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Palmilha Dentada rende-se às plumas para passar a pandemia em revista

Está na hora de rir da covid. Quem o diz é a companhia Palmilha Dentada, que se estreia no teatro de revista esta sexta-feira.

Raquel Dias da Silva
Jornalista, Time Out Lisboa
Palmilha Dentada
Fotografia: TUNA_TNSJAssim se Fazem as Coisas: Monumental Revista Antipopularuxos
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A caça ao papel higiénico, a corrida aos furos nas redacções, as disputas entre vizinhos à janela, as despedidas de solteiro via Zoom, o ridículo dos extremos e a relação entre uns e outros, a estranha vida nos lares, a vontade de voltar ao normal – o que quer que isso signifique – e o fim, que não é bem final, mas que, enfim, parece estar a chegar. Com texto e encenação de Ricardo Alves, Assim se Fazem as Coisas: Monumental Revista Antipopularuxos convida-nos a recuar no tempo, a esse “carrossel de emoções e acontecimentos” que foram os últimos dois anos de pandemia, e a descobrir o valor redentor do humor. Integrada na 45.ª edição do FITEI – Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica, a estreia está marcada para esta sexta-feira, 20 de Maio, no Teatro Carlos Alberto, no Porto.

O desafio – de fazer revista – partiu do director artístico do Teatro Nacional São João, Nuno Cardoso. Inspirando-se na forma inicial do género, que nasceu em Paris no final do século XVIII, a Palmilha Dentada, habituada a recorrer ao humor como dispositivo para analisar e provocar reflexões sobre o quotidiano, lá se rendeu às plumas e às lantejoulas para falar dos “anos covid”. A cenografia, essa, mantém-se escassa, mas sem prejuízo do olhar satírico e da música de cariz popular. “O teatro de revista, regra geral, é mesmo muito kitsch, às vezes com piadas excessivamente foleiras e uma simplicidade boçal, que é o que me chateia enquanto criador. Mas, na realidade, a diferença em relação ao café-teatro, que é a nossa escola, é apenas uma questão de meios”, diz o dramaturgo e encenador Ricardo Alves. “Do ponto de vista formal e de escrita, ambas se debruçam sobre a actualidade.”

A acção começa à entrada de um espaço comercial. Dois homens conversam sobre os acontecimentos recentes. Por fim, um deles menciona “aquela coisa do vírus”, que terá surgido na China, ainda em 2019 – e, sabemos agora, fora de cena, se veio a alastrar pelo mundo a partir da Europa. Parece-lhe engraçado terem fechado uma cidade inteira por causa de uma ameaça invisível; cá, em Portugal, nunca aconteceria. Imagine-se, a vida pública reduzida ao essencial. E, de repente, em jeito de presságio, as suas mulheres aparecem com um carregamento de papel higiénico. “Só comecei a escrever [o texto] este ano, porque era preciso ganhar distância. O medo vivido em Março de 2020 [quando foram confirmados os primeiros casos no país] não tem nada a ver com o medo de agora.”

A incredulidade inicial deu lugar ao pânico generalizado – e ao induzido, por exemplo, pelos meios de comunicação, relembra Ricardo. “A reflexão sobre a forma como a imprensa tratou a pandemia é até mais válida agora, que nos confrontamos com outra ameaça, que é a guerra. É muito importante analisar a maneira como os jornais transmitem a mensagem: são caixas de eco mas são também um fazedor de opiniões muito forte. E às vezes faz-se simplificações toscas que não são nada saudáveis para a verdade. Infelizmente, na imprensa de hoje em dia, estão muito mais preocupados em serem os primeiros a dar a informação do que com o rigor, o que depois leva até a situações caricatas. A pressa de cumprir prejudica a procura da verdade. Tem a ver com a ideia de que não basta dar a notícia como se faz lá fora, é preciso o medo e a emoção. Tem mais voz o caso pessoal do que o global.”

Nem tudo foi mau. A natureza floresceu, a Palmilha Dentada encontrou casa. “Até me custa dizer, mas a pandemia não nos afectou muito.” Entre o teatro online e os apoios especiais, a companhia portuguesa não só fez quase tudo o que estava planeado, como conseguiu, finalmente, o controlo de um espaço de apresentação, O Lugar, na Travessa das Águas, uma semi-secreta artéria junto da Rua Anselmo Braamcamp, no Porto. “A Palmilha Dentada é um grupo oportunista. Dão-nos uma oportunidade e nós aproveitamos. Quando não há, criamo-la”, assegura o encenador. “A nossa sala [com uma plateia de 50 lugares] abriu em Novembro e tem-nos permitido acolher outros grupos, dando-lhes também a oportunidade de estar em contacto com o público em temporadas mais longas. Infelizmente, na cidade do Porto, assistimos cada vez mais a uma lógica de temporadas curtas.”

Com Carolina Rocha, Cristina Briona, Gilberto Oliveira, Ivo Bastos e João Costa no elenco, Assim se Fazem as Coisas: Monumental Revista Antipopularuxos está em cena, no Teatro Carlos Alberto, até 5 de Junho. Para a récita de 22 de Maio, logo a seguir ao espectáculo com tradução em língua gestual portuguesa, que ainda integra o FITEI, está também agendada uma “Conversa com o Mestre”, orientada pelo dramaturgo e encenador Luís Mestre. “A seguir, vamos a Alcanena, a 16 e 17 de Setembro, se não estou em erro, e vamos também tentar pôr o espectáculo em digressão.”

Teatro Carlos Alberto (Porto). 20 Mai-5 Jun, Qua-Sáb 19.00, Dom 16.00. 10€

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