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O que é tradicional é bom. Mas Diogo quer fazer ainda melhor

Passou por restaurantes com estrela Michelin, cozinhas criativas e uma unidade hoteleira antes de regressar ao Porinhos, o restaurante familiar que o viu crescer. Como homem e como cozinheiro. Diogo Novais Pereira venceu o concurso Chef do Ano e nós fomos até Fafe ver o que ele anda a cozinhar.

Diogo Novais Pereira durante o concurso Chef do Ano
©João BeijinhoDiogo Novais Pereira durante o concurso Chef do Ano
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“Hoje há pescada cozida”, diz assertiva Albertina ao telefone, que ainda não parou de tocar desde que os ponteiros bateram as 11.41 e caiu a primeira reserva. Sete minutos depois, o tinir estridente do aparelho volta a soar pela cozinha onde, desde cedo, pedaços de madeira de carvalho e eucalipto alimentam a chama do fogão a lenha e o óleo aquece nas frigideiras. “Mesa para quatro, está marcado. Quer pedir alguma coisa?”, pergunta. Pescada também. 

Contra todas as expectativas – não sendo este o prato de peixe mais entusiasmante do receituário português –, a pescada, aqui, é um caso sério de sucesso. A mãe de Diogo Novais Pereira, vencedor do concurso Chef do Ano de 2024, e dona do restaurante Porinhos, em Fafe, juntamente com o marido Joaquim, anota o pedido num papel e volta para junto das fanecas e marmotas que parecem aguardar pacientes, sobre o balcão de inox, que Albertina as continue a envolver com genica na maciez do pão ralado fino. 

Primeiro prato: os peixes

Uma hora antes, Joaquim entra pela porta carregado de paletes de peixe fresco que foi buscar ao Mercado de Angeiras, em Matosinhos, conhecido pela abundante oferta. Mais de 140 quilómetros, para lá e para cá, valeram-lhe sardinhas, marmotas e fanecas, duas portentosas douradas, linguados, pescadas, robalos, amêijoas e ainda um tamboril mal-encarado. A maior parte dos peixes grandes será cozinhada à noite e no fim-de-semana, explica Diogo, que antes de os guardar sobre alga kombu, para uma melhor (e mais saborosa) conservação, tira uma série de fotografias para publicar no Instagram, avisando, assim, os potenciais clientes do que será servido ao jantar. 

Os peixes do dia
©MMPOs peixes do dia

“Ao jantar temos um serviço um bocadinho diferente. Ao almoço somos capazes de rodar a sala duas ou três vezes. Não porque queremos, mas porque as pessoas não param de aparecer”, ri Diogo que, em 2021, regressou às bases para chefiar o restaurante de família, aberto em 1992, depois de ter estudado na Escola de Hotelaria do Porto e de ter estagiado no DOP, de Rui Paula, e no El Club Allard, em Madrid, com uma estrela Michelin. Assumiu ainda a cozinha do Casa Torta, em Guimarães; trabalhou com o chef Marco Gomes, no seu restaurante Oficina, no Porto, “onde fazia uma cozinha muito criativa”, descreve; e ocupou o posto de chef executivo do My Story Hotel Rossio, em Lisboa, “mais virado para a gestão”. 

Albertina pousa novamente o telefone. “Um casal acabou de reservar. Diz que vem da Póvoa para ver o que o Diogo anda a fazer”, atira, num tom que soa meio divertido, meio orgulhoso. Diogo vira-se para nós: “Percebes, é isto”. Ri e encolhe os ombros. 

O chef tem grandes planos para o Porinhos, mas sem pressas. Trabalhou durante um ano para perceber “quais as reais necessidades do restaurante”, antes de fazer obras e criar uma ampla cozinha, aberta para a sala, com zona de armazenamento, três câmaras frigoríficas, zona de sujos e um sistema de desinfecção por ozono – um aniquilador eficaz de vírus, bactérias e fungos, explica. 

Diogo e Albertina na cozinha
©MMPDiogo e Albertina na cozinha

Em relação ao menu, o futuro passará por manter a sua vertente tradicional, mas aplicar técnica às receitas e trabalhar com produtos locais. “A passagem do Porinhos para a alta cozinha será subtil, devagar. Em três anos, o serviço já mudou. Daqui a três anos, gostaria que ele fosse uma referência nacional, com um serviço de alta qualidade, boa comida e uma garrafeira de referência”, sonha.

A ver pelo caso da pescada, vai num bom caminho. Robusta e suculenta, é cozinhada a vapor (cabeça incluída) e servida sobre um guardanapo de pano. “Vem muita gente de longe para a comer. Não vai sobrar peixe nenhum, vais ver”, prediz o chef. Diogo tinha razão: não sobrou. “E aqui só se comia carne, imagina. Era vitela assada todos os dias”. E por falar nela, às 11.53 o telefone volta a tocar com um novo pedido. Uma mesa para dez pessoas. Metade quer peixe frito, a outra quer vitela assada. “E mais duas de vitela para o Presidente do Fafe”, anuncia Albertina, atendendo outra chamada de enfiada. “O da câmara vem logo à noite”, conta entredentes o chef. 

