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Picnic Book Club: do TikTok para os jardins, cafés e livrarias do Porto

Devido à sua grande vontade de ler e discutir em grupo, Cristiana Rodrigues criou o Picnic Book Club, em 2024. Quase um ano depois, os encontros mensais já contam com várias dezenas de pessoas.

Escrito por
Adriana Pinto
Picnic Book Club
© Margarida Santos | O livro de Março foi 'O Caderno Proibido', de Alba de Céspedes
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Sabemos que a leitura em Portugal está a aumentar, principalmente entre os jovens, que, em 2024, foram a faixa da população que mais obras leu. O principal suspeito? A aplicação TikTok, onde a hashtag milionária #BookTok faz de livros bestsellers e autores super estrelas. Mas a leitura prolifera também fora das redes sociais.

Cristiana Rodrigues, de 26 anos, é apaixonada pela literatura desde cedo e recorda com carinho títulos como A Culpa é das Estrelas, de John Green, e Orgulho e Preconceito, de Jane Austen, a sua entrada púbere no mundo literário. “Durante a faculdade, li menos. Quando comecei a trabalhar, em 2021, senti que este hobby me fazia falta e comecei à procura de novos livros”, conta. Como qualquer zoomer, foi buscar inspiração e recomendações ao TikTok, a bengala do êxito de autores modernos como Colleen Hoover e Sarah J. Maas, mas não se identificou particularmente com as obras mais aclamadas na aplicação.

A jovem, que é natural de Santa Maria da Feira, sentia falta de uma comunidade, de ouvir outras perspectivas e descobrir títulos diferentes. “Juntei-me ao clube da biblioteca municipal, mas, novamente, não me identifiquei com as obras escolhidas e as temáticas abordadas. Procurei por outros, mas a grande maioria dos que encontrei só funcionavam por videochamada, como o Heróides, ou eram em Lisboa, ou discutiam livros que não são do meu interesse pessoal”, partilha.

Picnic Book Club
© Margarida SantosCristiana criou o Picnic Book Club em Junho de 2024

No início de 2024, juntou-se ao clube do livro do Batalha - Centro de Cinema, e foi aí que a sua paixão pelas leituras conjuntas e a partilha de ideias e recomendações eclodiu. Quando este terminou, em Maio, a jovem tomou uma decisão: criar o seu próprio clube literário.

A meio do mês de Junho, publicou, sem grandes expectativas, no seu perfil do TikTok: “Meninas do Porto, quem quer criar um clube de leitura para fazer piqueniques e discutir livros feministas? Encontros no Parque da Cidade com comidinha e solinho”. Umas horas depois, a quantidade de comentários e mensagens privadas espantou-a. “Estava à espera de receber uns três comentários, mas foram dezenas. Tive de pensar rápido em como fazer isto funcionar e criei um grupo no Whatsapp, que é o mesmo até hoje”, conta Cristiana.

As primeiras sessões tiveram entre cinco a dez participantes e realizaram-se todas nos Jardins do Palácio de Cristal, à volta de toalhas de piquenique, pequenos snacks e livros, claro. “Desde o início, estabeleci que o Picnic Book Club era feminista e político. O leque de géneros é abrangente - desde os romances à teoria -, mas os livros escolhidos têm sempre questões sociais, culturais ou políticas associadas”, revela a jovem, que selecciona, no início de cada mês, “quatro ou cinco” títulos para a discussão seguinte, que vão depois a votação pela comunidade.

“A própria pesquisa que faço para apresentar opções diferentes já me fez descobrir inúmeros livros e autores que, sem o clube, provavelmente nunca descobriria”, conta Cristiana. O sentimento é partilhado por várias das pessoas presentes no encontro de Março do Picnic Book Club, acolhido no andar de cima do café portuense Rota do Chá.

Picnic Book Club
© Margarida SantosA comunidade de Whatsapp do Picnic Book Club já conta com mais de 200 membros

Na vida e nas obras: qual o papel da mulher na sociedade?

Das 15.00 às 18.00, normalmente no último sábado de cada mês, há muito pano para mangas. Cristiana chega mais cedo, para fazer uma distribuição de sala conveniente, mas, até às 15.30, as alterações e pedidos simpáticos por mais cadeiras são constantes. “O grupo principal do clube já tem mais de 200 pessoas, que depois partilham e trazem amigos. O crescimento tem sido natural”, conta. “Desde a sessão de A História de Uma Serva, de Margaret Atwood, em Janeiro, que as sessões têm tido sempre entre 20 a 30 pessoas”.

Mas Cristiana não deixa que a sala cheia a intimide. Lembra-se dos nomes de todos os elementos habituais e pergunta animadamente o dos debutantes, para apontar num post-it em formato coração, do género “Hello, my name is…”. Depois de instalados, a discussão, desta vez acerca de O Caderno Proibido, de Alba de Céspedes, começa. A “CEO” do clube, como é divertidamente chamada, levanta-se: “Traiu ou não traiu?” e múltiplas mãos sobem de imediato, ansiosas pela sua vez.

Durante as três horas, várias ideias são trocadas, tanto acerca do livro, como da maneira como este se espelha na sociedade actual, sempre num registo relaxado e amistoso. Num grupo na sua maioria feminino, com idades compreendidas entre os 18 e os 50, fala-se dos desafios da maternidade, de dinâmicas familiares complicadas e da divisão de tarefas domésticas e da paciência descomedida das mulheres. A conclusão? “Temos de ser mais cabras”, diz Eva Oliveira, provocando risos pela sala.

Picnic Book Club
© Margarida SantosRota do Chá, Embaixada do Porto, Poetria e The Passenger Hostel são alguns dos locais que já receberam encontros do clube

Tanto para ela, como para Inês Pinto, uma das primeiras participantes, o Picnic Book Club é um momento importante de partilha e comunhão. “É bastante difícil fazer amigos em adulto e ter espaços e momentos onde conhecer pessoas, principalmente com interesses em comum”, conta a jovem de 27 anos. “O ângulo político das discussões, sobretudo, é muito importante, tendo em conta que a maioria de nós é mulher e/ou queer”.

Ana Luísa Santos, de 26 anos, é psicóloga e partilha que a leitura, incentivada pelo clube, a tem ajudado bastante na sua profissão. “Ter de analisar bem os títulos para discutir aqui e ouvir os pontos de vista dos outros faz-me perceber melhor as personagens, as razões por detrás das suas acções e as dinâmicas entre elas — ajuda-me a entender melhor pessoas”, revela. Além disso, a jovem, natural do Brasil e a viver em Portugal há três anos, partilha que o clube lhe tem vindo a conceder um entendimento diferente da cultura portuguesa. “No Brasil, temos tendência a torcer um pouco o nariz a coisas portuguesas. Provavelmente nunca teria lido autores de cá se não fosse pelo book club e acabei por gostar muito dos que já lemos”.

Picnic Book Club
© Margarida SantosNo Verão, os encontros em jardins e parques vão voltar

Quando batem as 18.00, Cristiana partilha os planos para o mês de Abril, “que só podia ter um tema, claro”: a liberdade. Das várias obras apresentadas, todas nacionais, acaba por ganhar A Noite, de José Saramago, depois de um confronto renhido com As Novas Cartas Portuguesas, d’As Três Marias. Como Abril é sinónimo de "águas mil", é melhor jogar pelo seguro. O encontro deste mês realiza-se no dia 26, sábado, no Espaço Cultural Jubilant, mas o Verão trará com ele o regresso dos encontros ao ar livre.

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