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Nuno Mendes leva uma ousada carta de amor (e de comida) para o Porto

A cultura gastronómica do norte do país é a espinha dorsal. Nuno Mendes é o cérebro, os músculos e o coração que fazem mexer e pulsar o mais recente e fervilhante projecto gastronómico do Porto. Falámos com o chef e contamos o que pode esperar da Cozinha das Flores e do Flôr.

Mariana Morais Pinheiro
Directora Adjunta, Porto
Nuno Mendes no Cozinha das Flores
©DRNuno Mendes no Cozinha das Flores
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Um pastel de nata que sabe a nabo e caviar, um cocktail com essência de bacalhau, um mural de Siza Vieira e um chef arrojado que não conhece limites quando o assunto é elevar a cozinha ao expoente máximo. É a partir destas premissas que se contam as histórias do Cozinha das Flores e do Flôr, o novo restaurante e bar que abrem as portas amanhã, dia 16 de Fevereiro, no Largo de São Domingos, no Porto, sob a direcção criativa de Nuno Mendes, um dos mais conhecidos – e premiados – chefs portugueses pelo mundo.

Situados no coração histórico da Invicta, ao fundo da muito movimentada rua das Flores, são parte integrante do projecto hotel The Largo, que será inaugurado ainda este ano e terá 18 quartos distribuídos por cinco edifícios históricos. O Cozinha das Flores terá a responsabilidade de celebrar a cultura gastronómica do norte do país (que tão próxima foi do chef lisboeta durante a sua infância e juventude), utilizando desde os seus ingredientes às técnicas na preparação de alguns pratos.

“Como a minha mãe e os meus avós eram do Porto, tive a sorte de viajar muito para cá. O Porto e Lisboa eram cidades muito diferentes nos anos 80. Portugal era duro naquela época, mas ainda me lembro das minhas visitas e da paixão que a minha família tinha pela comida. Os sabores dos muitos pratos deliciosos que provei e o sabor distinto das caldeiradas e da comida de tacho são algumas das coisas que ainda hoje amo”, recorda o chef, em declarações à Time Out.

Nos sonhos desde 2009, este é o mais recente projecto de Nuno Mendes, que conta já com um currículo bem recheado. Depois de alguns projectos mais pequenos, em 2010 abriu em Londres, onde reside grande parte do tempo, o Viajante, o restaurante que lhe deu a primeira estrela Michelin. O Chiltern Firehouse, no hotel de luxo em Marylebone, inaugurado em 2014, catapultou-o para a fama, e a segunda estrela chegou pouco depois, em 2019, um ano após a abertura do restaurante Mãos, juntamente Edoardo Pellicano, e que foi considerado pela imprensa britânica como uma das mais “inconvencionais experiências de fine dining”

A par e passo, a paixão de Nuno Mendes pela cozinha portuguesa ia reflectindo-se em todos os outros projectos que criava. Em 2015, juntamente com António Galapito (chef do Prado, em Lisboa), apresentou à cena gastronómica londrina a Taberna do Mercado. Embarcou, depois, numa parceria com o BAHR, o restaurante do Bairro Alto Hotel, no Chiado, onde trabalhou sobretudo com produtos portugueses e locais, mas abandonou o projecto em 2022 para se dedicar ao Lisboeta, em Londres, o único restaurante (além da novidade portuense) que permanece em funcionamento sob a sua alçada. 

A Cozinha das Flores segue, portanto, esta linha de pensamento, este reencontro com as origens. “Demorou um pouco, mas com as coisas boas é assim que acontece. Tive a sorte de conhecer um grupo de pessoas que partilhava desta minha paixão pelo Porto e da minha visão de hospitalidade”, explica o chef, acrescentando que desde que o projecto está em marcha tem viajado muito para cá e aproveitado para redescobrir a cidade. “Nos últimos anos, tenho vindo pelo menos uma semana por mês, senão mais. O Porto é uma cidade muito especial. É única e merece ser celebrada. Ela é a intersecção de uma rica herança histórica, é influenciada por uma região vinícola circundante, tem uma incrível cena artística independente e uma grande aposta no trabalho artesão – factores que a tornam num lugar muito especial para se ser criativo”.

Nuno Mendes no Cozinha das Flores
©DRNuno Mendes no Cozinha das Flores

A carta

Criatividade não falta por aqui. Numa carta que está em constante diálogo com a cidade surgem pratos de assinatura bem inusitados, como já é apanágio do chef. Veja-se o camarão e bolo de ovo ao vapor com presunto, uma interpretação do clássico pão-de-ló japonês que é, por sua vez, uma das mais emblemáticas sobremesas do receituário português. Surpreenda-se também com o Nata de Nabo, onde o tradicional pastel de nata dá lugar a uma versão salgada com recheio de nabo cremoso, coberto por caviar fresco; ou com os noodles de lula gigante com feijão branco e guisado de tripas de bacalhau perfumado com frutas cítricas e endro. 

