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O Teatro Taborda, a residência do Teatro da Garagem em Lisboa, na Costa do Castelo, fechou recentemente para obras. Mas nem por isso se adia o regresso aos palcos. Em itinerância, no Porto, a companhia estreia a comédia Tartufo, de Molière, no Mosteiro de São Bento da Vitória, onde ficará em cena de 29 de Setembro a 10 de Outubro. Assumindo a “alegre anomalia” na sua identidade artística, assente na investigação de novas formas de escrita para teatro e de novas formas cénicas para as acompanhar, Carlos J. Pessoa convida à meditação sobre a mentira e a hipocrisia através da revisitação de um clássico francês, que se revela profundamente actual.
“O nosso percurso tem sido sempre feito com autoria própria, mas os textos do repertório clássico nunca deixaram de estar na nossa mente, até por força do meu trabalho”, esclarece o encenador, que é também professor na Escola Superior de Teatro e Cinema há mais de três décadas. “É para mim e para a companhia natural fazer este Molière. Para já, porque havia um convite do Teatro Nacional São João [TNSJ] e entendemos os teatros nacionais, por natureza, como os mais bem apetrechados para a experiência do teatro clássico, que normalmente envolve elencos um bocadinho maiores e peças com uma logística mais complexa.”
É também uma questão de serviço público, diz Carlos J. Pessoa. O encenador confessa-se cúmplice do compromisso assumido pelos teatros nacionais de proporcionar aos espectadores a oportunidade de conhecer textos matriciais da cultura. Um dos mais famosos de todos os tempos, Tartufo estreou, pela primeira vez, em 1664, tendo sido censurado por causa da crítica feita aos devotos religiosos. Proibida pelos tribunais do rei Luís XIV, onde a Igreja tinha grande influência, levou cinco anos para ser liberada. Mas a sua repercussão foi tamanha que o termo “tartufo” passou a significar “indivíduo hipócrita”, dando origem ainda a uma série de palavras derivadas.
“O Tartufo passa a vida a ludibriar e a pretender ser uma coisa que não é, para seu próprio benefício. Mas é, se calhar, o menos tartufo de todos eles, porque a certa altura é o mais transparente, e as outras personagens também se aproveitam das fraquezas do outro para defender o seu status quo”, sugere o encenador. Ou seja, usamos bodes expiatórios para “sacudir as nossas próprias responsabilidades em relação a essas pessoas e às situações onde essas pessoas desembocam”. Sabendo como viver em sociedade é viver em interdependência, vulneráveis às tartufices uns dos outros, umas mais graves do que outras, Carlos J. Pessoa crê ser urgente curar a “doença contemporânea” que nos impede de estabelecer patamares de confiança e compromisso.
“Este texto é de uma ressonância ímpar.” Ainda para mais, acrescenta, no rescaldo de um período eleitoral com cerca de 46,35% de abstenção. “Que país é este, que veio de uma pandemia com ano e meio, em que metade da população se demite de participar na vida cívica? Há uma crise de confiança das pessoas nas instituições, das pessoas umas nas outras e, porventura, das próprias pessoas nelas mesmas.” Talvez o retrato impiedoso mas magnânimo que Molière faz da humanidade nos ajude a criar pontes. Quanto mais cientes estivermos da realidade da tartufice, quase como fazendo parte da condição humana, mais facilmente aprenderemos a viver uns com os outros e a redobrar os nossos esforços no empenho cívico.
Com tradução da poeta Regina Guimarães, que o encenador assegura ter salvaguardado o ritmo e a coloratura verbal da peça, “a carpintaria textual de Molière”, Tartufo não irá estrear no palco do TNSJ, como estava previsto ter acontecido em Fevereiro. Mas a sua lente para as nossas misérias e grandezas encontrou espaço na monumentalidade extraordinária do Mosteiro de São Bento da Vitória, um cenário opulento capaz de nos transportar para “um tempo de inquietações”. Para o ano, a comédia de Molière subirá ao palco onde foi reconstruída, no Teatro Taborda. Antes, haverá muitas outras reflexões para fazer.
Mosteiro São Bento da Vitória. De 29 de Setembro a 10 de Outubro. Qua-Sáb 19.00 e Dom 16.00. 10€.
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