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Luciano Britto Gomes não sabe apontar o momento exacto em que se encantou com os balões de São João. Talvez ainda no colo da mãe, durante uma das muitas largadas que havia nos subúrbios do Rio de Janeiro e que constituíam um verdadeiro programa de família. Aos cinco anos, já cortava, dobrava e colava papel para ajudar os dois irmãos, também eles baloeiros. “Os meus ídolos de infância não eram jogadores de futebol nem super-heróis”, reconhece. “Eram os baloeiros do nosso bairro, que hoje são meus amigos”.
Introduzidos pelos portugueses no Brasil a par das festas em homenagem aos santos populares, os balões são um forte símbolo da chamada Festa Junina. Mas, apesar da sua relevância na cultura e identidade brasileiras, soltá-los é ilegal — o acto foi criminalizado em 1998 —, devido ao risco de incêndio. “A partir daí, as coisas evoluíram de modo mais escondido”. Sempre na rua, onde cumplicidades nasciam em torno de papel manuseado a várias mãos, que depois ganhava forma para ser lançado em localizações secretas q.b.
É, precisamente, nesse trabalho colectivo que se ancora a construção dos balões de São João que, até 30 de Junho, tomam conta das paredes da Senhora Presidenta, no Bonfim. Têm diversos formatos, padrões, desenhos e cores e são resultado dos workshops que o mestre baloeiro tem dado na galeria. “Actualmente, pouca gente faz balões, a maioria é importada”, nota Luciano Britto Gomes, que procura “resgatar, preservar e divulgar” a tradição de construção artesanal dos objectos.
Formado em Educação Física, o baloeiro trouxe a sua arte para o Porto pela primeira vez em 2013 por convite de Paulo Paes. Na altura, o artista plástico brasileiro tinha uma exposição programada no Maus Hábitos, Pneumática, cujas esculturas insufláveis se inspiravam nos balões de papel e na sua importância na memória colectiva de portugueses e brasileiros. “Na programação tinha que se lançar balões, além das oficinas, então vim ajudar”, conta.
Surgia, assim, o São João Baloeiro, projecto que se repetiu em 2015, 2016 e 2017 — ano em que foi interrompido pela proibição do Governo para enfrentar a fase crítica de fogos. Foi também aí que Luciano Gomes se mudou para o Porto com a família, mas face a uma paixão pouco ou nada rentável, começou a trabalhar como motorista da Uber. Sem esquecer a magia do papel, tesoura e cola, é claro.
Voltou a pegar nelas durante o confinamento para fazer balões caseiros para o São João. “Pensei em lançá-los da porta de [minha] casa”, admite. Produziu vários e, depois, foi convidado para tornar a transmitir os seus conhecimentos. “O balão é um ponto de partida para despertar a criatividade” e cada um é livre de deixar a sua marca nele. Luciano apenas dá orientação sobre a estrutura, pensada para ser concretizada em duas horas. “Dependendo da complexidade, pode ser uma obra de dias ou meses.”
A preservação da tradição com o menor risco possível é fulcral para o artesão. Além de abordar a questão nos seus workshops, procura obedecer a algumas regras nas suas criações, como construir um balão que fique dez minutos no ar e que apague ainda em vôo e respeitar as condições climatéricas. “Soltá-lo com vento é um risco grande”, adverte.
A missão do mestre baloeiro é clara: conservar a tradição dos balões artesanais e ensiná-la de forma simples para que todos possam participar. Se um dia houver uma proibição efectiva de balões no ar, haverá alternativas para cumpri-la. Enquanto “objecto escultural”, para “servir de decoração ou para criar luminárias”. De uma forma ou outra, sobreviverão.
Rua Joaquim António de Aguiar, 65 (Bonfim). Até 30 Jun. 14.00-19.00. Grátis.
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