Para principais, há pratos de carne de porco grelhada com couves e enchidos (numa homenagem à charcutaria tradicional portuguesa) ou de peixe-galo grelhado, verdes escalfados e fermentados com manteiga fumada e molho de ovas de peixe. Quanto às sobremesas, a preferida de Nuno chama-se Leite e conta uma viagem à sua infância, quando trabalhava numa exploração de vacas leiteiras com o pai. 

As reminiscências são o prato do dia no Cozinha das Flores. Vai daí, Nuno conta que esta “viagem começou pela busca de produtos e tradições locais. Trabalhamos em estreita colaboração com fornecedores do norte de Portugal, sempre que possível. A base deste projecto, do ponto culinário, é o produto, a tradição e a criatividade. É uma ideia simples, mas tenho esperança que esta mistura torne a Cozinha das Flores numa proposta interessante e divertida”, diz, assinalando que a sustentabilidade do bar e do restaurante é outros dos pontos fulcrais.

“Qualquer projecto contemporâneo precisa de ter isso como prioridade. O nosso objectivo é trabalhar com fornecedores locais, produtos locais sempre que possível e apoiar pequenos produtores que compartilham desta consciência colectiva. Isto não é fácil e é um esforço a longo prazo, por isso, esperamos continuar a melhorar à medida que nos estabelecemos e criamos laços mais fortes com os ecossistemas circundantes da cidade”, explica o chef, para quem o investimento na força de trabalho local é prioritária, especialmente numa cidade fortemente turística como o Porto.   

Nota ainda para a garrafeira que acompanha a refeição. Vasta e ecléctica, vai das colheitas mais antigas e dos produtores históricos, como a Niepoort ou a Luís Pato, a apostas mais contemporâneas, onde se destacam vinhos naturais, de baixa intervenção humana, como os do Paraíso Natural ou os de Mateus Nicolau de Almeida. E haverá muito para provar, uma vez que os vinhos ocupam um lugar de destaque, pela ligação histórica da cidade à paisagem vinícola em seu redor.

Nuno Mendes
©DRNuno Mendes

O bar

E já que falamos de copos, o Flôr tem apenas 12 lugares e aposta numa “visão divertida e contemporânea da cultura gastronómica nacional”, anunciam em comunicado. De manhã serve um pequeno-almoço ligeiro e, durante o dia, um menu de cocktails de autor criados por Tatiana Cardoso, que aplica algumas das mais avançadas técnicas de mixologia dos tempos que correm. Prova disso é, por exemplo, o cocktail Clichèd, que inclui gin, bacalhau (sim, leu bem), coentros, maçã e amaranto. A incorporação do peixe no cocktail, símbolo da cultura gastronómica portuguesa, faz-se através da rotovap, uma máquina que extrai a essência do bacalhau e cria um destilado a saber a maresia, salgado mas refrescante.

Tudo para ser saboreado e apreciado num espaço idealizado pelo estúdio de design Space Copenhagen, que procurou artesãos, artistas, académicos e especialistas na cultura local para dar vida ao projecto. Um dos escolhidos foi Álvaro Siza Vieira. Ao arquitecto portuense, já galardoado com o Prémio Pritzker, calhou o desafio de instalar um mural como elemento central no interior do restaurante. Na sua concepção, Siza usou azulejos e inspirou-se no universo da música e dos músicos para recriar momentos de “escapismo e descontracção”.

E é isso que Nuno Mendes quer. “A minha esperança é que tanto o Cozinha das Flores como o Flôr se tornem parte integrante da cidade do Porto, uma casa tanto para os locais como para os visitantes; uma experiência acolhedora, convivial e boémia, adequada a para qualquer hora do dia ou ocasião. Pensámos muito na nossa oferta e no espaço onde a iríamos servir, mas o que eu realmente adoraria era que os nossos clientes saíssem do Cozinha das Flores a dizer: ‘Este lugar é mesmo divertido.’”

Largo de São Domingos, 62. +351 229 760 001. dine@cozinhadasflores.com. Seg-Dom 18.30-21.30 (último serviço). O restaurante encerra às 00.00. Preço médio: 40€-75€/pessoa

+ Tudo o que pode fazer na Rua das Flores

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