Até 20 de Dezembro, vários edifícios do centro do Porto vão ser vestidos com bandeiras que são obras de arte, graças ao projecto Ver as Vozes dos Artistas. Conversámos com o curador Miguel von Hafe Pérez.
Normalmente vemo-las altivas e imponentes, dando corpo à demarcação de uma fronteira ou território, quase sempre com uma conotação institucional e hierárquica. Por estes dias, as bandeiras que se erguem nos mastros de edifícios como o Ateneu Comercial, Orfeão do Porto, Culturgest, Casa da Madeira, Grande Hotel do Porto ou Ordem dos Arquitectos adquirem um significado completamente oposto: servem de suporte livre, universal e transfronteiriço aos trabalhos de 30 artistas nacionais e internacionais.
“As pessoas podem colocar um mastro e clamar um território como seu, mas o [vento], que lhe dá visibilidade, não tem fronteiras”, começa por dizer Miguel von Hafe Pérez, curador da segunda edição do Ver as Vozes dos Artistas, projecto da Saco Azul Associação Cultural e do Maus Hábitos.
Depois de, em 2018, levar a arte contemporânea aos espaços subterrâneos do Metro do Porto, esta iniciativa está de volta com a mesma intenção de proporcionar um encontro quotidiano da população com a arte e, simultaneamente, actuar como “manifesto sobre a presença dos artistas no espaço público”. “Nos anos 50, 60 e 70, um filósofo ia à televisão falar durante duas horas e as pessoas viam”, problematiza o curador. “Hoje em dia, não se convidam intelectuais ou artistas para dar opinião, mesmo sobre outros assuntos.” Nesse sentido, esta exposição quer possibilitar a todos o contacto com o olhar crítico dos artistas “fora do circuito de instituições, museus e galerias onde as pessoas já esperam encontrar arte".
Face a uma cidade com uma programação artística e cultural cada vez mais vasta, alavancada numa forte política cultural, defende que este projecto constitui “um momento complementar que acrescenta dimensão ao trabalho continuado desenvolvido pelas instituições”. Além de democratizar o acesso à arte para vários tipos de público, segue um modelo que viabiliza a participação de artistas de todo o mundo.
“Actualmente, mais de 50% dos orçamentos das exposições têm a ver com transportes”, assinala o curador, e exemplifica que “trazer uma peça da Alemanha fica muito caro, porque tem de atravessar a Europa até aqui à pontinha”. Neste caso, e à semelhança do que aconteceu na edição anterior, os artistas enviaram a sua participação de países como Espanha, Polónia, Inglaterra ou Brasil por via digital, e a produção das peças foi feita cá.
As bandeiras, impressas numa “espécie de tela perfurada”, incorporam o trabalho de artistas ligados à escultura, pintura, fotografia ou instalação. “O exercício de criar algo a pensar num meio específico é muito interessante para eles”, nota Miguel von Hafe Pérez, que lançou o desafio a nomes como André Romão, Ângela Ferreira, Dayana Lucas, Rafel G. Bianchi, Sónia Almeida, Sandra Cinto, Pepo Salazar, Lucia Koch e João Marçal, entre outros e outras.
As propostas apresentadas pelos criadores andam entre o “figurativo, o abstracto e o textual” e seguem duas lógicas. Por um lado, houve artistas que reproduziram aquilo que fazem normalmente noutros suportes e, por outro, houve quem se desviasse do seu registo habitual para dar vida a algo diferente. “Temos, por exemplo, pintores que usaram o texto”, desvenda o curador, reiterando que “a utilização da palavra em associação com a imagem tem vindo a ser recorrente nas artes visuais”.
Não há um percurso obrigatório a seguir para ficar a conhecer estas obras. Mas quem quiser partir em descoberta de todos os mastros decorados com arte Sónia Almeida Dayana Lucas consegue fazê-lo numa tarde, já que eles estão concentrados no centro do Porto. E, tendo em conta que “grande parte das pessoas que vão ver as bandeiras são as que circulam pela cidade”, espera-se que haja curiosidade e abertura perante o que vêem. “Numa era sobrelotada de imagens, é importante que se tente saber mais e compreender o que é criar hoje em dia."
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