Segundo prato: as carnes

A vitela com uma crosta tostadinha, um clássico da casa; os grandes frangos lustrosos que parecem envernizados; e o cabrito ligeiramente picante, que já recebeu elogios da imprensa, estão desde as 09.30 da manhã a cozinhar lentamente no fogão a lenha, juntamente com as batatas que bóiam nos molhos das carnes e que Lena, a tia, que tanto dá uma mão na cozinha como na sala, esteve a descascar. “Quero fazer com o fogão a lenha o que o Asador Etxebarri faz com a brasa”, ri Diogo, enquanto vai rodando as carnes nos tabuleiros para irem cozinhando de forma uniforme.

Diogo a virar a vitela
©MMPDiogo a virar a vitela

A vitela que utilizam é de raça Minhota, “porque tem um bom equilíbrio entre carne e gordura infiltrada. É uma raça que aguenta bem a cozedura num forno a lenha. Uma raça sem gordura, aqui, vira cinza. Usamos vacas jovens, com algum peso, entre 160 e 180 quilos”, explica o chef, acrescentando que o cabrito também tem as suas particularidades. “Neste caso, as batatas cozinham primeiro sobre a carne, para a proteger. Só depois de algum tempo é que passam para baixo, para absorver a gordura e o sabor”.   

A acompanhar, há arroz de vários tipos que cozinham devagar, em grandes panelas de ferro fundido, sobre as chapas quentes do fogão a lenha. Ao lado destas, estão os caldos, um dos pontos fortes da cozinha deste chef de 33 anos. Todos os dias há sempre um de peixe, um de carne e outro de vegetais. “Os caldos têm uma grande importância para mim. No concurso do ano passado, o João Oliveira [chef do restaurante Vista, no Algarve, e na altura júri] disse-me que os caldos podiam ser melhorados. Então, fechei-me na cozinha e meti as mãos na massa. No ano passado fiquei em terceiro lugar. Levei o que sabia. O júri apontou-me onde eu deveria melhorar (foi como uma aula grátis) e, depois, estudei, testei, comprei livros. O menu deste ano reflectiu o que eu gosto de cozinhar”, relembra Diogo.

Fogão a lenha com caldos e panelas de arroz
©MMPFogão a lenha com caldos e panelas de arroz

A dedicação deu frutos. Na edição deste ano do concurso Chef do Ano, Diogo, que conquistou o primeiro lugar em Maio (o prémio mostra-se resplandecente na sala, junto à vitrina das sobremesas, onde brilham bolos e pudins), apresentou um menu composto por sopa de pescada, para entrada; canelone de repolho e arroz de forno de cogumelos, como prato vegetariano; jardineira de vitela e vazia de vaca no prato de carne e, para sobremesa, uma tarte de maçã assada de Alcobaça. “Os pratos que fiz no concurso são o caminho por onde eu quero levar o Porinhos. Com uma grande parte de criatividade, com sabores refinados, conquistando devagar as pessoas pelo sabor. O grande desafio aqui é conseguir estabelecer a ligação entre a alta cozinha e a cozinha tradicional, mas lá chegarei, através dos pontos de cozedura certos, por exemplo, como quando vês os ossos a saírem do frango ou a vitela tostada por fora mas cheia de sucos por dentro”.  

A sobremesa

Às 12.15 começam a aparecer os primeiros clientes e, uma hora depois, o restaurante está à pinha, com gente a aguardar vez no corredor, encostada às paredes, ou à espera na esplanada, lá fora. A acção acontece agora em vários cenários em simultâneo. Na cozinha, Diogo faz o empratamento das carnes em travessas e espreita as pescadas que cozem a vapor. Albertina, numa dança coordenada com o filho, vai atirando com rapidez fanecas e marmotas para a frigideira borbulhante, porque as sardinhas acabaram há dez minutos e há que saciar a fome a toda esta gente.

Porinhos
©MMPPorinhos

Na sala, Lena e Joaquim cirandam entre as mesas, sentando pessoas, anotando pedidos, distribuindo pratos e travessas, tirando cafés, fazendo contas e abrindo garrafas. Tiram rolhas a cerca de 40 por serviço, muitas delas do bom vinho da casa, um verde fresco e leve com uvas escolhidas a dedo por Joaquim na região de Amarante. Quando não têm mãos a medir, os clientes abeiram-se da grande janela que dá para a cozinha (com a confiança que a convivência lhes dá – alguns almoçam ali todos os dias há 12 anos) e recolhem pratinhos de bolinhos de bacalhau para irem entretendo o estômago. Pelo caminho, trocam dois dedos de conversa com a mãe e o filho. José, na copa, o quinto elemento desta equipa bem treinada, vai aviando diligentemente a loiça suja que se vai acumulando na pia.

Só quando passam cinco minutos das 14.30 é que o serviço começa a abrandar. A cozinha saiu do “lodo” – gíria usada nos restaurantes que se refere ao período mais trabalhoso – e Joaquim, pai de Diogo, vai buscar mais um melão Casca de Carvalho. Desde que o dia arrancou, já pesou e abriu cerca de 70 quilos desta espécie autóctone saborosa, de polpa picante, e que quando é aberta liberta um gás carbónico que preenche o ar com um aroma característico a Verão e fruta madura. O remate perfeito. 

Joaquim abre um melão Casca de Carvalho
©MMPJoaquim abre um melão Casca de Carvalho

Avenida da Torre, 87 (Fafe). 253 492 132. Ter-Sáb 10.00-00.00. Dom 10.00-15.00 

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