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Fernando Pessoa é um autor cuja obra continua a ser descoberta mesmo 86 anos após a sua morte. O realizador e argumentista Pedro Varela (Filhos do Rock ou, mais recentemente, Esperança) em conjunto com a agência criativa Uzina e a Samsung, baseou-se num dos seis textos que constam em Argumentos Para Filmes, livro editado pela Ática em 2011 que reúne escritos cinematográficos em três línguas, e transformou-o num filme – a primeira vez que tal sucede no meio cinematográfico nacional. Acresce o facto de a curta-metragem, que ficará disponível online esta quarta-feira, 12 de Maio, ter sido inteiramente filmada com um novo telemóvel da marca sul-coreana.
Poeta, filósofo, dramaturgo, publicitário ou astrólogo, Pessoa foi um homem de muitos ofícios e interesses. O cinema, a certa altura, foi também uma das muitas fixações que o assaltaram. No livro editado pelos investigadores Patrício Ferrari e Cláudia J. Fischer faz-se inclusivamente referência à Ecce Film, a produtora de cinema idealizada por Pessoa, que chegou a ter um logo e uma morada [Rua de São Bento, 333-335, onde terá existido um reputado estúdio de cinema]. "Note for a thriller, or film", escrito em inglês, em apenas duas páginas, foi o ponto de partida para a transformação de uma das ideias do escritor em algo palpável.
É assim que nasce O Ídolo, um thriller ambientado num transatlântico que faz a travessia entre Nova Iorque e Southampton, e que mostra como um jogo arriscado traz ao de cima a verdadeira natureza humana. Augusto Sotto, interpretado por Tiago Felizardo, está encarregue de transportar em segurança o ídolo de Albert Soares, um magnata sem rosto que magica toda a accão que se sucede ao longo dos 20 minutos do filme. Entregando uma caixa a cada um dos passageiros em que poderá estar o suposto objecto valioso, os acontecimentos no barco vão escalando – pondo à vista a ganância de alguns.
“O Pessoa vivia num universo, não sabíamos exactamente qual, com influências anglo-saxónicas em relação ao cinema. Uma das coisas que não me arrependo é de ter puxado ao Pessoa a língua portuguesa e a ideia de trazer a história para Sintra. Há um trabalho de rendilhado, de trabalhar dentro de uma ideia que ele nos deixou”, explica o realizador depois do visionamento da ante-estreia do filme, numa das salas do Teatro São Luiz, em Lisboa.
O grande desafio foi criar e trabalhar no universo de um transatlântico, refere Varela. Em todo o processo, à medida que a escrita ia avançando, houve o cuidado de respeitar alguns pormenores históricos. A cantora Blanche Calloway (Soraia Tavares), a primeira mulher a liderar uma orquestra composta apenas por homens, existiu de facto e era a irmã mais velha de Cab Calloway, nome proeminente do jazz nos anos 1930 e 1940; o navio Europa era um cruzeiro alemão da época que foi recriado. “Tentámos ao máximo corresponder ao objectivo de isto ser uma peça de época e que o Pessoa a tivesse conseguido produzir. Toda essa exactidão está no filme que se situa no final da década de 1920”, explica Susana Albuquerque, directora criativa da Uzina, que esteve também envolvida no processo.
No final do filme, que conta ainda com Ana Vilela Costa, João Gaspar, Miguel Cunha, Miguel Freire e Paula Magalhães no elenco, nem tudo é o que parece. E até nos esquecemos que este exercício de criatividade foi executado com recurso a apenas um telemóvel.
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