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Massimo Furlan e Claire de Ribaupierre puseram em marcha um encontro improvável entre o teatro, o entretenimento televisivo e a filosofia. Eurovisão da Canção Filosófica tem a pompa e circunstância de um Festival da Canção, ainda que em versão mais humilde e lo-fi, com luzes estridentes, outfits apropriados à ocasião, uma cacofonia de idiomas e canções pop a concurso que, não sendo muito más, nunca chegam a ser suficientemente boas. Neste caso, o trunfo está nas letras e nos respectivos autores: são 11 canções escritas por 11 pensadores de 11 países europeus, que ficaram encarregues de lançar reflexões (nas suas próprias línguas) sobre o mundo e as suas inquietações políticas, filosóficas, metafísicas.
Estreado em 2019 na Suíça, Eurovisão da Canção Filosófica tem como ponto de partida a peça 1973, em que Furlan e Ribaupierre recriaram um concurso da Eurovisão da década de 70 no Festival d’Avignon, em 2010. Decidiram voltar à ideia num momento particularmente complexo, em que o projecto da União Europeia de Radiodifusão e a sua identidade democrática estão cada vez mais fragilizados, ao mesmo tempo que cresce a intolerância e o ódio contra visões identitárias plurais e contra a produção de conhecimento e pensamento.
Tendo em conta o contexto actual, em que tudo está em ebulição, este espectáculo chega no momento certo a Portugal, em estreia nacional: primeiro sobe ao palco do Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa, de 25 a 27 de Setembro, seguindo depois para o Rivoli, no Porto, dias 2 e 3 de Outubro. A apresentação desta Eurovisão está a cargo de Massimo Furlan e Catarina Furtado, e cada cidade terá o seu júri, composto por nomes do teatro, da política, da música ou da sociologia: Flávio Almada, Luísa Schmidt, Manuela Azevedo, Maria Manuel Mota, Mariana Mortágua, Pedro Penim e Pedro Santos Guerreiro em Lisboa; Ana Deus, Isabél Zuaa e Rogério Nuno Costa no Porto.
O embaixador português deste espectáculo, autor da letra da “Canção dos Intelectuais”, é José Bragança de Miranda, investigador, ensaísta e professor que costuma colaborar com teatros como o Rivoli e o Teatro Nacional São João. “Achei interessante a ideia, um pouco irónica, de usar o formato de festival para fazer outra coisa e pensar questões ligadas à política, ao poder, à Terra, à ecologia”, diz à Time Out. Em “Canção dos Intelectuais”, Bragança de Miranda quis fazer “uma brincadeira sobre a questão do pensar”. “Sou um pouco avesso à ideia de que há especialistas para pensar e outros que servem para serem pensados.”
Animista e totémica, segundo a avaliação de um dos jurados do espectáculo na Suíça, esta canção traça um contínuo entre o ser humano, a Terra e a natureza, questionando aquilo que entendemos por seres vivos e pensantes, com referências a autores como Aldo Leopoldo, Heidegger, Deleuze ou Mallarmé. “O que me interessou neste formato canção foi escrever de uma forma mais intuitiva, sem ser uma coisa pesada, dedutiva e argumentada”, aponta. Enquanto boa parte dos autores das canções a concurso apostam em manifestos políticos mais directos, alertando para a escalada dos populismos, para o falocentrismo da filosofia ocidental ou para a exclusão de vozes e subjectividades no cânone da história colectiva, José Bragança de Miranda não quis “mandar mensagens para ninguém”. “A minha maneira de participar foi usar uma fórmula já estabilizada para dizer de outra maneira as coisas que me interessam.”
Para o investigador da Universidade Nova de Lisboa, uma das conquistas deste espectáculo é permitir questionar o porquê da separação constante entre entretenimento e pensamento, entre a chamada baixa cultura e a alta cultura. “Essas oposições a mim não me dizem nada”, sublinha. “A arte pode ser melhor ou pior, mas há sempre o fazer. Se se respeitar isso e se se tiver espírito de abertura, vamos ver que há muita coisa a receber de muito lado e de muita gente.” Voltamos ao início: pensar é uma tarefa de todos, e “não há nada que não sirva para pensar”.
Rivoli. 2 Outubro (21.00) e 3 de Outubro (19.00). Preço: 12€
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