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Na movimentada e por vezes caótica rua de Santa Catarina, o número 132 esconde uma história única que pode passar despercebida a muitos. Lá dentro, no segundo andar, os quadros com fotografias antigas vão dando algumas pistas, bem como algum material que permanece nas várias salas. Foi aqui que nasceu a primeira piscina pública do Porto, instalada nos anos 20/30 do século passado — primeiro ao ar livre, mais tarde coberta, depois esvaziada e sem uso e há dois anos mergulhada numa nova vida. No local onde muitos portuenses aprenderam a nadar, agora dança-se na onda d' A PiSCiNA, um projecto artístico da secção cultural de artes performativas do centenário Sport Club do Porto, sediado neste edifício.
O projecto foi criado em 2022 por três artistas independentes – Maria Inês Silva, Eduarda Alves e Lea Siebrecht –, o nome dispensa explicações e mostra como um espaço tão único moldou o caminho desta associação. A PiSCiNA acolhe outros grupos e artistas, bem como aulas de dança, um grupo de dança e teatro para iniciantes e, pela primeira vez, tem também uma programação com quatro ciclos temáticos que decorre até Setembro do próximo ano e engloba apoios a outros artistas, workshops, teatro, espectáculos, palestras, vídeo e muita dança. Tudo num espaço cultural livre, que quer ir além do institucional e da noção, por vezes restrita, de sala de espectáculos.
“A missão da PiSCiNA é dar lugar”
O fundo da piscina está agora sem água e ocupado por um tapete preto para ensaios e espectáculos de arte performativa. E os sapatos ficam à porta. As escadas para entrar na piscina permanecem intactas, os azulejos azuis do seu interior também, bem como os balneários, com os chuveiros e a sinalética antiga. Há ainda um antigo ginásio – onde se mantêm equipamentos como o motor da piscina e a ventilação – que, em breve, vai também receber arte. Foi nesta piscina, explica-nos Maria Inês Silva, que muitos portuenses aprenderam a nadar – os avós, os pais, os irmãos de muitos e ainda personalidades tão históricas como o cineasta portuense Manoel de Oliveira.
A arte esteve sempre aqui, mas era vivida noutro formato. “A missão da PiSCiNA é dar lugar. Não só dar lugar aos artistas, mas também dar lugar a novos públicos, aos curiosos, aos mais tímidos, àquelas pessoas que se impressionam tanto com um edifício tão grande e institucional que têm medo de entrar, porque acham que não pertencem. Aqui já tivemos muita gente a entrar e a assumir que pertence, porque este lugar não intimida. E com isto não estou a dizer mal de outras coisas, estou a dizer que, de repente, criamos mais espaço”, sublinha a fundadora à Time Out.
Foi precisamente a partir de um sonho desta intérprete e professora de dança, durante a pandemia, que nasceu a PiSCiNA. Primeiro, o espaço; depois, o projecto: "Tive um sonho que era ter um espaço cultural a bombar no Porto. Queria ser patroa de mim mesma, todas essas ambições de freelancer, e comecei a ligar a toda a gente, quase numa epifania máxima, para perguntar se sabiam de algum espaço no Porto que eu pudesse arrendar para ensaiar”. Depois de várias visitas, Inês chegou a estas instalações do Sport Clube do Porto, viu a piscina “um bocadinho mais deteriorada” e sabia que aquele tinha de ser o espaço onde iria mergulhar nas suas ideias.
“Apaixonei-me profundamente pela piscina. Saí de lá, liguei à Eduarda e disse-lhe: ‘Vi agora um espaço incrível, acho que é o nosso futuro’. Ela viu as fotografias e disse logo que sim. E o projecto começa daqui, ou seja, o próprio espaço foi o impulsionador de um projecto. Não tivemos a ideia de um projecto antes e depois fomos à procura de um espaço. Não, encontrei o espaço por acaso e o espaço vem definindo todo o trajecto que A PiSCiNA tem tido até agora”, acrescenta, sublinhando que as fundadoras trataram da reabilitação desta antiga piscina.
De uma motivação pessoal e para uso próprio, as fundadoras inauguraram A PiSCiNA em Setembro de 2022 e, nesse mesmo dia, quando perceberam a quantidade de pessoas que apareceram, souberam que tinham de fazer algo mais e tornar este projecto num espaço colectivo, “uma coisa quase comunitária”, um espaço independente “não normativo, não institucional”. Decidiram, então, ter um espaço artístico que permitisse abrir residências artísticas, ter performances, aulas para profissionais e não profissionais e, agora, uma programação completa, depois de conseguirem, pela primeira vez, o apoio do Criatório, um programa de apoio à criação, investigação e programação contemporânea na cidade do Porto.
Uma programação de quatro ciclos
Neste momento, a PiSCiNA acolhe aulas de dança contemporânea, de improvisação, de dança somática, aulas mensais de Chamá Pelvis (aulas de consciência do corpo e feminidade) e ainda um curso de dança e teatro para iniciantes. O espaço alberga também outros projectos independentes que ainda não têm o seu próprio local, como um projecto de dança urbana, os treinos e formação da comunidade de ballroom e ainda as aulas do Bottoms Club, um curso de defesa pessoal para a comunidade queer. António Ónio é o professor das aulas de dança somática, relaccionada com a percepção que temos do corpo, e passou a integrar mais recentemente o grupo responsável d'A PiSCiNA, depois de ter estado a trabalhar em várias partes do mundo.
“Preenchemos um gap que existe entre coisas que são mais comerciais, de aulas que uma pessoa pode fazer no ginásio ou numa academia de dança; e uma coisa completamente institucionalizada, que é muito bom que exista, mas onde há muita hierarquia e há muitos níveis para lá chegar”, sublinha.
A programação decorre até Setembro do próximo ano e é também especial, uma vez que conta com quatro ciclos temáticos e vem, finalmente, concretizar algumas das ideias do grupo. “Esta programação é um grito muito grande a múltiplas vontades que já tínhamos de projectos que queríamos fazer, que queríamos experimentar, mas que não tínhamos orçamento e equipa para assegurar a qualidade das coisas”, refere Maria Inês Silva.
O primeiro ciclo da programação foi o Cápsula, destinado a artistas que procuram um espaço de experimentação para desenvolverem ideias ainda embrionárias, experimentarem pequenas vontades e perceberem se a ideia poderá ou não levar à criação de um espectáculo, sendo que este ciclo termina em Janeiro do próximo ano. No próximo dia 27 de Novembro, por exemplo, Eric Amorim dos Santos vai apresentar o seu projecto The Drummer, às 19.30, com entrada livre, integrado neste ciclo.
Já o segundo ciclo, o Brava, irá decorrer entre Janeiro e Junho do próximo ano e acolherá artistas reconhecidos que a associação já queria trazer a este espaço, sendo que será a primeira vez de muitos deles na cidade do Porto. A programação será divulgada em breve. Em simultâneo, vão também decorrer as PiSCiNA Talks, que consistem em conversas sobre diversos temas sociais com vários intervenientes e visões “completamente diferentes, não antagónicas, com pessoas que possam realmente ter uma discussão”, explica Nónio.
Por fim, será também aberta uma call para as PiSCiNA Tapes, focadas em trabalhos de vídeo-dança que possam ser gravados dentro deste espaço, sendo que o objectivo é também que as portas abram ao público para visitas durante dois meses. No final da programação, há festa marcada no Passos Manuel, com data ainda por anunciar.
Rua de Santa Catarina, 132, 2.º andar (Porto)
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