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Há mais de 700 anos nascia em Vila do Conde um sonho antigo de D. Afonso Sanches e da sua mulher D. Teresa de Meneses. O Mosteiro de Santa Clara, imponente e sóbrio edifício com vista para o rio Ave, foi palco de várias histórias, mitos e usos: começou por ser um convento feminino, depois um centro educativo, e foi até, temporariamente, um tribunal. Em Março deste ano, e depois de um longo período desactivado e degradado, ganhou uma nova vida e é agora a casa renovada do The Lince Santa Clara Historic Hotel.
Este hotel não é só mais um. Nasceu das obras de requalificação feitas no âmbito do programa REVIVE, destinado à recuperação e valorização do património nacional, e é a primeira unidade cinco estrelas do grupo The Lince. O projecto de requalificação ficou a cargo do arquitecto Carvalho Araújo, que quis manter a traça original do antigo mosteiro e criar espaços em que o conforto e a contemporaneidade trabalhassem em conjunto, sem nunca esquecer a história que todo o edifício guarda.
Já a decoração, sóbria e elegante, ficou nas mãos do atelier Vilaça Interiores, que apostou nos detalhes — desde os fardamentos dos funcionários, feitos pela designer Micaela Oliveira, aos produtos vendidos na loja (todos relacionados com a identidade de Vila do Conde), passando pelos atalhos escondidos nos portões que ligam o mosteiro ao resto da cidade e que podem ser utilizados com a chave do quarto de cada hóspede.
Percorrer os corredores deste hotel é “como viver naqueles tempos de serenidade e de contemplação, mas com uma energia diferente”, explica Helena Gonçalves, directora Comercial e Marketing, enquanto faz uma visita guiada ao espaço. O objectivo é também viajar até aos tempos de contemplação e serenidade das Clarissas, ordem religiosa que viveu neste mosteiro e que prezava o silêncio e, muitas vezes, utilizava um código secreto de linguagem gestual para comunicar os aspectos mais mundanos, como a alimentação e o vestuário. Por isso, se vir símbolos de linguagem gestual nas cartas dos restaurantes, do spa ou do Abadessa Bar, não se admire. Aprenda. E, se estiver confiante, use-os.
No total, o hotel conta com 87 quartos, incluindo 11 suítes, cada uma com nomes que evocam figuras da nobreza, do passado conventual, da literatura e da vida cultural associada a Vila do Conde, como D. Afonso Sanches e D. Dinis, Eça de Queirós, Camilo de Castelo Branco ou Antero de Quental. No último dos três andares estão as mansardas, quartos com características únicas, que permitem ver o céu estrelado e apreciar as vistas panorâmicas. É também aqui que se encontra o maior quarto deste hotel – a Grand Mansard Suite José Régio, com 86 metros quadrados.
Os primeiros clientes que chegaram em Março, quando o hotel abriu em regime de soft opening, “foram um casal norte-americano e um senhor de Vila do Conde”, recorda Helena Gonçalves, sublinhando o desafio que é manter a identidade de um mosteiro tão importante e histórico para a cidade e, ao mesmo tempo, oferecer um serviço inovador, confortável e de qualidade. O hotel foi inaugurado oficialmente no dia 21 de Junho e, em breve, vai ter um Centro Interpretativo, dedicado
ao património histórico e cultural do edifício, onde vai estar exposto o espólio do mosteiro – parte dele descoberto durante as escavações e obras de renovação –, com entrada livre. Haverá também uma outra estrutura de eventos que vai poder receber entre 200 e 250 pessoas.
