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Para que a história não fique esquecida, Zanele Muholi traz a Serralves retratos da resistência à opressão

Artista e activista visual da África do Sul expõe no Museu de Serralves mais de 127 fotografias para dar visibilidade à comunidade negra queer.

Ana Catarina Peixoto
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Ana Catarina Peixoto
Jornalista, Porto
A exposição de Zanele Muholi está em Serralves até 12 de Outubro
@ Margarida Santos | A exposição de Zanele Muholi está em Serralves até 12 de Outubro
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Pelos corredores de uma ala transformada do Museu de Arte Contemporânea de Serralves viaja-se pela luta de Zanele Muholi e de uma comunidade que quer ser ouvida e, sobretudo, ser vista como parte da História. Num tempo “necessariamente particular” e na sua primeira grande apresentação em Portugal, Muholi, activista e artista visual, dá a conhecer 127 fotografias que retratam a existência e resistência das comunidades negras e LGBTQIA+, com trabalhos que procuram dar uma nova visão da vida de lésbicas, gays, bissexuais, trans, queer e intersexuais negros na África do Sul, uma comunidade da qual faz parte. A exposição pode ser vista até 12 de Outubro e foi organizada pela Tate Modern, em Londres, em colaboração com a Fundação de Serralves. 

“Não podemos ter apenas um documento [a Constituição de África do Sul] que fala sobre a protecção das pessoas. É necessário registar visualmente essa forma de vida e a sua presença. Algumas pessoas já foram a marchas de orgulho gay e trans ou a outros eventos, mas não há quase presença em museus. Uma pessoa não pode apenas existir uma ou duas vezes por ano. Estamos lá 365 dias por ano”, destaca Zanele Muholi, voz essencial na arte contemporânea e no activismo social e um dos nomes mais relevantes das artes visuais e da fotografia actualmente. Desta forma, Muholi sentiu a necessidade de produzir um arquivo visual que falasse com as gerações futuras, porque “estas comunidades merecem ficar na História”. 

A sua prática coloca no centro as vivências e lutas das comunidades negras e LGBTQIA+, mostrando, através da imagem, histórias de resistência e resiliência. São essas histórias que são contadas nesta exposição, com 127 fotografias que traçam um percurso iniciado nos anos 2000 até aos dias de hoje e convidam a uma reflexão sobre uma sociedade mais inclusiva.

Zanele Muholi é artista e activista visual da África do Sul
@ Margarida SantosZanele Muholi é artista e activista visual da África do Sul

Este museu é para todos

Entre as seis séries desta exposição, Zanele Muholi caminha ao longo do seu percurso, começando com trabalhos mais antigos, que remontam ao tempo em que começou a trabalhar com fotografia, e outros que estão em permanente actualização. Um dos destaques é a série de auto-retratos “Somnyama Ngonyama” (em português “Viva a Leoa negra"), onde expõe a sua relação com objectos e situações do quotidiano e explora temas como a raça e o poder do olhar negro. “Os museus são espaços para as pessoas aprenderem e entenderem o que se passa lá fora. Isto é apenas um pedaço de mim, da minha existência, partilhado com as pessoas”, sublinha. 

A série de auto-retratos “Somnyama Ngonyama” (“Viva a Leoa negra") faz parte desta exposição
@ Margarida SantosA série de auto-retratos “Somnyama Ngonyama” (“Viva a Leoa negra") faz parte desta exposição

Outra das séries em destaque, e que contou também com a contribuição da comunidade queer do Porto, é “Faces and Phases” (Faces e fases), um projecto iniciado em 2006, em que Muholi dá visibilidade a comunidades frequentemente marginalizadas ou mal compreendidas, não só na África do Sul, mas também com passagens por Londres, Brasil, Los Angeles e agora o Porto. Além de captar os seus retratos, Muholi conta as suas histórias, para “garantir que toda a gente é bem-vinda e que todos sintam que o museu é para todos”. 

Inês Grosso, curadora-chefe da exposição, fala numa tarefa ambiciosa de transformar esta ala de Serralves para receber o trabalho de Zanele Muholi e, ao mesmo tempo, num projecto necessário. “Sendo a última itinerância desta tour que percorreu a Europa, fomos um pouco ambiciosos no sentido de trazer mais fotografias, de convidar um arquitecto para colaborar connosco e para fazer uma intervenção no espaço como há muito tempo não fazíamos no Museu de Serralves”, refere, acrescentando que a programação de Serralves é “cada vez mais inclusiva, diversificada e tem acompanhado de perto tudo o que está a acontecer globalmente”. 

"Faces and Phases" (Faces e fases) é outra das séries desta exposição
@ Margarida Santos"Faces and Phases" (Faces e fases) é outra das séries desta exposição

Sobre o trabalho exposto, a curadora acrescenta que é importante pensar nas questões que esta obra traz e reflectir sobre temas como a discriminação e o preconceito. “Espero que esta exposição sirva para, pelo menos, deixar alguma semente, para que depois as pessoas se sintam com vontade de pesquisar e de entender os conteúdos”, acrescenta.

Muholi consegue, assim, trazer também a comunidade a um museu português: “Estas imagens falam sobre a nossa presença, a nossa resistência e a forma como criamos um caminho de consciencialização e desafiamos a nossa invisibilidade no arquivo visual ou nos documentos históricos”. A exposição em Serralves vai ser também acompanhada de um ciclo de conversas sobre esta obra – que será anunciado em breve – e os ecos que ela encontra no contexto nacional. 

Rua D. João Castro, 210 (Porto). 10 Abr-12 Out. 

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