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Foi no ano passado, no meio de uma apresentação de uma antiga zine, que Joana Estrela resolveu voltar a abordar a temática da identidade e dos estereótipos de género. Lembra-se de mostrar duas fotografias suas em criança. Numa estava de cabelo curto e calças a brincar com carrinhos, na outra tinha franja, um vestido e uma boneca. “Pensei logo que, se não dissesse a ninguém que sou eu nas duas, muito facilmente diriam: este é um menino e esta uma menina”, conta a ilustradora do Porto, que se propôs a tentar explicar – com humor, sensibilidade e lápis de cera – como “quem somos e quem sentimos que somos são perguntas que não encontram resposta num mundo a preto e branco”.
Simplificar foi a palavra de ordem, até porque a primeira versão foi escrita para o país vizinho. “Era para enviar para um concurso, mas eu não sei falar lá muito bem espanhol”, confessa. “Como não dava para fazer uma coisa muito complexa, acabei por me focar mais nas rimas e em expressões interessantes.” Com ritmo e sem nunca incluir a palavra “género”, fez o álbum ilustrado Menino, Menina, editado pela Planeta Tangerina em Outubro. Nele convida os mais novos (e até os mais crescidos) a responder a várias perguntas, ao mesmo tempo que desconstrói preconceitos de género como se fosse “um ponta de lança – ou um génio da dança”, duas das figuras do livro, que não são apresentadas como meninos ou meninas. No desenho adoptou a mesma estratégia: “Descompliquei, quase como se estivesse só a usar os lápis de cera que estão disponíveis no estojo, e tentei encontrar diferentes maneiras de representar o texto, porventura mais poéticas, uma espécie de metáforas visuais.”
Apesar de este ser um livro para a infância, apropriado para crianças dos quatro aos seis anos, Joana confessa que, quando o processo criativo arrancou, não pensou exactamente no que queria dizer. “Para ser sincera, não me sento a pensar no que é que um miúdo de seis anos quer ler. Penso mais em como gosto de comunicar. Se calhar tenho um espírito um bocado infantil”, diz, entre risos. “É que nem sequer tenho muito contacto com crianças no meu dia-a-dia. Só quando vou às escolas – e, mais do que ver como elas são, lembro-me muito de como eu era.” Lembra-se, por exemplo, da divisão entre rapazes e raparigas nas aulas de educação física, e do estigma de quem não se encaixava em lado nenhum. “Sempre gostei de bonecas e de todas as coisas que as pessoas esperavam que uma rapariga gostasse, mas não quer dizer que não me apercebesse que existia uma distinção que não tinha muita razão de existir.”
Talvez por isso, a missão de Joana é celebrar a diversidade, o respeito por todos e sobretudo o direito de cada um ser o que quiser. Estas quatro dezenas de folhas coloridas, com pares de azul ou rosa, guloso ou gulosa, dedica-as ao Lucas. “É a única criança que tenho na minha família, fez anos na semana passada e entrou para a escola este ano, por isso pensei que ele ia achar mesmo entusiasmante ter um livro com o nome dele.” Mas ainda não o viu. “Vai ser surpresa.” E que boa.
Planeta Tangerina. 48 pp. 12,90€.
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