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Pô-los sentados à mesa ‒ antes de a refeição arrefecer, leia-se ‒ e convencê-los a largar o telefone ou o gadget do momento são duas das tarefas mais difíceis para qualquer pai com miúdos na idade de estar do contra (às vezes é até à adolescência, ufa...). “Mas não podemos só impôr. É preciso conversar”, diz André Carrilho, um dos ilustradores mais premiados do país, que acaba de lançar A Menina com os Olhos Ocupados, a sua estreia como autor de um livro para a infância, que convida as crianças a desligarem os ecrãs para “ver mais longe, pra todos os lados”.
Com sentido de humor, rimas divertidas e ilustrações vibrantes ‒ assim se aborda o cerne de muitas discussões familiares, propõe Carrilho. A protagonista é uma menina que “nunca presta atenção a nada e não gosta de ser incomodada”, mas podia ser qualquer uma das crianças que, no dia-a-dia, passam muito tempo de “olhos ocupados”, sem prestar atenção ao que as rodeia. “No meu tempo era a televisão”, confessa o autor. “Mas na altura olhávamos para a televisão e a televisão não sabia. Hoje em dia é diferente.”
Se as crianças estão numa plataforma de streaming ou no YouTube, onde preferem ver os seus desenhos animados preferidos, por não estarem à mercê dos horários de programação, “o YouTube sabe perfeitamente”, alerta. “Antes de a minha filha mais velha nascer, esta questão nunca esteve bem no meu radar. Não julgo os outros pais nem sequer sou contra a tecnologia, mas começo a confrontar-me com a forma como devemos arbitrar o seu uso.”
Ilustrador há mais de duas décadas e fã do ritual de leitura antes da hora de ir dormir, André Carrilho decidiu juntar o útil ao agradável: escreveu e ilustrou uma história para conversar com os filhos sobre a importância de não estar sempre com “a cabeça colada ao telefone”. Editá-lo, por outro lado, foi mais ou menos um acaso. “Numa reunião com a Bertrand, por causa de outro projecto, aproveitei para perguntar à [editora] Bárbara Soares o que achava do texto e ela quis saber se eu já tinha editora. Não tinha e nem sequer estava à procura, mas ela disse-me que, se calhar, gostava de o editar.”
André já tinha ilustrado livros infantis, como a Marquesa de Alorna. Querida Leonor, de Luísa de Paiva Bóleo, mas nunca escrevera um. Curiosamente, o texto “foi o mais rápido”. Ilustrar durou um ano. “Não foi um processo linear, tive várias falsas partidas e foi preciso revisitar várias partes do livro para ajustar como achava melhor”, admite. “Tem pós-produção digital, mas é aguarela ‒ e é parte do manifesto deste livro, porque é impossível controlar todos os efeitos aleatórios relacionados com a técnica. Assim como andar na rua é muito diferente de andar nas redes sociais.”
Na vida real, há gelados de cone a derreter ao sol, cães sem trela a passear na rua e, quem sabe, até “um bando de piratas sujos e maus”, mesmo que seja no só Carnaval. Na Internet, os eventos são alvo de uma curadoria. “Se calhar a minha geração é um bocado responsável por isso, porque achávamos que o virtual podia ser equiparável ao real, mas não é. E é importante que os miúdos, que precisam do tacto para se desenvolver e de experiências físicas, percebam porquê.”
Bertrand Editora. 48 págs. 12,20€.
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