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Os pais de Abelard, Adler e Hadrian desapareceram. Não sabemos como nem porquê. Não sabemos se estão vivos ou não. Sabemos, apenas, que saíram de cena sem deixar rasto e sem se despedirem. É no confronto com a sua ausência e na busca por pistas para solucionar o enigma do seu desaparecimento que encontramos Os Três Irmãos, nova peça de Victor Hugo Pontes a partir de texto original de Gonçalo M. Tavares que se estreia no Teatro Viriato, em Viseu, na sexta 18, às 21.30, e fica em cena até sábado.
“Esta ideia de família e de ausência era muito forte”, recorda o coreógrafo sobre os primórdios deste trabalho. “Ainda mais porque, durante o período [de confinamento] que estávamos a atravessar, não nos podíamos despedir das pessoas.” Trazer a angústia da realidade para cena foi quase um reflexo do período de criação, que coincidiu com os dias de isolamento social e as semanas de desconfinamento que se seguiram.
Logo no início, vemo-nos ao espelho na agitação e desorientação dos três irmãos, que deambulam pelo palco à procura dos pais, olhando em todas as direcções, vasculhando o não-lugar onde se encontram até à exaustão. Paralelamente, dão continuidade a um quotidiano familiar constituído por episódios de harmonia, como a partilha de refeições e de hábitos de higiene, e outros de tensão, como o ciúme entre irmãos, a divergência de opiniões e o conflito com os fantasmas do passado.
“Esta peça retrata o que é viver em família e aprender a dividir o espaço e os afectos”, comenta Victor Hugo Pontes. É, precisamente, o embate de perspectivas e vontades das três personagens que gera a acção da coreografia, interpretada pelos bailarinos Dinis Duarte, Paulo Mota e Valter Fernandes. “Claro que existe plasticidade e qualidade de movimento, mas ela vive muito da relação deles uns com os outros e com este espaço.”
Os Três Irmãos resulta do “interesse mútuo [de Victor Hugo Pontes e Gonçalo M. Tavares] no trabalho do outro” e da vontade do coreógrafo em pôr estes três bailarinos em palco ao mesmo tempo — todos haviam participado noutras produções da Nome Próprio, estrutura residente no Teatro Campo Alegre, da qual é também director artístico. Depois de lançar o desafio ao escritor, fez-lhe chegar uma lista de palavras com possíveis temas para a peça.
Ao mesmo tempo, os primeiros improvisos decorriam com muita cautela à mistura. Nas primeiras duas semanas, não havia toque ou proximidade, mas rapidamente se percebeu a dificuldade em montar um dispositivo cénico com estas características. “Mesmo sem toque, eles suam gigantemente, o chão fica ensopado, e a seguir eles tocam no suor”, problematiza o coreógrafo.
Face à necessidade incontornável do contacto físico, a equipa passou a funcionar com uma família, precavendo-se com os cuidados recomendados a toda a população. Assim, o espectáculo ganhou forma com a sobreposição dos corpos acompanhada pela projecção do texto escrito por Gonçalo M. Tavares e em nenhum momento verbalizado pelos irmãos.
Com música original de Joana Gama e Luís Fernandes, Os Três Irmãos estreia numa altura em que as salas de espectáculos representam “uma sensação de fragilidade”. “A vibração de uma sala cheia e de uma sala com metade da capacidade é completamente diferente”, sublinha Victor Hugo Pontes.
Apesar das dificuldades inerentes à lotação reduzida a 50%, mostra-se optimista relativamente à resposta do público. Mas aconselha a que se reservem os bilhetes com antecedência, porque “como há menos lugares, eles vão muito mais depressa”. E não perde o humor. “Este ano vai ser óptimo a nível estatístico, porque vai estar quase tudo esgotado.”
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