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Toda a gente merece uma segunda oportunidade. Uma oportunidade de redenção. Uma oportunidade de trabalho. Uma oportunidade de fazer parte da sociedade como qualquer outro cidadão. A Reshape parte daqui, da crença em segundas chances, para ajudar a comunidade prisional no processo de reinserção através de uma marca trabalhada pelas mãos de reclusos e ex-reclusos. O projecto começa com a cerâmica, mas há planos para mais ofícios.
Voltar (ou pensar em voltar) ao activo não é fácil para quem está ou esteve atrás das grades, e a grande missão da Reshape é criar esse impacto positivo, formando e dando emprego a estas pessoas, "quase como uma forma de transição para o mercado de trabalho", diz Duarte Fonseca, director executivo da APAC, uma associação que implementa novas abordagens para transformar a vida dos reclusos, e que agrega agora a marca Reshape.
“Na APAC temos vindo a desenvolver muitos programas de empregabilidade e a procurar soluções que facilitem o caminho à reinserção. Acreditamos que esse caminho tem de ser feito ainda dentro da prisão e, depois, nos primeiros tempos cá fora”, explica Duarte. A taxa de reincidência é um dado que não existe em Portugal e, no mundo, estima-se que seja de 75% a 80%. Por cá, segundo o site da associação, sete em cada dez pessoas que saem da prisão voltam a cometer crimes. São estes números que a Reshape quer contrariar.
O projecto arranca com a cerâmica por ser um ofício “muito terapêutico”, um autêntico exercício de paciência e de detalhe. “Encontramos na cerâmica muitas metáforas do processo de reinserção, porque é uma actividade imprevisível, mesmo que nos esforcemos para que saia bem”, explica Duarte. “A vida nunca corre como queremos, tal como a cerâmica pode correr muito mal. Queríamos que eles aprendessem a lidar com essa frustração.”
Para já operam em Lisboa e o processo é sempre feito em articulação com os estabelecimentos prisionais, no caso de a formação começar ainda durante o período de cumprimento da pena. Cá fora, as pessoas que já passaram pela reclusão podem contactar a associação. “Há muito aquela coisa do ‘eu sou capaz’, que reflecte o crescimento da autoestima. Os processos de reinserção são processos de autoestima, se eu for capaz de sobreviver a isto e assimilar as responsabilidades então começo a ficar pronto para aquilo que é a vida cá fora”, conta Duarte.
Neste momento, têm um ex-recluso, uma das primeiras pessoas a ser ajudada pela APAC, e outros quatro ainda dentro do estabelecimento prisional a trabalhar nas peças da primeira colecção da Reshape Cerâmica. Todo o trabalho é feito numa oficina em Caxias, com ajuda de ceramistas que se aliaram ao projecto e que estão encarregues do design, controlo de qualidade e formação da comunidade prisional envolvida.
O objectivo primário é criar oportunidades concretas de reinserção destas pessoas na sociedade, capacitá-las e mostrar-lhes o mundo cá fora e como funciona – Duarte conta que muitos dos reclusos acabam por não ter noções básicas de gestão da vida. “Temos de fazer um trabalho progressivo: explicar que precisam de um emprego e para isso precisam de um CV, de saber onde procurar, de saber gerir depois um ordenado e reparti-lo pelas despesas fixas. No fundo, o nosso trabalho passa por gerir expectativas”, conta. “Muitos deles querem mudar de vida realmente, mas como nunca tiveram uma oportunidade não sabem o que fazer.”
E nesta escadaria que é a reinserção social da comunidade prisional, a mudança e a vontade de mudar são a chave. “É tudo um processo de confiança e de criarmos uma relação com o recluso, há sempre barreiras que precisam de ser ultrapassadas”, diz o director da APAC. “É preciso tempo, é tudo uma questão de tempo e o nosso logótipo reflecte precisamente a passagem do tempo. É preciso tempo para transformar as peças e a eles próprios, é aí que está a mudança.”
Inevitável será falar do preconceito, esse fantasma que continua a assombrar quem entra e sai da prisão. Não escondem em momento algum a história da marca, mas parte do papel da Reshape passa, precisamente, por combater o ciclo vicioso por detrás dos estereótipos sociais em relação aos presos. “Sabemos que cada peça que vá parar a uma casa vai ser motivo de conversa, obviamente, mas ao mesmo tempo queremos que as pessoas comprem porque o produto tem qualidade, porque é útil”, refere Duarte, referindo que a escolha de uma primeira colecção focada no tableware não foi por acaso. “É à mesa que as pessoas se reúnem e falam, por isso fazia todo o sentido trazer o tema e a vida destas pessoas para cima da mesa. É uma forma válida de alterarmos preconceitos e mitos.”
Por outro lado, a criação de uma marca acaba por servir de alavanca para a APAC ter alguma sustentabilidade financeira, uma vez que o valor das peças é investido na associação, que assim deixa de estar totalmente dependente de donativos, como até aqui.
O que é que a Reshape tem?
Para já, a primeira colecção, Timeless, estende-se por vários produtos, como taças (12€), pratos de refeição (12€), pratos de sobremesa (9€), anéis de guardanapo (4€), copos (8€) e copos de café com pires (8€), tudo já à venda no site da Reshape. A ideia é terem pelo menos duas colecções por ano e irem lançando produtos novos ao longo do tempo, para complementar as peças dos clientes que se vão fidelizando.
Numa segunda fase querem tornar-se numa “love brand”, ou seja, cativar a lealdade do cliente criando laços emocionais através daquilo que a marca representa.
A Reshape começa com cerâmica, mas a ideia é alargar o espectro a outros ofícios quando o projecto estiver bem consolidado. “O princípio será sempre o mesmo em todos, capacitar estas pessoas, dar-lhes ferramentas para vingarem cá fora, ao mesmo tempo que apresentamos produtos de qualidade”, diz, dando exemplos como a marcenaria, vinhas ou serralharia como possíveis actividades futuras para marcas satélite da Reshape. “Está em vista também que o projecto cresça para possibilitar que mais pessoas trabalhem connosco, criarmos mais oportunidades de trabalho em várias áreas.”
A sustentabilidade é mais um dos pilares da marca, que espera conseguir tornar-se neutra em emissões de carbono daqui a uns tempos. O cuidado na escolha dos fornecedores, o número de fornadas feitas, os materiais utilizados no processo – tudo é pensado ao detalhe. “Naquilo que ainda não conseguimos ter controlo total da sustentabilidade do produto, tentamos compensar com o resto, mas esta questão do ambiente já tem de nascer com as empresas, não é uma tendência, é um dever de todos”, remata Duarte.
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