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Apesar da sua localização privilegiada, em plena Avenida da Boavista, a entrada do restaurante é propositadamente discreta, não fosse a grande vontade dos donos, Victor Rodrigues e Eduarda Castro, de preservar o máximo possível daquele que foi um dos primeiros edifícios da Avenida. Mas esse não é a única estreia de que o Em Carne Viva se pode gabar: reabilitado e aberto há mais de dez anos, o restaurante foi uma das primeiras casas veganas (ou plant-based) da cidade, a primeira de fine dining, seguramente. Num cenário gastronómico em constante mutação e crescimento, qual o sérum anti-idade? O sentimento caseiro e cuidadoso que conduz toda a operação.
Da cabeça aos pés, o Em Carne Viva foi orquestrado e trabalhado pelo casal. Em Janeiro deste ano, viram todo esse esforço reconhecido, através da atribuição do Prémio Especial Studioneves de Sustentabilidade, dos Prémios Mesa Marcada. Num projecto minucioso de renovação, não se estragou nem um material nativo ao edifício. “A mesa e as cadeiras onde estamos, por exemplo, foram todas feitas com a madeira maciça que já aqui existia”, diz-nos o chef Victor Rodrigues, acrescentando que “o próprio material das toalhas de mesa é reciclado". "Já têm mais de dez anos”.
Olhando à volta (e para cima), há muito mais. Todos os candeeiros e lustres da casa foram feitos com o vidro de garrafas recicladas, alguns guarnecidos por abat-jours em lã igualmente reciclada. E se for à casa de banho, preste atenção ao chão. “Foram semanas a colar pastilha de vidro reciclado pelo pavimento todo, uma a uma, tudo à mão”, apresenta orgulhosamente Victor Rodrigues, enquanto a Patinhas – gata de estimação do espaço – se esquiva dos seus pés.
Mas, num restaurante completamente vegano, a premiada sustentabilidade não poderia ficar por aí. “Orgulhamo-nos muito do trabalho que fizemos e continuamos a fazer todos os dias no edifício, mas a nossa maior contribuição para o ambiente vai ser sempre não confeccionarmos nem comermos carne”, salienta o chef. No início de 2023, já em celebração do 10.º aniversário do Em Carne Viva, foi implementada uma medida “que pode ser considerada um pouco drástica”: o restaurante descartou a escolha pessoal prato-a-prato em prol de um único menu de degustação (80€), de maneira a evitar ao máximo o desperdício.
São dez momentos, um para cada ano de vida do restaurante. Começa-se pelos snacks: pão de rúcula, espinafre e aroma de chouriço, bolacha de falafel e húmus e a alheira com maçã, “tudo cozinhado do zero, aqui, à excepção dos 'enchidos'”, acrescenta.
O menu funciona em crescendo: começa-se pelos leves e acaba-se nos mais pesados. O passo seguinte parece quase óbvio – a sopa –, mas a sagacidade fica por aí. É-nos apresentado um caldo verde desconstruído, com espuma de batata fumada e couve portuguesa desidratada. Segue-se um verdadeiro poema de amor à cebola: um tortellini de cebola roxa e licor Beirão, onde todas as partes do vegetal são aproveitadas – outra maneira através da qual o restaurante trabalha a sustentabilidade.
A abóbora dourada, folhado de aipo e espinafre, batata doce (e sua casca) e quinoa de sarrabulho culminam no “jardim de Outono”, um dos pratos mais prezados da casa, “talvez por ser quente e lembrar o assado de domingo”, comenta o chef. O nono passo do menu, o granizado de folha de figo e espumante, funciona como tira-sabores, para limpar o palato para a sobremesa que arremata a refeição – a “decadência de chocolate”, composta por chocolate 85% cacau, creme de avelãs, brownie, caramelo e citrinos.
Para os menos aventureiros, existe uma versão reduzida do menu (45€), com metade dos pratos. As bebidas são igualmente biológicas e regionais. Caso queira provar um pouco de tudo pode optar pela harmonização de vinhos (40€/pessoa), que contém um cocktail, quatro vinhos orgânicos do Douro e um Porto com dez anos.
E se o menu lhe suscitou interesse, apresse-se: o respeito ao ingrediente faz com que os pratos do Em Carne Viva sejam sazonais, pelo que, com a chegada da Primavera, o menu evolui para algo “mais fresco e mais verde, sempre com alguma novidade”. E uma dessas novidades é muito especial, tanto para a casa, como para a cidade: o regresso da francesinha, “mas à nossa maneira, claro”. No ar ficam promessas de um possível gelado de batata frita. É esperar para ver.
Av. da Boavista, 868. 932 352 722. Ter-Sab 19.30-22.00
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