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Os Três Irmãos é o resultado de um encontro feliz entre o coreógrafo e encenador Victor Hugo Pontes e o escritor (cada vez mais próximo das artes performativas) Gonçalo M. Tavares. Estreado em Setembro no Teatro Viriato, em Viseu, este espectáculo é uma das criações nacionais em destaque, tanto offline como online, no DDD – Festival Dias da Dança, que este ano terá dupla existência, no digital e no presencial. Poderá ser vista no palco do Grande Auditório do Rivoli na segunda 26 (19.00) e em transmissão online de segunda 26 (22.00) a quarta 28 (23.59).
Esta espécie de trilogia multiforme, que se revela uma mais-valia em tempos de programação e fruição cultural online, procura contornar a efemeridade das artes performativas, criando memória e arquivo. “Quero começar a apostar neste registo, porque o que fazemos já é tão efémero”, diz Victor Hugo Pontes. “Quero passar a ter um realizador diferente que me acompanhe em cada projecto.” Nesta nova criação, o realizador Miguel C. Tavares é também o autor do vídeo do espectáculo, que foi refilmado no palco do São Luiz. “Não fizemos alteração nenhuma na peça, não me interessava criar outro objecto a partir deste. Fizemos, isso sim, outro trabalho de câmara”, explica Victor Hugo Pontes. O objectivo foi estabelecer uma maior proximidade com os intérpretes, algo que no presencial não é normalmente possível.
Os Três Irmãos começou a ser germinado pré-pandemia. Além da vontade de colaborar com Gonçalo M. Tavares, Victor Hugo Pontes queria fazer uma peça com três intérpretes homens (Dinis Duarte, Paulo Mota e Valter Fernandes foram os escolhidos) e focada no tema da família. “Dado a proximidade de idades entre os três intérpretes, o mais lógico era serem irmãos. A partir daí, foi a ficção do Gonçalo a funcionar.” O modus operandi foi curioso: em vez de acompanhar os ensaios, o escritor pediu a Victor Hugo Pontes uma listagem de palavras que ele quisesse usar e que estivessem relacionadas com a família, directa ou indirectamente. “Tem a ver com a forma de o Gonçalo trabalhar: ele diz que não trabalha por imagens, mas por palavras. É engraçado que ele viu os intérpretes só quando o processo de criação já estava avançado”, conta o coreógrafo e encenador.
O texto que lhe chegou às mãos surpreendeu-o. “Por um lado, fiquei bastante entusiasmado porque tinha muita acção. Nunca esperei que o Gonçalo fizesse um texto dramático, uma peça de teatro. Por outro lado, identifiquei-me com o que ele abordava no texto.” Victor Hugo Pontes queria questionar “o aqui e o agora”, e a família é o que “está lá sempre”. O facto de ter realizado projectos com pessoas que tinham histórias familiares complexas, e ter percebido como isso “as desestruturou”, fez com que o tema da família se tornasse cada vez mais presente – e isso saiu reforçado com a pandemia, numa altura em que as relações afectivas estão tão minadas pela distância.
Apesar do timing, ficou acordado entre Victor Hugo Pontes e Gonçalo M. Tavares que a pandemia não se tornaria um assunto. Outra das decisões foi fazer um espectáculo de dança, mesmo havendo um texto dramático concebido de raiz. Nada que seja estranho a Victor Hugo Pontes, que ao longo do seu percurso foi adaptando peças de teatro à coreografia, inclusive textos canónicos como A Gaivota de Tchékhov, investigando os espaços possíveis e imaginários entre a palavra dita e o gesto. Contudo, fez questão de manter a palavra escrita em cena, de modo a estabelecer uma relação mais evidente entre o texto e as acções dos intérpretes.
Se nos processos de criação dos seus outros espectáculos Victor Hugo Pontes começava por trabalhar “frases coreográficas” que entregava aos intérpretes, nesta peça a dinâmica foi outra: mais ligada “às acções e aos gestos”, um vocabulário mais cru, até porque lhe interessava “explorar as tensões e os conflitos” entre estes três irmãos. A tensão é o fio condutor do espectáculo. “Não é uma peça leve. Tem algum humor, mas é um humor negro”, considera o coreógrafo. “No início eles coabitam, fazem coisas juntos e, apesar de a tensão estar lá, ela não é evidente. Começa a ser quando é revelado o confronto com o passado e quando eles tentam desvendar um mistério: a marca que um tem e que os outros não têm, de onde é que ela vem.” Já dizia Tolstói: “Todas as famílias felizes se parecem; cada família infeliz é infeliz à sua maneira.” “Não acho que todas as famílias sejam como esta, mas normalmente há mesmo esta coisa do amo-te e do odeio-te. Não é algo linear.”
No palco do Grande Auditório do Rivoli na segunda 26 (19.00) e em transmissão online de segunda 26 (22.00) a quarta 28 (23.59). Preços: 9€ (presencial) / 3.50€ (online).
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