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Na casa de Luciano Britto, em Custóias, os balões de São João são os protagonistas. Há papéis de seda de várias cores sobre as mesas da sala, embalagens de cola, ferramentas, arames e caixas organizadas em cima de prateleiras. Nestes últimos tempos, o mestre baloeiro não tem tido mãos a medir. A noite de São João aproxima-se e é necessário garantir que uma das suas maiores tradições é cumprida: o lançamento dos balões de ar quente que, todos os anos, quando é permitido, preenchem os céus nocturnos da Invicta com milhares de pequenos pontos de luz. Alguns dos balões que faz, ficam, no entanto, em exposição em vários espaços da cidade e ajudam a entrar no espírito da festa.
Se reparar nos balões expostos no Mercado do Bom Sucesso, saiba que foram pensados e feitos à mão por este baloeiro, assim como muitos dos que são lançados na noite de São João no Porto, mas também em Braga e na Lousã. São horas e horas de trabalho, de muito desenho e de corta e cola que o baloeiro assegura não trocar por nada. “Para mim, isto é uma arte. Sou muito apaixonado pelo balão”, conta à Time Out Porto.
Uma arte que Luciano Britto quis seguir desde muito novo, apesar de, muita gente, sobretudo antigamente, “não considerar o baloeiro como uma profissão”. Luciano nasceu no Rio de Janeiro, onde já se dedicava a construir de forma artesanal os balões de São João, que também são uma tradição em terras brasileiras, durante as Festas Juninas que se celebram igualmente a 24 de Junho. Mudou-se para o Porto em 2017 para continuar esta arte e já fez balões gigantes para vários locais — teve, inclusivamente, o Presidente da República a lançar um balão feito por si. Organiza oficinas para ajudar outros a aprenderem a fazer o seu próprio balão e todos os dias pensa em novas cores, novos formatos e novos desenhos. Das suas mãos, já saíram milhares.
Baloeiro desde sempre
“Nasci no meio de baloeiros. Os meus dois irmãos faziam balões e os meus ídolos de infância são os meus amigos de hoje, que eram os grandes baloeiros daquela época. Quando iam lançar balões em praça pública, juntavam duas, três mil pessoas. O balão no Brasil era uma coisa surreal”, recorda Luciano Britto, de 47 anos. De todos os balões que já criou, um dos que mais guarda na memória foi um balão de três metros, feito quando tinha apenas nove anos. “Levei uma semana para fazer esse balão e ainda tenho na cabeça a imagem do dia em que o lançámos. Estava com os meus irmãos, estava um dia muito bom, céu muito azul, sem vento, era de manhã cedo”, recorda. O balão, explica, “era um elemento quase obrigatório na festa de São João”, até ser proibido em território brasileiro, em 1988, devido ao risco de incêndios.
Nesse período, o baloeiro teve de deixar a sua grande paixão durante dois anos. Procurou outra actividade, tentou mudar, mas os balões nunca saíram do seu pensamento. “Percebi que estava deprimido, estava triste, ficava muito tempo sozinho. Tinha de voltar a fazer balões. E voltei a fazê-los com menor tamanho”, explica, acrescentando que a solução encontrada foi fazer uma exposição de balões insufláveis, que não incluísse o seu lançamento, mas que mostrasse a todos esta arte e tradição.
Essa exposição, acrescenta, foi um momento chave no seu percurso como baloeiro. Após conhecer o artista plástico Paulo Paes, que faz esculturas inspiradas nas bases técnicas dos balões, esteve no espaço Maus Hábitos, em 2013, para um evento sobre o São João, que incluía algumas oficinas para ensinar a fazer balões. Foi o primeiro contacto com o Porto.
O baloeiro voltou, depois, em 2015 e em 2017, ano em que se mudou para Portugal. “Sou um seguidor da minha intuição. Em 2013 fiquei 15 dias no Porto e houve uma altura em que estava sentado na Avenida dos Aliados e comecei a pensar que tinha de ir para casa e naqueles poucos segundos questionei onde era a minha casa. Parecia que já vivia aqui, mas não me estava a lembrar qual era o caminho para casa. Aquilo ficou na minha cabeça até ao dia em que vim morar para cá. Era o destino, acho que já estava encaminhado”, recorda.
Em 2017, os 500 balões que tinha preparado para lançar nos céus do Porto, numa iniciativa da autarquia portuense, ficaram em terra devido à proibição do seu lançamento por causa da época de incêndios que na altura se vivia. Um ano depois, em 2018, foi novamente possível cumprir a tradição e Luciano recorda como trabalhou "a noite toda a chorar, porque finalmente foi permitido lançar os balões".
Uma arte que exige paciência e criatividade
Apesar de esta altura ser de maior trabalho para Luciano Britto, o baloeiro trabalha durante o resto do ano num atelier de cerâmica. Juntamente com ele, a sua mulher Luciele e os dois filhos, Guilherme e Rafael, dão uma ajuda essencial no sonho e no trabalho do baloeiro. E também eles já têm experiência nesta arte.
Fazer um balão mais pequeno pode demorar, por exemplo, entre 30 minutos e uma hora, sendo que o material consiste em papel de seda, cola, arame para fazer a estrutura da “boca” do balão, onde vai ser colocada a mecha, que é feita de algodão com parafina. O trabalho é minucioso, exige atenção, paciência e muita criatividade para pensar e fazer infinitos padrões — desde martelos a azulejos representativos de Portugal.
Uma das partes que mais aprecia nesta arte, confessa Luciano Britto, é o convívio, sobretudo nas oficinas para aprender a fazer balões de São João. “A essência do balão é que se faça um trabalho colectivo. Historicamente, o balão faz a conexão entre o ser humano e o santo. Lançamos o balão como oferta e, antigamente, era também muito comum escreverem-se mensagens nele — desejos ou agradecimentos — e enviá-los para o São João”, explica.
Luciano Britto conhece os balões e a sua aerodinâmica como a palma da sua mão e uma das suas grandes lutas é consciencializar a população sobre como usar correctamente os balões, para assim evitar situações como incêndios que, muitas vezes, levam à proibição deste objecto ou outros acidentes. “Antes da proibição há várias etapas que podem ser contornadas como, por exemplo, a educação, a consciencialização, a melhoria da técnica de produção de lançamento, o material que vai ser usado. Tenho isso como uma missão: melhorar a forma aerodinâmica do meu balão, melhorar o material que uso, marcar o tempo que a mecha do meu balão fica acesa. É a minha missão. Parece que trabalho sozinho no universo, mas não desisto”, assegura.
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