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Qualquer museu precisa de um banquinho. Bem necessário, pois claro, que a arte cansa, há muitas salas e considerações a ter. Neste banquinho em específico, deste museu, não estão apreciadores de pintura exaustos de ler descrições e carradas de caracteres em letras minúsculas, nada disso, estão antes actores conhecidos da ficção portuguesa angustiados com o que estão a ver. Ainda agora começou e eles já querem que acabe.
É que do seu banquinho são obrigados a ver dez peças muito más, coisas históricas para o teatro português, de gente como Gil Vicente, Almeida Garrett, Luís de Sttau Monteiro, Bernardo Santareno. É claro que o banquinho faz falta. Worst Of, do Teatro Praga, é uma espécie de colete salva-vidas da dramaturgia portuguesa, estreado em 2018 no Teatro Nacional D. Maria II e agora apresentado no Rivoli.
De volta ao museu – e se insistimos tanto nisto é porque a proposta cénica é mais ou menos essa, entre isso e um ponto de turismo que toda a cidade tem na sua baixa ou zona histórica, com expositor de postais e tudo – convém adiantar que estamos aqui para dialogar com a orfandade do teatro português, com o pai que Gil Vicente e Almeida Garrett não conseguem ser. E já se sabe: pais fora, festa cá em casa. É assim, não é? Bom, o que importa é que essa ausência da figura paternal traz uma “liberdade à cena portuguesa, liberta de condicionalismos porque não há uma herança demasiada pesada”, afirma Pedro Penim, a seguir meio contrariado por André e. Teodósio: “Ao mesmo tempo que estás livre enquanto criador tens um trauma de infância porque, apesar de não existirem essas referências, tens que as estudar, tens que ir ao teatro ver Frei Luís de Sousa, porque é a tua língua, é a tua história; ou seja, é tudo mau mas tens de saber.”
Levantem-se agora todas as crianças portuguesas que dizem odiar teatro e se sentem incompreendidas. Bom, nem tanto, porque Worst Of não é uma proposta de maldizer, é antes este exercício proposto por Teodósio: “Então e se de facto for mesmo mau? Se os textos forem mesmo anacrónicos, mal escritos, não forem representativos da sua época ou da sua sociedade? Então decidimos fazer este espectáculo, que é pegar nas armas dos inimigos todas (nas quais também nos inserimos porque também vais dizendo que não queres saber deste teatro), abraçar esta negatividade toda e torná-la positiva.”
Era isto, portanto podem-se sentar todas as crianças novamente, vejam como é possível gostar de uma D. Madalena de Vilhena com tanto de estóica quanto de exagerada; de um marechal Beresford com um sotaque nunca antes praticado. Há tanto por apropriar, crianças. Sobretudo o desalento dos tais actores – Rogério Samora (na foto), Márcia Breia, São José Correia, Vítor Silva Costa – debruçados sobre a “merda”, como tanto repetem, como uma espécie de críticos da “merda”, ainda que mantenham um sentimento qualquer de pertença, de dor ainda maior, de a-gente-já-não-aguenta-mais-isto. E nesse confronto, a equipa mais habitual do Teatro Praga está do lado da “merda”, mergulhada, porque só assim podem “trabalhar o lixo”, garantia de André e. Teodósio. E se nos permitem, a estes meros visitantes de museu, está-se muito bem a olhar este lixo, muito bem de frente para esta “merda”. Viva a dramaturgia portuguesa.
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