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Joana Estrela regressa à BD para falar de perda e de família

O lançamento está marcado para 30 de Maio, mas ‘Gato Comum’ já chegou às livrarias – e tem muito a dizer sobre esperar a morte e fazer o luto.

Raquel Dias da Silva
Jornalista, Time Out Lisboa
Gato Comum
© Joana Estrela‘Gato Comum’, de Joana Estrela
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É a mais recente entrada na colecção 2 Passos e 1 Salto da Planeta Tangerina, pensada para adolescentes e outros leitores mais crescidos. Mas, na verdade, Gato Comum não foi escrito nem desenhado para uma certa faixa etária. Inicialmente a protagonista nem sequer tinha 17 anos. O que aconteceu foi que, projectando-se a si mesma, Joana Estrela imaginou-se ainda a viver com os pais e a gata Anita, e o que seria ter experienciado de perto a perda de um animal com o qual cresceu. “Mais tarde percebi que fazia mais sentido a personagem ser uma adolescente”, partilha a autora, que regressou ao formato da banda desenhada para nos falar, por um lado, sobre questões difíceis, como a morte e a eutanásia; e, por outro, sobre a relação de uma família e a relação dessa família com um gato comum, que não é comum porque é o deles.

O livro começou a nascer na LUCA School of Arts, na Bélgica, onde Joana Estrela esteve a fazer um mestrado de narrativa gráfica. Na altura, revela, tinha prometido a si mesma que não ia trabalhar durante um ano, que estaria concentrada apenas nos estudos. O que aconteceu foi que, sem pressão, talvez se tenha sentido mais criativa. Por outro lado, as ferramentas que utilizou para desenhar também foram ditando o projecto. Por exemplo, uma esferográfica em fim de vida que a forçou a gerir a falta de controle. “Se eu desenhasse um bocado mais rápida, ela tremia e saía mais tinta. Como eu não queria que ficasse tudo perfeitinho, e sim encontrar soluções para contrariar isso, resultou muito bem para mim”, confessa a autora, que também usou uma caneta de aguarela cinzenta e encontrou em páginas amarelas a quantidade certa de cor. Não confirma nem desmente, mas a simplicidade serve a narrativa e auxilia na tradução de silêncios.

“O tema é universal. Todas as pessoas já passaram ou vão passar pela perda e pelo processo de a superar, e todos lidamos com isso de forma diferente. E a antecipação da perda, o que é que fazemos a seguir, há inquietações que nos tocam a todos”, diz Joana Estrela, antes de desvendar um pouco sobre a história que a história contém, e que surge quando Cristina vai dormir e termina quando, no dia seguinte, recomeça o dia. “É para quem lê interpretar como quiser. Pode ser um sonho, até porque é tão mirabolante que parece fantasia, ou uma memória, da mãe a contar-lhe sobre o gato que teve quando era miúda, e que era espectacular. A ideia surgiu porque, quando estive a trabalhar no Miau [editado pela Planeta Tangerina para a colecção Mini-micro], contei com o apoio de um grupo de investigadores de sociologia que estavam a investigar a relação que as crianças têm com os seus animais de estimação, e falámos sobre isto dos nossos animais serem sempre os melhores do mundo. E é um momento feliz no meio de um livro que, bem, é triste.”

A narradora, Cristina, está na flor da idade. O gato, com o qual partilha a data de aniversário, está na reforma, e parou de beber água, parece cada vez mais doente. Primeiro, a família começa a pensar no que pode fazer. Depois, em como já não há nada a fazer. De repente, o leitor também é confrontado com uma série de perguntas que, não estando propriamente escritas, nos interpelam na mesma. Estará o gato a sofrer? Será melhor terminar imediatamente com o seu sofrimento? Como acontece a eutanásia? Devemos estar presentes ou sair do gabinete veterinário? O que faremos com o corpo do animal? Temos de decidir, a decisão é nossa. Neste caso, de Cristina, que de repente se vê no meio dos pais, destinada a escolher entre a vida e a morte.

capa de Gato Comum, de Joana Estrela, com fundo preto e três pessoas a olhar para baixo
DR

“Há qualquer coisa que começa a mudar, um ponto de viragem na relação entre eles”, concede Joana Estrela, que admite ter tentado também capturar aquele momento final da adolescência em que começamos a perceber que estamos mesmo a crescer, que os adultos nos ouvem, que podem até procurar o nosso concelho, e que as regras também já não são as mesmas de sempre. “Demorei muito tempo a decidir como escrever e desenhar o final, porque não sabia como mostrar exactamente o que mudou quando, na verdade, não há muito que mude, no sentido em que é tudo muito interior.” Tal como a pessoa que és evolui à medida que cresces, quando sofres uma grande perda, como é também a perda de um animal doméstico, a pessoa que és também se transforma. “Nada à tua volta mudou, mas tudo mudou porque o gato já lá não está.” E agora não tens razão para te preocupares com, por exemplo, que portas é que fechaste e que portas deixaste abertas.

O lançamento está marcado para o feriado, 30 de Maio, às 16.00, na Livraria Aberta. Além da conversa com a autora, haverá comes e bebes.

Gato Comum, de Joana Estrela. Planeta Tangerina. 104 pp. 16,90€

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