Um dos serviços existentes no The Lince Santa Clara é o Aqueduto Wellness & Spa by Sisley Paris, que conta com quatro salas de massagem – cada uma com nomes ligados a elementos da natureza –, um ginásio, uma piscina infinita no exterior, uma zona de hidroterapia na piscina interior, sauna, banho turco, cromoterapia e fonte de gelo. Há ainda um duche experiencial, que trabalha com diferentes sons, aromas e temperaturas. Telma Carvalho é a spa manager e faz uma introdução à oferta que existe neste espaço, desde tratamentos da marca Sisley a tratamentos de assinatura da marca Aqueduto. O relaxamento Aqueduto (95€/50 minutos; 155€/90 minutos), por exemplo, é um dos que têm tido mais saída, explica.
Vai um fine dining ou um regresso às raízes?
Durante as obras de renovação do mosteiro descobriu-se um novo piso. E é lá, no piso subterrâneo, que está localizado o Restaurante Oculto, assim chamado por estar precisamente num espaço novo, que estava escondido. O restaurante tem assinatura do chef Vítor Matos, detentor de duas estrelas Michelin no seu restaurante Antiqvvm, e desmistifica o fine dining, prometendo converter os ingredientes mais frescos da estação em verdadeiras obras de arte culinária.
Se, por outro lado, procura algo mais tradicional e que remeta para os tempos de infância, pode optar pelo Restaurante Mosteiro, um espaço que acolhe as especialidades culinárias criadas pela experiente dona Júlia (do restaurante D. Júlia, em Braga) que, para muitos, dispensa apresentações. Júlia Oliveira, de 61 anos, chega com a simplicidade e profissionalismo que todos lhe reconhecem. Não tirou cursos de culinária e tudo o que faz “é a olho, sem medidas”. “Mesmo para os bolos, nunca usei uma balança na minha vida”, conta.
Este é um dos aspectos que tornam a comida tradicional portuguesa de Júlia ainda mais única. Na carta há clássicos como o cabrito assado no forno (60€, duas pessoas), o povo à lagareiro (65€, duas pessoas) ou as favas estufadas com chouriço (10€). Mas também pode optar pelos filetes de pescada com arroz de tomate (48€, duas pessoas) ou pelo bacalhau à moda de Braga (55€, duas pessoas).
Filha de emigrantes, Júlia aprendeu a cozinhar quando ainda era criança, porque a vida assim o exigiu. “Houve uma altura em que o meu pai fazia horas extra e a minha mãe saía tarde da fábrica e eu fui bater à porta da vizinha para ela me ensinar a cozinhar. Na primeira vez fiz umas batatas cozidas, depois fiz arroz de tomate, só que deitei sal a mais. Tinha oito anos”, explica à Time Out.
A gastronomia tornou-se mais séria quando casou e ocupou um espaço que lhe foi disponibilizado: "Comprámos duas pipas de vinho, metemos umas caixas de milho e comecei a fazer petiscos na brincadeira. A fama começou e quando me apercebi já tinha gente de Guimarães, Braga, etc. Faziam filas de carro para comer os meus petiscos, desde cebolada a frango estufado, panados, bacalhau frito”. Chegou a servir mais de 200 clientes por refeição e manteve o negócio durante quase 30 anos.
Há três anos, encerrou o restaurante que tinha em Braga e não tinha intenção em continuar mais o negócio da restauração. Sentia-se cansada. Até que surgiu a oportunidade de voltar a cozinhar, desta vez no The Lince Santa Clara Hotel. Apesar de ser um ambiente diferente daquilo que viveu durante três décadas, diz que o feedback tem sido positivo: “Quase todos os meus clientes vêm-me procurar e alguns vêm cá de propósito. Não sei o que é trabalhar sem clientes. Há clientes que até se emocionam e dizem que lhes faz mesmo lembrar os tempos de infância, a comida das avós. Isso é o que me dá vontade de continuar. Dá-me gozo fazer a cozinha tradicional precisamente por causa disso". Júlia vive agora um novo capítulo da sua história, tal como este mosteiro.
Largo Dom Afonso Sanches (Vila do Conde). 252 035 300. Quarto duplo desde 287€ por noite (com pequeno-almoço incluído)
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