, a colocá-lo entre um dos melhores da lista (16€).
Os pratos principais, que se coordenam com as estações do ano, utilizando vegetais biológicos e sazonais e vindos de pequenos produtores, estão representados no menu do Liz pelo pargo com chouriça, pimento e curgete (26€); pelo atum com espinafres marinados em mirim e soja, num caldo dashi (28€), e pela codorniz com abóbora, abóbora crocante e kimchi (21€), o único prato de carne do menu.
Se optar pelo menu de degustação, o chef servir-lhe-á seis momentos (que, na verdade, são sete): dois snacks, duas entradas, dois pratos e uma sobremesa (65€/pessoa, a harmonização com vinhos acresce 35€). “O meu objectivo não é reinterpretar clássicos portugueses. Não quer dizer que não possam surgir, mas não é o meu foco. Quero fazer aqui uma cozinha criativa q.b.”, explica Daniel.
Criativas são também as sobremesas que saem das mãos de Gabrielle Marçal Schneider, chef pasteleira que trabalhou no D.O.M. de Alex Atala, e no Mocotó, ambos no Brasil; e no Elemento e no Gruta, já na Porto. Baba au CRF (preparada com aguardente em vez de rum; 7€); um fondant de chocolate branco e groselha com uma inusitada bola de gelado de vinagre acidódoce; e um sablé com figo, gelado de figo e folha de figueira desidratada (ambas a 9€) rematam a refeição.
Os cafés, os petit fours e todas as explicações – dos pratos aos vinhos – são dadas por Luís Marinho, o chef de sala (ex-Cozinha das Flores e ex-Semea), que faz a ligação entre a cozinha e o cliente, e completa este triângulo equilátero, onde todas as partes são iguais e tornam o Liz numa pequena maravilha a visitar.
Rua de Mota Pinto, 170. 22 616 8024. Ter-Sáb 19.00-22.30
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