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Diz-se que a casa de um homem é o seu castelo. E o Palacete Severo, com todos os seus pormenores e delicadezas, parece mimetizar a mente genial do seu criador. No início do século XX, Ricardo Severo, homem dos sete ofícios – era arquitecto, engenheiro, arqueólogo, antropólogo, escritor e político –, construiu aquela que seria apelidada de “casa portuguesa”, com tectos de madeira trabalhados e vitrais que eternizam juras de amor. Mas o tempo foi implacável e depois de vários anos devoluta, foi devolvida à cidade em meados de Outubro, recuperada e rebaptizada sob o nome de Palacete Severo, e com tantas potencialidades quantas as áreas de interesse do seu antigo dono: é hotel de luxo, tem dois restaurantes, um spa e uma galeria de arte transversal a todo o edifício.
“Ricardo Severo era um homem muito à frente do seu tempo. Foi para o Brasil, exilado, por causa das suas convicções republicanas. Quando regressou procurou fazer a “Casa Portuguesa”, começa por explicar Joana Almeida, directora-geral deste hotel de cinco estrelas, visivelmente animada naquela manhã. “É que hoje chegam do Brasil dois bisnetos de Ricardo Severo, que escolheram ficar aqui hospedados. Pode ser que tragam mais algumas luzes sobre quem foi este homem”, conta-nos.
O seu legado, no entanto, parece ter apaixonado os actuais proprietários do palacete que, ao passarem a pé pela rua de Ricardo Severo (antiga rua do Conde), se encantaram com os seus muros altos com azulejos e a sua imensa variedade de árvores. “Andavam à procura de um espaço para investir no centro do Porto, uma coisa assim mais pequena e escondida, mais intimista. E quando perceberam que o edifício estava à venda, iniciaram o processo de compra”, diz Joana. Mas a pandemia meteu-se pelo meio e, por isso, os trabalhos de restauro só arrancaram em 2022.
“Houve um grande trabalho nesse sentido. Mantiveram-se todos os materiais originais. Os tectos e as madeiras são originais, as portadas das janelas também. Até as ferragens são daquela altura”, acrescenta a directora, enquanto vai abrindo as portas dos quartos de par em par, inundando-os com a luz que reflecte nos imensos espelhos. Com apenas 20 quartos e suítes, cujo design de interiores ficou a cargo de Paulo Lobo, o espaço posiciona-se como um boutique hotel de luxo, pensado para um público adulto. “Nem podia ser de outra maneira. Estamos num espaço classificado como edifício de interesse histórico e há obras de arte por todo o lado. Mesmo nos quartos”, explica Joana.
Dormir entre obras de arte
Neste momento, a Perspective Galerie Porto, como se chama a galeria localizada no Palacete Severo, acolhe a exposição Mysteres sous la Surface, com obras de Curro González, Patricio Cabrera, Neil Farber, Jas e Cristine Guinamand. Uma série de pinturas que convidam a entrar “em universos singulares que oscilam entre a figuração e a abstracção, entre a poesia e a transcrição do mundo sensível, entre o trompe l’œil e as janelas com vistas para o pátio, entre a viagem estética e o palimpsesto, entre contos e lendas, entre legendas deslocadas do nosso mundo e luminosas visões mágicas”, lê-se no comunicado enviado às redacções.
Assentam como luvas nos quartos confortáveis com camas largas, linhas sóbrias, cores orgânicas, tapetes fofos e poltronas em veludo. E as casas de banho, privadas, abusam nos mármores, espelhos e vidros foscos. Por todo o espaço aposta-se forte no que é nacional, para uma maior consciência e lógica de sustentabilidade. Os lençóis e atoalhados são da marca Sampedro, os amenities da 8950 e grande parte do mobiliário foi produzido em Portugal.
“E temos dois tipos de quartos. Os heritage, que ficam situados dentro do palacete, e que são todos diferentes. Uns têm tectos em madeira, outros têm tectos pintados, uns são maiores, outros são mais pequenos. Num deles funcionou o escritório de Ricardo Severo e a casa de banho está hoje onde antes era o cofre”, sorri a directora. Os outros, maiores, mas respeitando a estética de decoração de todo o espaço, ficam no edifício do spa, mesmo em frente. “Todo o trabalho de recuperação e transformação foi feito com muito respeito pelo palacete, sem esquecer que estamos no século XXI e que precisamos de comodidade e conforto”.
Comer aqui também é uma obra de arte
Explorar o palacete é mandatório. Com tempo, detenha-se nos pormenores que dão carisma à casa. Das gárgulas em madeira trabalhada que adornam os tectos da biblioteca aos frescos retocados à mão na sala de reuniões, passando ainda pelos vitrais com motivos dos Descobrimentos, como caravelas e esferas armilares, ou juras de amor, como aquele onde é possível ler “Ricardo + Francisca”, referindo-se a Francisca Drumond, mulher que Ricardo Severo conheceu no Brasil e com quem casou.
