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Em 2009, Carlos Azevedo, João Crisóstomo e Luís Sobral faziam parte de um grupo de arquitectos formados em Coimbra com vontade de criar algo novo no Porto a partir de uma visão de trabalho colectiva. Nascia assim o depA, ateliê de criação, discussão e investigação de arquitectura que, nos últimos anos, tem desenvolvido um corpo de trabalho sólido, onde estão incluídas obras como o Pavilhão do Lago, em Serralves, a Casa do Rosário ou a Casa da Cultura de Pinhel. O próximo grande passo do depA vai ser representar Portugal na Bienal de Arquitectura de Veneza 2020, em Abril, com o projecto In Conflict, uma análise da produção da arquitectura portuguesa no pós-25 de Abril com base em vários casos mediáticos que abordam a habitação nas dimensões social e física. Eis o que esperar deles.
Como evoluiu a vossa visão de arquitectura nestes dez anos?
Carlos Azevedo (CA): Mais do que uma forma de fazer arquitectura, tínhamos uma visão clara de organização do nosso ateliê um bocadinho distinta dos ateliês clássicos: não há propriamente um mestre que desenvolve um projecto realizado por vários colaboradores. É um trabalho mais aberto, em que todos somos autores como colectivo.
O vosso trabalho orienta-se por um olhar interdisciplinar e integrado.
Luís Sobral (LS): A arquitectura é uma disciplina muito aberta e dá-nos ferramentas para fazer esse tipo de trabalho [que junta arte e arquitectura]. Um arquitecto que faz uma estação de metro é o mesmo que consegue fazer uma instalação artística.
Interessa-vos esse cruzamento de técnicas e abordagens?
LS: Interessa-nos conhecer gente que desafia a forma de se pensar as coisas, e obviamente que os artistas se posicionam nesse campo de arejamento.
CA: E, quando falamos em artistas, também falamos em empreiteiros ou carpinteiros. Gostamos de estar próximos das obras, perceber como é que cada pessoa pensa a sua arte e integrar isso no nosso trabalho.
Numa cidade que é uma referência mundial de arquitectura, como se procuraram diferenciar?
CA: Nós não andamos à procura de uma linguagem ou assinatura; se calhar ela acaba mesmo por ser essa ausência de assinatura. Cada projecto tem o seu próprio crescimento e aprendizagem, porque as respostas [aos problemas] são distintas. O método é mais transversal do que a linguagem.
LS: O que nos pode distinguir é o facto de os projectos beneficiarem sempre de mais do que um ponto de vista.
A proposta que levam à Bienal de Veneza questiona a habitação como fonte de conflito.
LS: Vivemos tempos conturbados, há uma instabilidade política tremenda, há fronteiras a serem redefinidas e cidades a serem transformadas. Os arquitectos, enquanto agentes que, inevitavelmente, são parte do processo, devem pensá-lo de forma crítica. Além disso, na habitação vai sempre haver ausência de consenso. As pessoas têm pontos de vista e interesses diferentes que vão fazer com que o projecto seja uma coisa que não seria se não houvesse esse conflito. Aprendemos recentemente que conflito, em teatro, significa acção. Essa é a síntese perfeita do que nós propomos.
O vosso trabalho para a Bienal está ancorado em processos mediáticos do pós-25 de Abril. Podem aprofundar?
CA: O conflito é relatado, medido ou mediado pela imprensa e isso é importante.
João Crisóstomo (JC): Os média funcionam como um barómetro desses processos arquitectónicos porque, num regime democrático, eles estão sujeitos ao escrutínio.
LS: A prática actual de arquitectura está sujeita a isso e, felizmente, há imensa participação na cidade porque há uma grande facilidade em expor uma ideia contrária.
Na era da especulação imobiliária e da gentrificação, o que pode este projecto acrescentar à discussão?
LS: Este não é um fenómeno único. O movimento de pessoas é constante na vida das cidades. Essa pergunta aparece sempre e põe-nos num papel um bocadinho ingrato, porque obviamente nós participamos na transformação da cidade. Temos de perceber como é que, fazendo o nosso trabalho, conseguimos ser críticos. Em momentos como este, podemos provocar o pensamento e ter uma acção maior.
O que podemos esperar da vossa representação na Bienal de Veneza?
CA: Além de uma dimensão mais retrospectiva, interessa-nos a dimensão prospectiva, que só se consegue com a discussão sobre os processos da actualidade. A par da exposição, teremos vários debates a decorrer entre Veneza, Porto e Lisboa. Interessa-nos que haja eco em Portugal do que se vai passar lá.
JC: Interessa-nos abrir a discussão a um público o mais vasto possível, não só a arquitectos. Até porque é um tema que envolve a cidade. Não podemos fechar-nos.
CA: Queremos mostrar que a arquitectura não é só feita pelos arquitectos. Há todo este conflito que molda o processo.
+ Andreia Garcia: "Também se pode fazer arquitectura através da palavra"