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Uma sociedade a desmascarar-se ao espelho na Galeria Municipal do Porto

A exposição 'Máscaras' pode ser vista até 16 de Agosto na Galeria Municipal do Porto.

Escrito por
Maria Monteiro
'Máscaras (Masks)' na Galeria Municipal do Porto
© Dinis Santos / Galeria Municipal do Porto
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Quando João Laia e Valentinas Klimašauskas começaram a desenvolver e a conceptualizar uma exposição protagonizada por máscaras, a convite da Galeria Municipal do Porto, não imaginavam a dimensão que elas viriam a ocupar na vida quotidiana alguns meses depois, por força da pandemia. É verdade que Máscaras (Masks) – exposição colectiva que deveria ter inaugurado a 15 de Março e que marcou, a 2 de Junho, a reabertura da Galeria Municipal do Porto (GMP) –, interpela estes objectos como meio de protecção, mas esta não é exclusivamente sanitária. “Essa é uma utilidade muito lata. Pode ser para trabalhar, não é necessariamente contra uma doença”, adverte João Laia.

O curador português, que há um ano se tornou curador-chefe do Kiasma, museu de arte contemporânea de Helsínquia, reconhece que “a arte não é separada da vida”, por isso é natural que surjam novas leituras, imagens e significados condizentes com a realidade que vivemos. Contudo, esta é apenas uma de muitas narrativas sobre máscaras que coexistem no espaço da galeria. “Quisemos partir da máscara para trabalhar a transformação das identidades contemporâneas”, explica.

Presença assídua desde tempos remotos, a máscara materializa-se sob diversas formas e funções: “caricatura, camuflagem, disfarce, face-swapping, mascarada, imitação, protecção, ridículo, maquilhagem social” são alguns exemplos enumerados no texto de apresentação da exposição. Seja online ou offline, para “fins de entretenimento, propaganda ou activismo”, a máscara “une povos completamente diferentes no tempo e no espaço”, nota João Laia, que colaborou com o lituano Valentinas Klimašauskas na curadoria.

'Máscaras (Masks)' na Galeria Municipal do Porto
A heterogeneidade das obras reflecte a complexificação da identidade© Dinis Santos / Galeria Municipal do Porto

Os dois partiram dessa “voz uníssona” para abordar “as diferentes formulações que as máscaras evocam” e reflectir sobre a actual metamorfose de identidades históricas, sociopolíticas, sexuais e transcendentais. “No fundo, era a ideia de que as identidades se estavam a complexificar”, refere João Laia. O carácter cada vez mais heterogéneo da sociedade traduz-se num “conjunto expositivo bastante eclético a nível dos media [utilizados]”.

Há pintura, escultura, arte cinética, vídeo, instalação, fotografia e som, produzidos por mais de 20 artistas nacionais e internacionais, como Adrian Piper, David Hall, Joanna Piotrowska, Cindy Sherman, Laure Provost, Joana da Conceição, Jonathan Uliel Saldanha ou The Dazzle Club. Apesar de multiforme e dispersa nesse sentido, a exposição procura proporcionar “experiências [integrais] que não são apenas para serem pensadas, mas vividas”. Assim, sublinha Laia, o “visitante é [visto como] uma entidade material que navega o espaço também com o corpo”.

Para criar essa intimidade entre espaço e público, os curadores contaram com a ajuda do Fala, ateliê de arquitectura portuense, para elaborar um desenho expositivo frontal. Em vez de revestirem as paredes da galeria, as peças estão em estruturas colocadas no chão, viradas para o mesmo lado, numa disposição que “define imenso o que a exposição é”. “A ideia era que o visitante chegasse ao fim e se virasse para ver a parte de trás dos trabalhos – desmascarando-os.”

O uso obrigatório de máscara por parte do público confere à exposição “uma dinâmica quase de espelho” e suscita uma visão “mais literal” das obras. Mas não diminui a amplitude dos seus questionamentos. “Há sempre uma tentativa de sublinhar que o que aqui se fala é o que vivemos diariamente.”

Três perguntas a... João Laia

João Laia, curador de 'Masks', na Galeria Municipal do Porto
© Pirje Mikkänen/Finnish National Gallery

Qual é o balanço deste ano de curadoria no Kiasma?

Esta é a minha primeira experiência institucional. Já tinha colaborado com algumas instituições nacionais e internacionais, mas de forma independente. Aqui há uma organização extrema. Tudo é muito pensado e questionado, há muito tempo para trabalhar, o que é um luxo, principalmente a nível pessoal. Além disso, tem sido muito positivo trabalhar com muito mais gente no mesmo projecto. Como independente, chegava a uma instituição com uma ideia clara, depois podíamos trabalhar os ramos, mas o tronco estava feito. Aqui tudo é conduzido desde as raízes e tem sido uma experiência de aprendizagem fantástica.

Depois de coordenar a secção Opening, da ARCOlisboa [dedicada às jovens galerias], como foi participar no Curators and Collectors Picks da edição online de 2020?

Foi um convite muito generoso, também de carta branca, que deixou a selecção das obras apresentadas pelas galerias ao meu critério. Podia ter sido uma selecção solta ou coerente. De forma espontânea, quando estava a escolher os trabalhos, notei uma série de sobreposições de ecos sobre o corpo humano. Nunca era um corpo sistémico, eram sempre partes. Fiz essa escolha e chamei-lhe Anatomia de um tempo: uma colecção imaginária.

Com o cancelamento e adiamento de feiras, a arte saltou para o online. Como vê o peso deste meio no futuro do mercado?

Na realidade, o que faço com as exposições é tentar criar um contraponto o mais forte possível com a realidade digital e sublinhar a experiência física num espaço. Encarar a exposição como algo que muda quando se tira. Não acho que [o online] substitua o físico, é um complemento que agora se tornou predominante pela falta de alternativas e é óptimo para ultrapassar fronteiras económicas e geográficas. Mas penso que a vontade de todos é que volte a ser possível coexistir no mesmo tempo e espaço.

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