Antes de chegar ao Bistrô, um dos restaurantes do Palacete Severo, atravessa-se o bar – acolhedor, iluminado por uma luz quente que salienta o brilho das garrafas dispostas ordeiramente e por uma lareira rodeada de poltronas confortáveis. Também no Bistrô, localizado no pátio da casa, onde são servidas algumas criações mais informais do chef Tiago Bonito, vindo do Largo do Paço, em Amarante, onde mantinha uma estrela Michelin, há muito para apreciar: do tecto envidraçado ao chão ladrilhado.
“Estes são os mosaicos originais que só precisaram de uma limpeza. Estavam cobertos de musgo, que os preservou durante todo este tempo”, refere Joana. Os azulejos das paredes, as portadas pintadas a verde-escuro e uma fonte com uma escultura de uma espécie de personagem mitológica, que se assemelha a uma carpa segurando um tridente, compõem o espaço.
Na carta, é possível encontrar pratos como o ovo bio com espuma de batata, cogumelos e lardo de bísaro (22€), carpaccio de polvo com pimento fumado (21€) ou amêijoas à Bulhão Pato com maionese de alho negro (29€) para começar. Nos pratos principais, continuam as propostas vistosas, como o arroz malandrinho de peixe da nossa costa com camarão (34€) ou o rosbife de novilho com batata fósforo, esparregado e mostarda (30€). E para terminar, a escolha é entre o mil folhas de chocolate branco, framboesa e gelado de pistáchio (10€) ou o creme brulée de yuzu (11€). Há ainda boas propostas no menu do chef que vai mudando todas as semanas.
E, depois, há o Éon, o restaurante de fine dining do palacete, para o qual Tiago Bonito tem grandes expectativas – e não está sozinho. A estrela Michelin é um desejo, diz a directora em confidência. Inspirado nas memórias do chef, o menu de degustação completo custa 150€ e o pairing de vinhos a acompanhar fica por 80€.
“Basicamente, respirei o ADN da casa para me inspirar na criação deste menu. Concentrei-me na história das paredes, no calor e no charme que elas me transmitiam, para criar um conforto emocional, baseado na elegância e na luxúria do bem-estar da hospitalidade”, começa por nos explicar Tiago Bonito. “Pensei em pratos que representam esse conceito de casa, que fazem com que as pessoas sintam que estão em casa e não num hotel. Por isso, começamos com umas amêndoas do Douro torradas com flor de sal, para dar as boas-vindas”.
Dali, serve-se à mesa um rol de memórias, emoções e vivências do chef, que começam num bacalhau à Brás, prato cozinhado pela mãe do chef em dias de chuva, e seguem para um cozido à portuguesa, numa versão moderna e “desmontada em três pratos” – um consommé, uma sanduíche e um tártaro – que lhe recorda a “matança do porco, a infância e os dias de nevoeiro e geada”. Nos pratos de peixe, o atum relembra-lhe o Algarve; de Peniche vem o cherne, num prato “com muita salinidade, tal como a rebentação das ondas do nosso mar”; e, por fim, a lula com chouriço de porco preto, numa espécie de surf and turf e numa alusão às lulas recheadas e estufadas que comia quando era miúdo. “Este é o prato mais arrojado, que representa a parte irreverente da galeria que temos aqui no palacete. Quis fazer um prato mais artístico, como se fosse uma obra de arte”.
Antes das sobremesas – há uma pré e uma principal, composta essencialmente por citrinos, “a fruta da época” – é servido um prato de carne. “O novilho grelhado é a parte mais umami. É servido com puré de aipo fumado e cogumelos selvagens, que dão uma conotação mais terrosa e de bosque ao menu”.
E há ainda o spa, que traz uma novidade. “A Olivier Claire, pioneira em cuidados naturais da pele e símbolo de serenidade e excelência, escolheu o Spa Severo como marca exclusiva na sua entrada em Portugal”, explicam na nota de imprensa. A marca de beleza e cosmética francesa alia-se à serenidade e à calma do espaço que ocupa o rés-do-chão do edifício Jardim, numa espécie de refúgio no meio do bulício citadino. Com salas de massagens individuais ou para casal, têm um variado leque de tratamentos, alguns deles de assinatura.
Conte com tratamentos ao rosto (105 minutos), aos olhos (30 minutos); ao corpo, com o objectivo de “redefinir, esfoliar, nutrir e revitalizar” (entre 45 e 90 minutos); e ainda rituais, como o Purification Cycle, um conjunto de tratamentos “composto por uma drenagem para eliminar toxinas excedentes no volume corporal, por um tratamento facial profundo, por crioterapia, e por cuidados de firmeza dos tecidos e rugas”. Tem uma duração de uma hora e 40 minutos. Daqui só vai querer sair se for para dar um mergulho na piscina azul-petróleo que rebrilha à luz do sol.
Rua de Ricardo Severo, 21. 22 967 7000. Quartos a partir de 319€/noite
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