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Esta exposição deveria ter acontecido em Abril deste ano, depois de uma viagem pelo Japão, de uma mostra numa galeria em Tóquio, de recolher imagens, palavras e realidades diferentes e de maturar essas ideias novas. Mas a pandemia virou o mundo do avesso. Concebida com o apoio da Câmara Municipal do Porto, através do programa Shuttle, de apoio à internacionalização dos artistas, esta mostra de Júlio Dolbeth e Mariana a Miserável, que pode agora ser vista na galeria Senhora Presidenta, não se assume como um acto encerrado.
As peças em cerâmica que integram a série PARTIR estão a ser trabalhadas desde Outubro de 2019 na Cooperativa Árvore e são complementadas com alguns desenhos. A proposta temática baseia-se na interpretação da técnica ancestral japonesa Kintsugi, que realça a perfeição das imperfeições e encara as falhas não como defeitos, mas como factores de evolução. Esta forma de recuperação, que sobressai as cicatrizes, prolonga a vida destas peças, imprimindo-lhes valor e reforçando a sua singular beleza através do erro ou do acidente.
"Numa época onde o consumismo é privilegiado, o Kintsugi surge como um lugar de contemplação, de afirmação do belo, ancorado na história e nas narrativas possíveis que as peças cerâmicas têm para contar", referem os artistas em nota de imprensa. "Interessa-nos criar uma ponte entre o figurado tradicional português, em particular o artesanato da região norte de Portugal, referenciando nomes como Rosa Ramalho e a tradição cerâmica milenar japonesa."
Cada peça é única na forma como cai e se desfaz, um registo imprevisível e uma surpresa absoluta que "tem de ser aceite como é". O mesmo acontece com os seres humanos, que ao longo da vida vão caindo e colando os cacos: "Caímos, partimo-nos aos bocadinhos, aproveitamos o que resta, colamos os fragmentos, ficamos com cicatrizes".
Nesta exposição é proposta uma metáfora: as cerâmicas são ficções, são pessoas, são fragmentos biográficos. Através da lógica da técnica artesanal de recuperação, reforçam-se ligações e inventam-se laços de união a emancipar significados. O título, PARTIR, remete para a fragmentação em cacos, mas também para a viagem – partir como ida, como a procura de um lugar emocional, onde as feridas são sanadas e transformadas em material visual através da ilustração.
Para já, estas peças ainda se encontram intactas. O objectivo será enviar algumas delas mal acondicionadas para a galeria Almost Perfect, em Tóquio, de forma a que partam pelo caminho, revelando assim a beleza das suas mazelas.
A exposição pode ser vista na Senhora Presidenta até 14 de Janeiro de 2021. A galeria está aberta quinta e sexta-feira, das 14.00 às 19.00, e ao sábado, das 10.00 às 13.00. Quem quiser visitar fora do horário normal, pode contactar via email (senhorapresidenta@gmail.com) ou telemóvel (911 589 193) para averiguar a disponibilidade. As entradas são limitadas a quatro pessoas de cada vez e o uso de máscara é obrigatório.
Rua Joaquim António Aguiar 65, Bonfim (Porto). Qui-Sex 14.00-19.00, Sáb 10.00-13.00. Entrada livre.
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